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2. AS PROPOSTAS DO MEC E A TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

2.3 Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil

2.3.2 Publicações

O Projeto conta com alguns documentos. Entre eles o Relatório da Pesquisa Leitura e escrita na educação infantil: o estado do conhecimento (1973-2013), um levantamento bibliográfico a respeito da temática, já citado anteriormente na Introdução deste trabalho. Outras duas publicações são conhecidas: a coletânea Literatura na educação infantil – acervos, espaços e mediações, que reúne os textos apresentados no primeiro seminário, realizado em maio de 2014; e uma coleção de oito cadernos.

Essa coletânea traz discussões a respeito da importância da literatura na constituição dos sujeitos desde a mais tenra idade. Questões relativas à forma com que a Educação Infantil se relaciona com a literatura, a escolha de acervos nesta etapa escolar, sua organização e as políticas públicas de seleção e promoção da leitura no Brasil foram debatidas nos seminários e registradas nos textos produzidos pelos palestrantes.

A coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil (2016) é formada por oito cadernos compostos por três unidades temáticas cada um, além do caderno 0, de Apresentação, e um encarte destinado às famílias das crianças. Constituem material

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didático para o curso de formação continuada que recebe o mesmo nome do projeto. Tem por objetivo a formação de professores da Educação Infantil, inclusive no âmbito do PNAIC, conforme nos afirma o trecho abaixo:

O projeto, desenvolvido entre 2014 e 2016, foi financiado com recursos públicos. Quando foi planejado, pensávamos numa ação de formação abrangente, para todas as professoras de instituições públicas de educação infantil. Infelizmente, com a crise econômica e política essa intenção não pode se concretizar. O Ministério da Educação, por meio da portaria 826 de 7 de julho de 2017 determinou que a Pré- escola fará parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, PNAIC. E no Documento Orientador, disponível no Portal do MEC, informa que o material a ser utilizado nas ações de formação do PNAIC Pré-Escola será a Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil. (BRASIL, 201-?a)21.

No caderno de apresentação, há uma carta dirigida às professoras e uma reflexão sobre a profissão docente. Traz informações sobre os autores, ilustradores e a equipe que participou das atividades desenvolvidas pelo projeto, além de conter a organização do curso: objetivos e estrutura, metodologia, avaliação e certificação.

Em relação à metodologia, ressalta que o curso foi planejado para implementação na modalidade presencial, discussões coletivas precedidas de estudos e pesquisas individuais. No primeiro momento, cada professor deverá realizar a leitura de uma unidade temática, uma pesquisa ou estudo não presencial. Depois, haverá um debate coletivo sobre o assunto e será feito o registro da experiência, tendo liberdade para escolher a forma da escrita. A ata será lida no encontro seguinte, antes da nova discussão, e poderá receber contribuições ou alterações. Passa a compor, então, “o caderno coletivo, que registra a experiência compartilhada e a memória produzida por todas as participantes.”. (IDEM, 2016a, p.38).

O curso também prevê que as professoras formem grupos de leitores de literatura. Como isso deve ocorrer?

Visando criar uma oportunidade, entre outras, para que as professoras vivenciem a prática da leitura literária e, ao mesmo tempo, para que ampliem as possibilidades de acesso ao universo literário, o curso propõe que seja organizado um programa de leitura e de discussão de obras literárias a ser desenvolvido ao longo do curso. Essa atividade é planejada pelas cursistas ao final do primeiro caderno, no qual são relatadas experiências similares à proposta. Para seu bom funcionamento, o grupo deve elaborar um pequeno projeto explicitando os objetivos, as obras a serem lidas, a metodologia, o cronograma, os papéis dos

21 Trecho disponível em: <http://www.projetoleituraescrita.com.br/duvidas-frequentes>. Acesso em: jan. 2018.

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participantes, os convidados (caso optem por trazer ao grupo alguém externo a ele), entre outros aspectos que devem ser pactuados. (IDEM. IBIDEM).

O curso tem carga horária prevista de no mínimo cento e vinte horas presenciais, com a duração de dois semestres letivos. “Cada uma das 24 unidades será trabalhada em quatro horas/aula, perfazendo um total de 96 horas. As horas restantes serão dedicadas à leitura e à discussão de livros de literatura (grupo de leitura) e a outras atividades propostas pela instituição responsável pela implementação do curso.”. (IBIDEM, p. 39).

A avaliação e a certificação devem ser definidas pela instituição ofertante do curso. Como objetivo geral destaca a “formação de professoras de Educação Infantil para que possam desenvolver, com qualidade, o trabalho com a linguagem oral e escrita, em creches e pré-escolas.”. (IBIDEM, p.29).

O caderno zero traz ainda a estrutura do curso, dividido entre os oito cadernos, seus temas e os resumos dos conteúdos, conforme vemos no quadro abaixo.

Caderno Unidades Resumo

Caderno 1- Ser docente na educação infantil: entre o ensinar e o aprender.

Unidade 1- Docência e formação cultural;

Unidade 2- Docência na Educação Infantil: contextos e práticas; Unidade 3- Leitura literária entre professoras e crianças.

Nesse primeiro caderno, o foco recai sobre as relações entre docência, linguagem e cultura na Educação Infantil. Isso porque se considera que a professora é importante agente de promoção do acesso da criança à cultura, em especial à cultura escrita. Discute-se a necessidade da compreensão e valorização da literatura para a ampliação das experiências humanas, para a formação do professor e para o trabalho docente na Educação Infantil.

Caderno 2 – Ser criança na Educação Infantil: infância e linguagem

Unidade 1- Infância e linguagem; Unidade 2- Infância e cultura; Unidade 3- Desenvolvimento cultural da criança.

A atenção é dirigida à criança, que no processo de descoberta do mundo constrói e é construída pela linguagem, seja nos gestos, no olhar, nos sons, na fala, seja nas brincadeiras, nas histórias que inventa, nas relações que estabelece, seja nas preferências que manifesta. A professora será convidada a discutir concepções de infância, de linguagem e de cultura e suas repercussões na prática pedagógica. Analisará como as crianças apropriam-se da cultura no mundo contemporâneo, atribuem significados a esse mundo e constroem uma cultura específica. Conhecerá os usos que as crianças fazem da produção cultural (literatura, música, dança, teatro, cinema, televisão, brinquedo etc.) e verá como diferentes formas de mídia podem contribuir para a ampliação das experiências infantis em creches e pré-escolas.

44 Caderno 3 – Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil: práticas e interações.

Unidade 1- Criança e cultura escrita;

Unidade 2- Linguagem oral e linguagem escrita: concepções e inter-relações;

Unidade 3- Criança, linguagem oral e linguagem escrita: modos de apropriação.

como um modo específico de expressão da cultura – a linguagem escrita –, no qual adultos e crianças estão de alguma forma inseridos, com diferentes níveis de produção e de participação. As relações linguísticas, sociais e culturais entre oralidade e escrita, suas aproximações e seus afastamentos são estudados, ajudando a refletir sobre a vida das crianças e sobre atividades nos espaços da Educação Infantil. São discutidos princípios como a natureza social do desenvolvimento humano, a mediação do outro e do signo, o estatuto da linguagem e a produção histórica e cultural do conhecimento. Nas três unidades do caderno, os conceitos teóricos constituem pontos de partida para a análise de diferentes situações vivenciadas no contexto da Educação Infantil, provocando a pensar em atividades em que a linguagem seja constitutiva das ações das crianças, fortalecendo-lhes a formação como pessoas vivas e críticas.

Caderno 4 – Bebês como leitores e autores. Unidade 1- Os bebês, as professoras e a literatura: um triângulo amoroso;

Unidade 2- Bebês: interações e linguagem;

Unidade 3- Brincar, cantar, narrar: os bebês como autores.

Observa-se como os bebês, nas suas relações com os outros, vão construindo sentidos, e como os vínculos precoces com o adulto são fundamentais nesse processo. Desafia-se a pensar numa concepção mais ampla de leitura, que permite entender que os bebês são seres de palavras, ainda quando não são capazes de pronunciá-las. A professora terá oportunidade de refletir sobre como as práticas de cuidado e educação podem auxiliar os bebês a entenderem que as palavras nomeiam e evocam; dizem o que os humanos sentem, pensam, recordam, imaginam, duvidam, necessitam e podem; que no mundo há diferentes ritmos, gestos, músicas, relatos, formas de dizer e se expressar etc. Também poderá compreender quão importantes são as primeiras aproximações dos bebês aos livros, pelo que estes possibilitam do ponto de vista da estética, da afetividade e da construção da subjetividade.

Caderno 5 – Crianças como

leitoras e autoras.

Unidade 1- Leitura e escrita na Educação Infantil: concepções e suas implicações pedagógicas; Unidade 2- As crianças e as práticas de leitura e escrita na Educação Infantil;

Unidade 3- As crianças e os livros.

[...] se debruçará sobre o tema do desenvolvimento da leitura e da escrita na faixa de três a cinco anos de idade, estudando diferentes concepções teóricas e suas implicações para as práticas de leitura e escrita na Educação Infantil. A partir da compreensão de processos e contextos que favorecem o desenvolvimento da linguagem escrita, a professora será instigada a analisar e propor práticas pedagógicas diversificadas para o trabalho de leitura e escrita com crianças de três, quatro e cinco anos. Ainda neste caderno, será convidada a pensar sobre os livros infantis e sobre os que eles propiciam: as experiências estéticas, a imaginação, o domínio da palavra e da imagem, a ficção e o conhecimento. Discutirá os critérios de qualidade dos livros infantis quanto aos aspectos materiais, construtivos e visuais, bem como a organização das atividades

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pedagógicas, como a leitura em voz alta, o trabalho com diferentes gêneros discursivos, os jogos de linguagem e a reflexão sobre a língua.

Caderno 6 – Currículo e linguagem na

Educação Infantil.

Unidade 1- Currículo e Educação Infantil;

Unidade 2- Observação, documentação, planejamento e organização do trabalho coletivo na Educação Infantil;

Unidade 3- Avaliação e Educação Infantil.

[...] instiga-nos ao aprofundamento da análise das relações entre pressupostos teóricos, práticas pedagógicas, planejamento, organização do cotidiano e avaliação na Educação Infantil. Explora- se essas relações em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e a Base Curricular Nacional, com destaque para o lugar da oralidade, da cultura escrita e das práticas da leitura. Reflete-se sobre a importância do planejamento como recurso para organizar o cotidiano e abrir espaço para a expressão das crianças. Discute-se práticas de observação, documentação e organização do trabalho com bebês e crianças de até cinco anos. Analisa-se a questão da avaliação na Educação Infantil, trazendo situações concretas do cotidiano e de práticas de avaliação e apresentando propostas de ação que ganham contornos palpáveis pelo entrelaçamento dos documentos legais e dos exemplos vividos em creches e pré-escolas. Caderno 7 – Livros infantis: acervos, espaços e mediações.

Unidade 1- Livros infantis: critérios de seleção – as contribuições do PNBE;

Unidade 2- E os livros do PNBE chegaram...: situações, projetos e atividades de leitura;

Unidade 3- Os espaços do livro nas instituições de Educação Infantil.

[...] terá a oportunidade de conhecer as políticas públicas do livro e da leitura, em especial o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), e os processos de seleção dos títulos destinados à Educação Infantil. Esquadrinha-se o acervo do PNBE, experimenta-se critérios para seleção de livros de qualidade e adequados às diferentes faixas etárias das crianças da Educação Infantil e se conhece projetos e estratégias para o uso efetivo desse acervo. Discutiremos a importância da diversidade de gêneros literários e de tipos de textos, assegurando o que se tem chamado de “bibliodiversidade”. Conhecerá formas de organização e de utilização de diferentes espaços dentro das instituições de Educação Infantil, visando a explorar adequadamente a potencialidade dos atos de leitura. Caderno 8 – Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola.

Unidade 1- Aprender a ler e a escrever: as expectativas das famílias e da escola;

Unidade 2- Literatura e famílias: interações possíveis na Educação Infantil;

Unidade 3- Leitura e escrita: conquistas e desafios para a formação continuada.

Trata-se de práticas sociais de leitura e escrita conduzidas em famílias e na cidade e refletir sobre as potencialidades da articulação entre essas práticas e aquelas desenvolvidas no contexto escolar. Discute-se propostas de situações em que a escola pode contribuir para a formação de pais e crianças leitores e em que as famílias podem colaborar para a formação das crianças como leitoras.

Fonte: Leitura e escrita na educação infantil – Caderno de apresentação. Quadro elaborado pela autora, a partir do texto retirado do Caderno.

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Ao observar mais de perto a coleção, percebe-se uma escrita clara, objetiva e dinâmica. Remete-se diversas vezes de forma direta à pessoa da professora. As autoras afirmam que, “apesar de reconhecermos que tem crescido o número de homens no corpo docente da Educação Infantil, este ainda se mantém majoritariamente feminino, numa proporção que representa mais de 95% de mulheres.”. (BRASIL, 2016a, p.14).

Deve-se considerar também que há uma preocupação estética, os cadernos são coloridos e bem ilustrados. E, entre os referenciais teóricos, há poesias, músicas, indicações de filmes e reprodução de obras de arte.

Em relação ao seu conteúdo, alguns trechos precisam ser trazidos à discussão neste trabalho. Diversos cadernos da coletânea trazem como referência bibliográfica obras da teoria histórico-cultural, por isso, é preocupante o uso de certas assertivas no corpo do texto.

Já no início da leitura, na segunda unidade do Caderno um, ao fazer referência à importância da brincadeira para a criança, há algumas indagações e afirmações que saltam aos olhos e precisam estar articuladas a conceitos basilares desenvolvidos pela teoria histórico-cultural.

Sobre esse aspecto, com certeza você, que atua com crianças pequenas como professora, já deve ter observado o envolvimento das crianças em brincadeiras que reproduzem situações cotidianas ou mesmo de trabalho, assumindo papéis que na nossa sociedade são desempenhados pelos adultos. É o que acontece nas brincadeiras de casinha, ou de exercício de alguma atividade profissional, como ser professor ou simplesmente simular a direção de um carro. Qual sua reação quando essas situações ocorrem? O que essas situações têm a ver com a educação das crianças pequenas em espaços coletivos de educação formal? (IDEM, 2016b, p. 70, grifos nossos).

Claramente o trecho acima refere-se a um tipo específico de brincadeira, a de faz de conta, no qual a criança e os objetos por ela utilizados representam personagens ou coisas. Ao abordar o tema, o texto cita alguns autores22 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a fim de “ressaltar a função da brincadeira para auxiliar as crianças a compreenderem o mundo em que acabam de chegar, interpretando-o a partir de suas condições específicas de criança e, também, a resolver conflitos.”. (IDEM. IBIDEM, p.69).

E mais,

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Embora a brincadeira tenha um fim em si mesma para as crianças, quando ela acontece no ambiente da Educação Infantil, oferece inúmeras possibilidades para desencadear outras situações de aprendizagens, como o desenvolvimento e a ampliação da linguagem oral e escrita, a compreensão das relações temporais e espaciais, bem como aquelas afetas às dimensões relacionais. (p. 70).

Embora esse texto não faça citações, não se pode negar a relevância teórica de Vigotski nesta área do conhecimento. O autor dedicou-se a escrever sobre a brincadeira de faz de conta como atividade-guia da criança na idade pré-escolar, ou seja, uma atividade que guia o desenvolvimento psíquico da criança. (PRESTES, 2012).

“Já na idade pré-escolar, surge a brincadeira com situação imaginária – quando ocorre na criança o amadurecimento das necessidades não realizáveis na vida real, mas na brincadeira, numa situação imaginária.”. (IDEM. IBIDEM, p.177). A criança que se encontra na primeira infância tende a querer satisfazer de imediato seus desejos, “ela brinca sem diferenciar a situação imaginária da situação real”, enquanto para a criança pré-escolar “a brincadeira é uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis” (IBIDEM).

Ainda segundo Vigotski (2008, apud PRESTES, 2012), “a imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, [...]; e como todas as formas da consciência forma-se originalmente na ação.”.

A brincadeira também ajuda a criança a tomar consciência de algumas normas sociais, pois ela cria situações imaginárias com base em situações da vida real. A mãe na brincadeira, por exemplo, é aquela que alimenta. Bojovitch (apud PRESTES, Ibidem, p.178) “destaca que, na brincadeira, a criança se submete a regras por vontade própria, sem a imposição do adulto, e isso é importante, pois começa a tomar consciência do comportamento social humano.”.

Também é a brincadeira de faz de conta que cria a zona de desenvolvimento iminente23. “Na brincadeira a criança comporta-se como se fosse mais velha do que a idade que tem; a brincadeira contém em si as tendências do desenvolvimento e a criança parece tentar dar um salto acima do seu comportamento comum” (IBIDEM, p. 185). E essa

23 Zona de desenvolvimento iminente “é exatamente aquilo que a criança consegue fazer com a ajuda do adulto.”. (PRESTES, 2012, p.193). “A brincadeira de faz de conta é um novo tipo de atividade que vai criar a zona de desenvolvimento iminente, revelando as tendências do desenvolvimento infantil, desvelando as possibilidades das crianças. Vale ressaltar que a zona de desenvolvimento iminente revela o que a criança pode desenvolver, não significa que irá obrigatoriamente desenvolver.”. (p.179).

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atividade impulsiona a atividade da criação. Na primeira infância a atividade-guia24 é a imitação, já aos três ou quatro anos de idade, a brincadeira de faz de conta “caracteriza a passagem para atividade de criação.”.

Inicialmente, a representação surge ao longo do processo da atividade. A criança brinca sem estabelecer um plano de desenvolvimento das ações. E é ao longo da brincadeira que, combinando situações vividas ou histórias ouvidas, a criança começa a compreender (tomar consciência) das relações que existem entre os mais diferentes fenômenos. Isso se reflete diretamente em sua capacidade de criar e tem uma importância fundamental para o seu desenvolvimento mental. Então, a brincadeira como atividade-guia na idade pré-escolar constrói as bases para o desenvolvimento dos processos de criação. (IDEM. IBIDEM, p.179-180).

Entre outras palavras, aquela criança que inicialmente representava a mãe e que na brincadeira dava o alimento ao filho, em uma situação bem próxima do real, com o desenvolvimento da atividade e a tomada de consciência, cria novas formas; ou seja, não é apenas uma “reprodução de situações do cotidiano”, como está no documento, conforme trecho citado acima. Outras respostas são dadas, a partir das ações e dos sentimentos de outras pessoas. Na criação de uma situação imaginária, ela pode sair para trabalhar, brigar com o filho e falar que está cansada e que não quer cozinhar. “À medida que a brincadeira se desenvolve, temos o movimento para o lado no qual se toma consciência do objetivo da brincadeira.”. (VIGOTSKI, 2008, p.35, apud PRESTES, 2012, p. 181).

E ainda, “do ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma situação imaginária pode ser analisada como um caminho para o desenvolvimento do pensamento abstrato.”. (IDEM. IBIDEM, p.180). Há uma relação entre a brincadeira da criança, a leitura e a escrita. Por isso, “o desenhar e a brincadeira devem tornar-se etapas preparativas no desenvolvimento da fala escrita infantil.”. (IDEM, 2004, p.91).

A história da escrita da criança começa bem antes de ela ter lápis e papel na mão. Na brincadeira de faz de conta, inicialmente é o gesto que atribui sentido ao objeto na representação, juntamente com a fala. Depois, a fala recebe atenção especial. As crianças combinam o sentido de cada objeto na brincadeira, conversam. Em outro momento do

24 “Ao adotar o termo atividade-guia, considera-se que ele com mais verossimilhança ajuda a compreender que uma atividade-guia não é a que mais tempo ocupa a criança, mas a atividade que carrega fatores valiosos e que contém elementos estruturais que impulsionam o desenvolvimento, ou seja, guia o desenvolvimento psíquico infantil.”. (PRESTES, 2012, p. 184). Maiores esclarecimentos sobre a definição de atividade-guia ver Prestes, 2012, p. 182-184.

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desenvolvimento da criança, a fala torna-se para ela uma forma de representação. Os gestos estão em segundo plano, há o predomínio da fala como meio simbólico:

“(...) a diferença entre as crianças de três e seis anos não está na percepção dos símbolos, mas no modo como utilizam as diferentes formas de representação. [...] a representação simbólica na brincadeira e num estágio mais precoce é, essencialmente, uma forma peculiar da fala, que leva diretamente à fala escrita.”. (IDEM. IBIDEM, p.79).

Ao discutir a função da brincadeira na educação infantil, como visto anteriormente nos trechos destacados do Caderno zero, faz-se necessário uma análise profunda desta atividade que envolve saltos e rupturas no desenvolvimento da criança. A brincadeira de faz de conta, mais do que “[...] auxiliar as crianças a compreenderem o mundo em que acabam de chegar” (BRASIL, 2017, p.69), desenvolve a função de representação significativa das coisas tão importante para o amadurecimento no ensino à escrita (VIGOTSKI, 2004).

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