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Como o senhor foi parar na chefia do SNI?

Em princípios de 65, o chefe do Estado-Maior do Exército mandou me convidar para ser chefe da 2ª Seção, o que é uma função importante para um coronel - é quase um convite para ser general. Aceitei, e deixei Porto Alegre. Quando me apresentei, ele me disse: "Você não vai mais ficar comigo, porque o Costa e Silva - ministro da Guerra - o quer para subchefe do seu gabinete." "Mas, por quê? Eu nem conheço o Costa e Silva, ele também não me conhece!" Ele disse: "Não sei. Mas ele mandou dois oficiais me pedirem que o dispensasse da função aqui. Eu mandei dizer que dispensava, com uma condição: que você fosse subchefe do gabine­ te. Para outra função, não." E o Costa e Silva mandou dizer que

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era para isso mesmo que ele me queria. Então apresentei-me ao C06ta e Silva e fui 6er 6ubchefe do 6eu gabinete, E ali foi 6e criando uma certa intimidade entre nós.

Quando o Co6ta e Silva 6aiu do Mini6tério, ern julho de 66, para ser candidato à Presidência da República, eu e o general Clóvis Bandeira Brasil, chefe do gabinete, pedimos demissão ao novo ministro, Adernar de Queirós, a quem eu conhecia só de nome. Ele aceitou a do Brasil, mas não aceitou a minha, dizendo: ''Vou aceitar a do chefe do gabinete, porque quero trazer um general que é meu amigo. Mas a sua eu não aceito, porque você já conhece tudo aqui, conhece o trabalho, Além do mai6, nÓ6 já e6tamos em julho e, no fim de novembro, você vai ser promovido a general." Em novembro, realmente, fui promovido a general. Quando o Costa e Silva aS6umiu a Presidência da República, ele já me queria na chefia do SNI, mas houve qualquer coisa e acabou convidando o Médici. Aliás, fez muito bem. Depois, quando o Médici foi promo­ vido a quatro estrelas e foi comandar o IH Exército, eu calculo que ele tenha dito ao Costa e Silva: "Chame o Fontoura para chefiar o SNI. Você queria antes, agora está na hora." Deve ter sido isso.

Um verdadeiro "abacaxi" - desculpe a expressão de gíria, mas depois da Presidência da República, o SNI é o segundo "abacaxi" do país. Tudo o que havia de ruim no país era o SNI que tinha feito. Há pouco tempo, eu estava numa fila do Banco do Brasil, e na minha frente estava um cidadão grande, maior do que eu, moço, que olhou para mim e disse: "O senhor era procurado como se procura um rato para dar um tiro na testa. Porque tudo o que havia de mau no país, não era o Médici o culpado, era o senhor." Era isso que os comunistas diziam. Ainda vou escrever um artigo 60bre o SNI. O título eu já tenho: "SNI - eS6e bicho-papão," Porque tudo, tudo, até as guerras púnicas, era responsabilidade do SNI. Isso eu já disse mai6 de uma vez, até por escrito. Nós somos responsáveis por tudo: pela seca do Ceará, pelas enchente6 do Sul, pelo trem que matou três crianças essa madrugada. Tudo é culpa do SNI.

Mas fui para lá, assumi o SNI em maio de 69. Logo depois, no dia 27 de agosto, o Costa e Silva adoeceu. Depois piorou, foi para a cama, e não levantou mais. Tinha que haver uma sucessão. Foi criada aquela Junta com os três ministros militares, assessorada pelo general Jaime Portela, que era o chefe da Casa Militar do

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Costa e Silva, e por mim, que era o chefe do' SNI. Pedi demissão, mas a Junta não me deu: "Você conhece o problema, está aqui há três ou quatro meses, sabe mais do que nós certas coisas e pode nos ajudar."

Por que o vice-presidente Pedro Aleixo noo tomou posse ?

o Pedro Aleixo não tomou posse porque se negou a assinar o AI-5, o ato máximo revolucionário.

o AI-5 inaugurou um período que, para nós, civis, foi muito duro. Por que foi editado?

Foi um período essencialmente ditatorial. Já havia uma série de razões pelas quais o governo estava sendo acutilado por todos 05

lados, culminando com o discurso do sr. Márcio Moreira Alves, altamente ofensivo às Forças Armadas. E aí houve uma reação generalizada das três Forças em todo o país. Porque o governo não é senhor de si. Ele governa "em nome de". O Costa e Silva não queria assinar o AI-5. Tenho certeza absoluta disso, pois ele cansou de me dizer. Relutou até a última hora.

Eu estava em Porto Alegre em dezembro de 1968, como chefe do Estado-Maior do 111 Exército, e telefonei ao Médici, que era meu amigo e chefe do SNI: "Médici, está dificil conter a tropa - "tropa" era como designávamos os chefes da área. Daqui a pouco vamos ter indisciplina, coisas mais graves. Não sei no que vai dar." Diz ele: "Não, Fontoura, espere. Vai haver alguma medida. Tenham um pouco de paciência". Realmente, dois ou três dias depois veio o AI�5. Havia uma pressão muito grande das Forças Armadas nessa direção.

O objetivo da Revolução não era durar vinte anos. Agora, quando começou a luta armada, a revolta armada, contra a Revo� lução, a coisa mudou de figura. Foi isso que nos fez mudar. No fundo, no fundo, é como eu digo: quem começou eSS8 história foi "seu" Gabeira. Lembro-me exatamente, foi no dia 4 de setembro de 1969. A Junta estava reunida - eu' estava no meu lugar, estavam o Portela, os três membros da Junta -, quando o meu ajudante�de�ordens, o capitão Carus, chegou e me deu um bilheti­ nho: "Acaba de ser seqüestrado o embaixador americano." Li e

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disse para ele: ''Telefone à embaixada americana para confirmar." Disse ele: « Mas essa notícia nos foi dada agora, por telefone, pela embaixada americana." "Não faz mal. Confirme." Ele foi telefonar e voltou: "Está confirmado." Aí começou a história. Porque até então não havia luta armada.