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Não. Nós cedemos umas dependências na Barão de Mesquita ao CIE para eles fazerem uma espécie de "cela pretn" que aprende­ ram nos Estados Unidos e na Inglaterra. Mas o elE tinha autono­ mia para trabalhar em qualquer lugar do BrasiL Eles tinham aparelhos especiais, não oficiais, fora das unidades do I Exército, para interrogatórios.

"Aparelhos" como a casa de Petrópolis?

Como a casa de Petrópolis. A casa de Petrópolis era preparada para ''virar'', aliciar agentes, Não era nada daquilo que andaram falando. Não era casa de tortura. Mas não me pergunte quais são as casas do elE, porque eles nunca me contaram. Quando eu era chefe do elE, não tinha necessidade disso, porque não havia começado ainda a luta mais aguda - eu saí em 69. Prendia, mandava entregar ao I Exército. Mas depois, talvez eles tivessem encontrado dificuldade por causa dessa obsessão do Frota. Talvez eles não pudessem trabalhar mandando para uma unidade do I Exército, porque sabiam que não poderiam interrogar do jeito que queriam, em virtude dos princípios do Frota, com as quais não estou totalmente de acordo. Mas eu o admiro muito e tenho uma lealdade canina por ele. O que ele dissesse, eu fazia. Discutia com ele. Até hoje discuto. Como ele discutia com meu pai. Mas o Frota tem eS15e princípio. Tenho a impressão de que todos sabiam disso, e o Geisel o escolheu para ministro justamente porque queria acabar com a violência sobre o preso. Mas, vejam bem, eu estou apenas especulando: como ministro, ele não tinha controle total sobre os diferentes Exércitos. Tinha controle como comandante do I Exército. Morava no Grajaú, e toda vez que ia para casa, passava no DOI para ver os presos. Todo dia.

Eu debati muito com o Frota, mas sempre fui vencido na discussão, Ele era o chefe. Eu acreditava que, para as informações imediatas, era preciso uma certa dose, pelo menos, de tortura

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psicológica, como sugeriam: botar o sujeito numa cela com uma cobra. A tortura não é físiêa, não deixa marca nenhuma.

É

uma tortura psicológica - mesmo que a cobra seja uma jibóia, o sujeito fica só apavorado -, mas ele não permitia. Colocar o sujeito num lugar com gritos e isso e aquilo ... Ele não deixava. Então, eu não podia permitir meus oficiais fazerem, ainda que não comparti­ lhasse daquelas idéias. E ele sabe disso. Mas sou absolutamente leal. Ele não quer, não quer. Pronto. O dono da bola é ele, não eu. Mas esse período em que o senhor esteve no

CODI é

conhecido

como um período de muitas prisões e muita violência.

Não, não houve. Aqui no Rio, se houvesse, o Frota ficaria uma fera. Ele visitava todos os presos. Certa vez, encontrou uma moça que estava chorando na cela. " O que há?" A primeira coisa que ele mandava fazer era despir o prisioneiro, para ver se havia alguma marca. Se houvesse, ele fazia uma onda tremenda: "O que houve?" " Mataram meu marido." "Não, não mataram seu marido, minha filha." "Mataram, sim. Eles o levaram, disseram que iam matar." "Não mataram." E chamou o chefe do DOI - náo vou dizer o nome dele - e disse: "Ponha os dois juntos na mesma cela." - eram marido e mulher. Então, todo dia quando ele chegava, ia visitá-los: "Está mais tranqüila?" Quando chegou ojulgamento, o camarada, na Auditoria, disse que tinha assinado um depoimento ao encar­ regado do inquérito declarando que tinha sido barbaramente torturado. Ele não se conteve, mandou chamá-lo ao seu gabinete: "Menino, você foi torturado?" "Não. Mas o advogado mandou eu dizer isso, e os meus companheiros também. Era a única maneira, de eu me livrar." Ele espinafrou o camarada, e foi até gentil. "E� zelei por eles como se fossem meus filhos, e eles disseram n

,

Auditoria, porque era instrução dos advogados e dos companhei,

ros, que foram torturados." '

Não

era possível ser torturado sem que aparecesse evidência física?

Eu sou muito cético e sou pirrônico mesmo, então acho possível que possa ter sido embromado. E o Frota também. Mas é muito difícil que haja uma pressão física sem deixar marcas. A própria

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"maricota" queima. Há um método de interrogatório em que você põe um eletrodo nos dedos, em qualquer lugar - os mais sádicos põem no bico dos seios ou nos testículos - e roda um dínamo que faz passar uma corrente. E quanto mais rápido você girar aquele dínamo, maior a voltagem que dá.

É

como o tratamento de eletro� choque dos loucos. Uma sensação terrível. Terrível! A maior dor, a maior angústia que se pode ter é sofrer aquele choque.

É

muito difícil o eletrodo, que é semelhante a uma garra, pegar uma coisa grande. Pode pegar no bico dos seios ou no dedo do pé, mas deixa marca. No lugar que fica o eletrodo, sempre queima um pouco, por menor que seja a amperagem. E você pode verificar. Então o Frota, que sabia disso, dizia: "Mostre as mãos." O sujeito mostra� va, e ele examinava. E sem ser isso, somente a borracha: eles batem com a borracha nas partes moles, barriga e nádegas, porque essas partes não deixam muitas marcas. Se você bater com uma borracha numa parte dura, fica o vergão.

De maneira que é muito difícil fazer um interrogatório com violência que não deixe marca.

É

muito difícil. Mas é possível. Então acho que mais de oitenta por cento da argüição de tortura e de maus�tratos era instrução da organização ou do advogado. E os restantes vinte por cento eram casos que escapavam do contro� le, porque eram feitos antes de o preso ser entregue ao I Exército. Há o caso de um rapaz que morreu, Raul Amaro Nin Ferreira, que deu muito trabalho ao Frota porque, quando ele foi entregue ao Exército, estava com umas marcas, havia sido chicoteado com fio no DOPS. O Frota mandou baixar imediatamente esse rapaz ao Hospital Central do Exército e, após alguns dias ele morreu de infarto. Estava muito deprimido, já sofria do coração e, com a prisão, morreu de infarto. O Frota, como em todos os casos seme� lhantes, mandou fazer uma autópsia, chamando um elemento da família para assistir. Ele tem o laudo dessa autópsia: foi morte natural. Então, o camarada nos foi entregue já com vergões nas pernas - ele apanhou nas pernas. Outros casos de presos entre� gues por outras organizações ao Exército eram submetidos, por omem do Frota, a uma rigorosa inspeção de saúde. E o médico era o responsáveL O Lobo, inclusive, sabe disso. O Lobo e o Fayad, que eram os médicos que examinavam os presos, Mas todo dia de manhã o Frota perguntava: "Qual é a lista de presos? Cadê o laudo médico?"

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o CIE

atuava com mais liberdade?

Claro que atuava. Mas quando a Seção de Operações do CIE capturava alguém, não levava para entregar ao DOI na Barão de Mesquita, porque a Barão de Mesquita era de controle do Frota. Quando entrava o preso e era registrado no livro, começava o controle.

Houve um caso sobre o qual o Ruy Castro veio me entrevistar. Ele publicou um livro sobre o Nelson Rodrigues,

O

anjo pornográ­ fico, * e veio conversar comigo. E certas coisas que eu disse não

foram publicadas. Quando o "Prancha", filho do Nelson Rodrigues, foi preso, não sabiam quem era ele. O "Prancha" era alto na

subversão. Um figurão. Quando, afinal, eles identificaram quem ele era, o comandante do DOI me telefonou: "Chefe! Caiu na rede um peixão. Nós pensamos que era um fichinha e é ° 'Prancha'. Eu

quero que o senhor venha até aqui, porque eu estou com proble­ mas." Devia ser uma hora da manhã. Bom, eu fui. Peguei o meu fusquinha e fui a té lá. Ele disse: "O problema é o seguinte, chefe: o CIE quer que nós entreguemos o 'Prancha' a eles. Soube que o pegamos e mandou vir um oficial para levá-lo." Eu disse: 'Você já registrou a entrada?" "Registrei. Está registrado no livro e está identificado." "Então, não entregue. Porque, a partir do momento em que você registrou, a não ser que você rasure, o que eu não vou permitir, ele está sob a nossa responsabilidade. E se você entre­ gar, não sei o que vai acontecer com ele. Então, não entregue."

Foi um momento difícil da minha vida, porque eu não tinha realmente ação de comando; era um representante do general Frota, a quem o comandante do DOI era subordinado diretamen­ te, não a mim. Ele me acatava, respeitava, porque sabia que eu estava agindo em nome do Frota. Mas esse comandante do DOI disse: "Eu não concordo. Quero falar com o próprio general Frota." "Está muito bem.

É

para já." Eu tinha muita confiança no meu chefe e toda a liberdade. A uma e meia da manhã, bati o telefone para a casa dele e disse: "Chefe, estou com um problema muito sério. Preciso ir à sua casa com o coronel fulano." Ele disse: "Pois

Ruy Castro, O anjo pornográfico. A "ida de Nelson Rodrigues. São Paulo,

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venha." Fomos no meu fusquinha até o Grajaú: "Está acontecendo isso e isso. Ainda mais se tratando do 'Prancha', que é filho do Nelson Rodrigues." Ele disse: "Fosse quem fosse, não entregue. E tem mais. Vocês vão voltar lá agora e vão entregar imediatamente esse camarada ao Batalhão de Guarda. Não quero que fique no DOL" Então, nessa mesma manhã o "Prancha" foi levado para o Batalhão de Guarda, comandado pelo coronel Braga, que foi co­ mandante de São Paulo, e que era de toda a confiança do Frota.

No entanto, de acordo com o mesmo livro, o "Pranch a"

foi torturado.

Mas é uma mentira deslavada. Total! Isso é declaração do "Pran­ cha". Eu não posso impor ao autor do livro que ele acredite mais em mim do que no "Prancha". Está no seu direito. Mas 08 fatos são esses. Há milhões de outras mentiras a respeito do I Exército. Vejam bem: o que estou dizendo é sobre o I Exército. Dos outros Exércitos, não estou dizendo nada!

o

senhor estava falando que o ClE tinha mais de liberdade de