• Nenhum resultado encontrado

2. AS PROPOSTAS DO MEC E A TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

2.4 Base Nacional Comum Curricular

Em continuidade à mesma perspectiva, já reportada neste texto, de criar mecanismos de normatização da educação infantil e demais segmentos escolares em nível nacional, foi recentemente deferido o texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo a própria definição do MEC,

56

A Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil (BRASIL, [201-?d])30.

A Base foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 15 de dezembro de 2017 e homologada pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, no dia 20 de dezembro do mesmo ano. Escolas públicas e privadas devem adequar seus currículos, a partir deste documento, até o início do ano letivo de 2020.

Também segundo o Ministério da Educação, tem como marco legal a Constituição de 1988, que prevê em seu Art. 210 que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1998).

A LDB em seu Art. 9º, Inciso IV:

Art. 9º A União incumbir-se-á de:

IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. (BRASIL, 1996). E também no Art. 26 (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013 que altera a LDB/1996):

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (IDEM. IBIDEM).

Considera-se, conjuntamente, o Plano Nacional de Educação 2014-2024, aprovado pela Lei nº 13.005/2014, que se refere à base nacional comum curricular como uma estratégia (nº 7.1) para fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir as

57

seguintes médias nacionais para o IDEB: 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental; 5,2 no ensino médio (META 7).

Estratégias:

7.1) estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local. (IDEM, 2014a);

A respeito da participação coletiva no processo de elaboração do documento normativo, o MEC afirma:

A BNCC é fruto de amplo processo de debate e negociação com diferentes atores do campo educacional e com a sociedade brasileira.

A primeira versão do documento foi disponibilizada para consulta pública entre outubro de 2015 e março de 2016. Nesse período, ela recebeu mais de 12 milhões de contribuições – individuais, de organizações e de redes de educação de todo o País –, além de pareceres analíticos de especialistas, associações científicas e membros da comunidade acadêmica. As contribuições foram sistematizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e subsidiaram a elaboração da segunda versão.

Publicada em maio de 2016, a segunda versão da BNCC passou por um processo de debate institucional em seminários realizados pelas Secretarias Estaduais de Educação em todas as Unidades da Federação, sob a coordenação do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Os seminários estaduais aconteceram entre 23 de junho e 10 de agosto de 2016 e contaram com a participação de mais de 9 mil professores, gestores, especialistas e entidades de educação, encerrando o ciclo de consulta previsto para a segunda versão. Seus resultados foram sistematizados e organizados em relatório produzido por um grupo de trabalho composto por Consed e Undime, com base em análise realizada pela UnB.

A segunda versão da BNCC foi examinada também por especialistas do Brasil e de outros países. Anexados ao relatório Consed/Undime, os pareceres analíticos desses especialistas foram encaminhados ao Comitê Gestor da Base Nacional Curricular Comum e Reforma do Ensino Médio, instituído pela Portaria MEC nº 790/2016.

Entre outras atribuições, o Comitê Gestor é responsável pelas definições e diretrizes que orientaram a revisão da segunda versão, bem como pela indicação dos especialistas que redigiram a versão final que se apresenta neste documento (IDEM, [201-?b] )31.

Mesmo diante do exposto, o documento final homologado pelo ministro da Educação enfrenta críticas32 relacionadas à sua versão final. Embora o relato acima

31 Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-construcao-da-base>.

32 Críticas e notas de repúdio disponíveis em: <https://www.sinprocaxias.com.br/noticias/clipping/nota-de-

58

descreva certa participação coletiva na discussão dos principais pontos constituintes da base, não é de causar estranheza que haja disparidades de opinião sobre um documento de tal amplitude.

Mais uma vez, este trabalho aponta para o problema do caráter generalizador dos documentos oficiais, que tendem a padronizar práticas educativas que, essencialmente, deveriam ser singulares.

Em sua primeira versão, a base já se deparava com críticas veementes. Em ofício, à Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), o GT 12 (Currículo) e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC) encaminharam para apreciação do Conselho Nacional de Educação (CNE), o documento Motivos contra a Base Nacional Comum Curricular (2015).

Após Assembleia Geral realizada durante a 37ª reunião da Anped, em outubro de 2015, no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, uma comissão foi encarregada de elaborar a Exposição de Motivo, que, entre outras coisas, afirmava:

(...) manifesta-se contrariamente ao documento orientador de políticas para Educação Básica apresentado pela SEB/MEC à consulta pública como Base Nacional Comum Curricular. Nossa posição é sustentada no entendimento de que a desejável diversidade, fundamental ao projeto de nação democrática expresso na Constituição Brasileira e que se reflete na LDB/1996, não é reconhecida na proposta da BNCC, na medida em que nesta está subentendida a hegemonia de uma única forma de ver os estudantes, seus conhecimentos e aprendizagens, bem como as escolas, o trabalho dos professores, os currículos e as avaliações, imprópria à escola pública universal, gratuita, laica e de qualidade para todos. (p.1).

E, ainda, defende a não “descaracterização do estudante em sua condição de diferença.”.

A conversão do direito a aprender dos estudantes numa lista de objetivos conteudinais a serem aprendidos retira deste direito seu caráter social, democrático e humano. Apesar das constantes críticas dos especialistas da área, constatamos que, ao longo destes últimos dois (2) anos, progressivamente, o MEC foi silenciando sobre os debates, avanços e políticas no sentido de democratização e valorização da diversidade, cedendo voz ao projeto unificador e mercadológico na direção que apontam as tendências internacionais de Estabelecimentos de Ensino, Contee); <https://avaliacaoeducacional.files.wordpress.com/2017/09/nota- anfope-repudia-a-bncc.pdf> (A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, ANFOPE); <http://www.anped.org.br/sites/default/files/resources/Of_cio_01_2015_CNE_BNCC.pdf> (A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), por meio do GT 12: Currículo, e à ABdC/Associação Brasileira de Currículo); <http://www.site.anpuh.org/index.php/bncc-historia/item/3127- carta-de-repudio-a-bncc-produzida-pelo-forum-dos-profissionais-de-historia-antiga-e-medieval> (Fórum dos Profissionais de História Antiga e Medieval).

59

uniformização/centralização curricular + testagem larga escala + responsabilização de professores e gestores traduzido na BNCC e suas complementares e hierarquizantes avaliações padronizadas externas. (IDEM. IBIDEM).

São elencados no documento nove motivos para evidenciar que os conceitos da Base Nacional não garantem o direito e a valorização à diversidade, que são fundamentais na educação infantil, em demais segmentos e modalidades educacionais. São eles: Diversidade versus uniformização; Nacional como homogêneo: um perigo para democracia; Os entendimentos do Direito à Aprendizagem; Conteúdo não é base; O que não se diz sobre as experiências internacionais; Gestão democrática versus responsabilização; A Base e a avaliação; Desqualificação do trabalho docente: unificação curricular e avaliação externa; Metodologia da construção da Base: pressa, indicação e indefinição.

Entre as assertivas ao longo dos nove tópicos, alguns trechos que corroboram para a temática deste trabalho podem ser destacados.

Na BNCC, a tendência proposta para a formação humana é a modelização, a homogeneização por meio da acentuação dos processos de administração centralizada, ignorando as “realidades locais", suas especificidades, possibilidades e necessidades, buscando produzir identidades serializadas e eliminando as diferenças. [...] Resultado: padronização e eliminação da diferença ou do diferente em seus direitos à singularidade. Ressaltamos que a valorização da localidade, das negociações e diversidade de sentidos, em suas manifestações autônomas em cada escola, em cada rede, é não apenas como entendemos ser necessário pensar qualquer construção de “currículo”, mas um dos primordiais frutos da luta política pela democracia no Brasil e pelo reconhecimento do direito à diversidade que foi garantido pela LDB e deu origem a uma sequência de políticas e ações do MEC ao longo dos últimos 20 anos. Neste sentido, entendemos que qualquer proposta curricular deve lembrar que a LDB em seu Art. 3º estabelece que o ensino será ministrado com base em princípios, notadamente: II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. (IDEM. IBIDEM, p.1-2).

Ao fazer referência à necessidade de flexibilidade para atender às demandas da pluralidade, que é incompatível com uma base comum idêntica a todos, pondera, portanto que,

[...] qualquer proposta curricular precisa considerar as adversidades e diversidades locais – de ordem étnica, cultural, social, política e econômica – e individuais, relativas a interesses e capacidades de aprendizagem, e aos direitos de respeito aos conhecimentos construídos antes e fora da escola, para além dos direitos de aprendizagem de conteúdos prescritos fora do universo social dos

60

alunos e organizados sem levar em conta que estes são, e precisam ser, sujeitos de suas aprendizagens. (p.2).

E, por fim, ao tencionar o discurso da produção coletiva da BNCC com a prática de uma construção unilateral, centralizada e hierárquica, argumenta:

[...] a consulta se dá em temos de adequação do já definido, e novamente, num reforço da centralidade da lógica conteudista, em acrescentar ou modificar a secção desse ou daquele conteúdo. Tal modelo de consulta provoca uma distorção em que as discordâncias são minimizadas, criando um sentido em obra coletiva que em verdade não se efetiva. (p.7).

E faz os seguintes questionamentos:

Quem escreveu a BNCC? Quem analisará os resultados da consulta pública? Como redes estaduais e municipais participaram? Quem foram e quais são os interesses dos especialistas que orientaram teoricamente a construção da BNCC? A quem interessa essa reforma expressa?

Mas, afinal, o que determina a Base Nacional a respeito da educação infantil no país?

Assegura como Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil:

Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos,

utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas.

• Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.

• Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando.

• Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.

• Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.

• Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário (BRASIL, 2017, p.36).

61

Organiza os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados neste segmento escolar em cinco campos de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; e espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Tais campos são subdivididos em três grupos, de acordo com as faixas etárias: bebês (zero a 1 ano e 6 meses); crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses).

Em relação à leitura e à escrita, alguns dos objetivos são encontrados no campo Escuta, fala, pensamento e imaginação. Na faixa etária de quatro a cinco anos, podemos destacar, entre outros:

Expressar ideias, desejos e sentimentos sobre suas vivências, por meio da linguagem oral e escrita (escrita espontânea), de fotos, desenhos e outras formas de expressão; escolher e folhear livros, procurando orientar-se por temas e ilustrações e tentando identificar palavras conhecidas;

Recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de vídeos e de encenações, definindo os contextos, os personagens, a estrutura da história; Recontar histórias ouvidas para produção de reconto escrito, tendo o professor como escriba;

Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa;

Levantar hipóteses em relação à linguagem escrita, realizando registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea;

Selecionar livros e textos de gêneros conhecidos para a leitura de um adulto e/ou para sua própria leitura (partindo de seu repertório sobre esses textos, como a recuperação pela memória, pela leitura das ilustrações etc.). (IDEM. IBIDEM, p. 47-48).

Esta terceira versão da BNCC foi analisada por leitores críticos (especialistas, associações científicas e professores universitários), que produziram pareceres relativos às diferentes etapas da Educação Básica, inclusive a educação infantil. Em um dos pareceres, Soares (2017) enumera diversas críticas ao documento e afirma:

Em síntese, a inclusão, no campo da “Linguagem”, da introdução das crianças à língua escrita, se supriu uma ausência nas versões anteriores da BNCC extremamente importante de ser corrigida, não é satisfatória, porque o texto é pouco consistente, incompleto e fundamentalmente prescritivo, um texto que requer aperfeiçoamento. (p. 8).

E ao longo do texto a autora faz elucidações, pois considera que há prescrições excessivas para as competências da Base Nacional Comum Curricular e adverte:

62

Nos textos sobre os campos, o discurso é descritivo, sempre complementado por um discurso prescritivo, com indicação do que é preciso fazer, do que deve ser feito, do que deve ser proporcionado às crianças, o que, como já foi observado anteriormente, extrapola a natureza e os objetivos da BNCC. O texto de quatro dos cinco campos inclui sempre parágrafos centralizados nas expressões: as crianças precisam ter oportunidades (p. 7, p.8); é preciso promover (...) é preciso apoiar (...) é preciso fazer (p. 9); é necessário promover (p.10). Particularmente o texto sobre o campo “Linguagem e imaginação” é marcado pelo discurso prescritivo; na p. 9, além da recorrência da expressão é preciso (...) encontra-se repetidamente o verbo dever: a imersão na cultura escrita deve partir (...), essa intervenção deve ter como ponto de partida (...), a apropriação do sistema alfabético da escrita deve ser iniciada (...). A sugestão é que sejam revistos os textos sobre os campos, a fim de que sejam eliminadas as referências prescritivas, que extrapolam a natureza e os objetivos da BNCC. (p. 5-6).

Após leitura e análise dos campos citados na crítica da autora, parece que a versão final, divulgada pelo MEC, apresenta diversas alterações sugeridas pela autora, como substituição de tópicos, alterações de títulos e inserções de novas palavras. Em relação aos termos prescritivos tão recorrentes a que Soares (2017) se refere, em princípio, há uma aparente suavização do texto, que deixa de ser tão enfático no uso dessas palavras. No campo de experiência Linguagem e imaginação, agora intitulado Escuta, fala, pensamento e imaginação, por exemplo, encontram-se esses termos prescritivos, criticados pela autora, duas vezes, como nos trechos a seguir: “Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral”; e “Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam transparecer.”. (BRASIL, 2017, p. 40. Grifos nossos). O mesmo ocorre semelhantemente nos demais campos.

O Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil, uma parceria firmada entre MEC/SEB/COEDI, UFMG, UFRJ e UNIRIO, que participou diretamente da elaboração da segunda versão do texto da Base, também divulgou um documento com críticas33 a respeito da terceira versão da BNCC. As autoras34 reclamam a supressão de páginas entre as versões, que teria trazido alterações conceituais significativas. Em segundo lugar, questionam a substituição do título da segunda versão Escuta, fala, linguagem e pensamento por Oralidade e escrita na terceira versão. De antemão, pode-se dizer que na

33 O documento encontra-se na íntegra em anexo. Disponível também em: <http://primeirainfancia.org.br/wp-

content/uploads/2017/04/VF-Posicao-do-ProjetoLeitura-e-Escrita-na-EI-sobre-BNCC-VF.pdf>. Acesso em: jan. 2018.

34 Assinam este documento as coordenadoras do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil: Maria Fernanda Nunes, UNIRIO; Mônica Correia Baptista, UFMG; Patrícia Corsino, UFRJ; Vanessa Ferraz Almeida Neves, UFMG; Angela Maria Rabelo Barreto, FMEI, Rita de Cássia de Freitas Coelho, MIEIB.

63

versão final o campo foi intitulado Escuta, fala, pensamento e imaginação. Pedido atendido parcialmente: ao invés de linguagem, escreveu-se imaginação.

Ainda segundo as autoras do projeto, a substituição de escuta, fala, pensamento e linguagem por oralidade e escrita retrata uma distinta concepção de linguagem na educação infantil. Afirmam que “a apropriação da linguagem escrita é igualmente um processo complexo que exige a articulação entre gestos, escuta, fala, desenhos, pensamento e imaginação para promover a interlocução entre sujeitos que podem estar distantes no tempo e no espaço.” (NUNES, 2017, p.2). E justificam que a escolha do título “[...] teve como finalidade evidenciar essa estreita relação entre os atos de falar e escutar com a constituição da linguagem e do pensamento humanos.”. (p.3). Não pode, por isso, ser reduzido à apropriação das linguagens oral e escrita.

Entre outras críticas, estão questões teóricas referentes à escrita, e estruturais relacionadas às divisões dos objetivos para creches e pré-escolas, ao invés de grupos etários.

E acrescentam:

A supressão do texto que expressava a concepção de linguagem escrita na Educação Infantil desconsidera, negligencia, torna invisível uma tensão que precisa ser explicitada e debatida, por ser determinante para a discussão sobre a

identidade da Educação Infantil que se pretende assegurar. (IDEM. IBIDEM,

p.5. Grifo nosso).

É aceitável que se discuta a ausência de partes do texto, que haja o enfrentamento teórico de concepções referentes à linguagem escrita, mas tutelar a identidade da Educação Infantil, a fim de assegurá-la, parece não ser pertinente.

É necessário assegurar a multiplicidade de ideias, formas e práticas educativas, com o intuito de considerar a individualidade da cada criança, suas nuances.

E, por fim, sobre a escrita no ensino fundamental, a Base Nacional prevê que a criança seja alfabetizada até o segundo ano, ou seja, até os sete anos de idade. Diferentemente do que estabelece o programa Alfabetização na idade certa (2012), no qual a expectativa é de oito anos para a conclusão do ciclo da alfabetização.

Ou seja, alteram-se os prazos, mas permanece a perspectiva padronizadora e unilateral das políticas públicas e documentos oficiais do Governo.

64

Documentos relacionados