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dependências do DOI É possível que o comandante da unidade maior, digamos o comandante do Exército, não tivesse

conhecimento ?

Ais operações do DOI na busca de informações, depois no próprio confronto com os grupos da subversão, além da sua natureza

policial, ou por isso, foram aceitando como "naturais", e até mesmo "indispensáveis", atividades ilegais, tais como: violação da corres­ pondência; "grampeamento" de telefones; utilização de veículos roubados, não procurados pelos proprietários, cedidos pela Polí­ cia; placas "frias"; e, afinal, prisões abusivas e obtenção de confis­ sões por processos condenáveis, e até mesmo criminosos, em dependências de organizações militares.

Ora, por mais reprovável que fosse a conduta dos subversivos - no meu fraco entender -, nada justificaria os agentes da lei utilizarem-se de tais métodos. E o mais grave, protegidos e aco­ bertados pela irresponsabilidade e pela impunidade. Reconheço que meus padrões são ultrapassados, mas, durante anos e anos, os nossos regulamentos disciplinares prescreviam como trans­ gressão grave "maltratar preso sob sua guarda". Os métodos comunistas e nazistas haviam chocado o mundo.

Agora a sua indagação. O comandante só não sabe quando não faz questão. Ou sabe e consente, ou é surpreendido pelo fato consumado, então apura o responsável e pune o culpado. O coman­ dante é o responsável por tudo que faz ou deixa de ser feito em sua organização. Não há escapatória.

Então, se há intenção de violar a lei para o êxito de uma operação, quanto menos pessoas se comprometerem com isso, melhor. Então começam: "Não vanlOS comprometer o comandan­ te ... " Talvez eu esteja exagerando em atribuir esta atitude a um falso escrúpulo, a urna falsa noção de lealdade - ''Vamos poupar nosso comandante dessa responsabilidade,já que a coisa é ilegal." Ora, o comandante será sempre o responsável, sabendo ou não sabendo. Caso não saiba, é pior, pois foi, sem dúvida, traído por seus subordinados. A impunidade é uma coisa terrível. Depois torna-se um hábito, a consciência vai se embotando, não reage, os valores se deturpam. Pior, ainda, quando agravada por uma espécie de consenso - o mal necessário. Afinal, talvez julguem

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correto. Virão mais tarde, talvez, os graves dramas de consciência. Muito tarde, porém ...

Quanto ao comandante, ninguém daria uma ordem ilegal por escrito, assumindo integralmente a responsabilidade. Ninguém faria isso conscientemente. A conivência ou a omissão entre chefes e subordinados e a impunidade implicaram em graves prejuízos para a hierarquia e para a disciplina, todos nivelados pela ilegali­ dade das operações e pelo arbítrio. Paradoxalmente, um movi­ mento revolucionário, desencadeado e levado às suas últimas conseqüências para preservar os princípios da hierarquia e da disciplina e os valores éticos ameaçados pelo comunismo e pela subversão, não conseguiu preservá�los suficientemente em sua própria dinâmica.

Como o senhor via o envolvimento e a participaçãa dos jovens nos movimentos contra o goverl'W e a sua atuaçãa na

clandestinidade?

É

evidente que nâo posso pretender ensinar o padre-nosso ao vigário mas, em 1962, quando servia no EME, escrevi um pequeno artigo para a revista

A

Defesa Nacional, sob o título: "A Cabana­ gem - um episódio histórico de guerra insurrecional na Amazô­ nia (1835-1839)". Usei para epígrafe uma citação de Engels:

"A

insurreição é uma arte. Tal como a guerra ou outras artes, ela também se submete a certas regras que não podem ser negligen­ ciadas." Sem dúvida, um considerável número de jovens da classe média, muitos ainda adolescentes, foi atraído para a clandestini­ dade, muito mais pela aventura e pelo risco do que por convicção ideológica. Havia também o conflito de gerações no âmbito fami­ liar. Muito poucos jovens teriam formação política, mesmo inicial, e propósito manifesto para uma atividade marcada pela violência, o eventual sacrificio de inocentes, a convivência diária e marginal com o crime e com valores menores de conduta e comportamento. Houve parentes de militares que foram presos e maltratados, e l'W entanto, pelos canais competentes, não se conseguia chegar até eles.

O

senhor teve algum parente envolvido na subversão?

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dizer, houve também, por seu turno, uma "subversão" disciplinar e hierárquica no processo revolucionário, aumentando em muito as reconhecidas limitações do poder. O poder é muito limitado. A ordem é dada por quem manda, é transmitida uma, duas vezes e, afinal, chega incompleta, distorcida, sem a força e a determinação iniciais. Os executantes não cumprem: vão protelando, até que seja esquecida, ou um fato novo passe a ocupar a atenção. Tornou­ se um hábito, uma rotina, envolvendo não raro a própria autori­ dade do presidente da República,

Muitos dos nossos companheiros e amigos tiveram parentes envolvidos. Eu tive três primos, uma geração abaixo da minha, que participaram ativamente. Seus pais foram exemplares. Em­ bora não concordassem com eles e vivendo aos sobressaltos. não deixaram de assisti-los na adversidade. Filhos de oficiais amigos meus também estiveram envolvidos bastante, um deles servindo no SNI. Eu nunca fui procurado, nem recebi pedidos deles.

No meu entender, o envolvimento e a participação dos jovens de classe média decorria de várias razões. Alguns, mais velhos, tinham formação ideológica e, nas universidades, doutrinavam e

atraíam colegas mais jovens. Outros cresceram num ambiente familiar confortável, mas de crítica e contestação sistemática, sem ponderação, irresponsável, como atitude mais fácil. Talvez, des­ cuidadamente, aprovassem atos de contestação e violência que não 05 atingiam diretamente. Ora� 05 jovens cresciam ouvindo

isso, depois, participando das conversas. Entendiam, afinal, que era o caminho a seguir, o exemplo admirado, o desafio, a coragem.

Junte-se a isso o natural espírito contestador da idade. Um tercei­ ro grupo seria o dos ricos, entediados na ociosidade, ou então revoltados com as contestações entre o supérfluo e a insensibilida­ de dos seus pais e familiares, e a miséria das favelas e da popula­ ção marginal nas grandes cidadES e no campo.

Acredito que, além de outros, foram os principais fatores que estimularam bastante a participação dos jovens da classe média na subversão. Tenho muita pena deles, pelas desilusões que sofre­ ram depois. "A insurreição é uma arte ... certas regras não podem ser negligenciadas." O ensinamento de Engels, se conhecido, tal· vez não fosse levado a sério. Inúmeras eram as dissidências por motivos doutrinários, regionais, pessoais. Conflitavam as concep­ ções quanto à "conduta da guerra". Guevara, Debray, Fidel Castro

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estavam mais em moda. Se, de um lado, não havia uma adesão aos governos militares e à sua política - particularmente, após a decretação do AI-5 -, também não havia um clima favorável de apoio e estímulo, ou manifestações mais significativas em favor das ações extremistas que geravam insegurança e apreensão. inclusive nas fanlílias dos jovens que delas participavam.

E o episódio Lamw'ca, como o senhor viu? Como acha que foi