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4 DADOS

4.2 Bases de dados

A principal medida de violência contra as mulheres usada na avaliação é proveniente de dados administrativos de internações hospitalares por agressão em que as pacientes eram mulheres (SIH/SUS). Usaremos dados anuais das internações femininas por agressão agregados no nível municipal, formando um painel de municípios abrangendo os anos de 2000 e 2010.19 A escolha do período de análise tem o objetivo de captar informações de agressão contra a mulher anteriores e posteriores à promulgação da Lei Maria da Penha (aprovada em agosto de 2006).

Essa medida apresenta algumas vantagens em relação a pesquisas de vitimização e dados de denúncias policiais, pois não se baseia em dados autorreportados de violência doméstica e inclui uma amostra mais abrangente das mulheres do país, além de ser consistentemente coletada ao longo do tempo.

Entretanto, duas ressalvas em relação a essa medida de violência são a ausência de dados sobre a relação vítima-agressor e o fato de a medida captar somente violência severa. Como grande parte dos casos de violência contra a mulher enquadram-se na categoria de violência doméstica, tendo sido perpetradas por parceiros ou familiares e/ou no domicílio da vítima, um potencial viés de erro de medida relacionado à falta de identificação do vínculo entre vítima e agressor é reduzido. Além disso, apesar de a medida só englobar agressões que tenham resultado em internações (agressões graves), ela captura casos menos extremos de violência que os homicídios femininos perpetrados por parceiros, variável dependente recorrentemente utilizada na literatura de violência doméstica.

Os dados de violência contra a mulher são obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Ministério da Saúde, e processados pelo DATASUS (Departamento de Informática do SUS). As unidades hospitalares participantes do SUS (públicas ou convênios particulares) enviam informações das internações efetuadas, representando dados de grande parte das internações hospitalares realizadas no Brasil. O SIH/SUS coleta diversas variáveis relativas às internações hospitalares tais como local de residência do paciente, diagnóstico,

19 Para que a medida de violência não reflita diferenças nas estruturas municipais de saúde, agregamos as internações hospitalares pelo local de residência da vítima.

valores devidos, etc. Os dados do SIH/SUS contêm informações mensais de internações, do período de 1998 a 2013, no nível municipal, estadual e federal. O número de internações será dado pelo número de “Autorizações de Internação Hospitalar (AIH)” pagas, desconsiderando as internações de prorrogação.

A classificação das internações como agressões baseia-se na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). O grupo definido pela CID-10 como “Agressões” engloba as categorias X85 a Y09 da tabela de classificação. O Anexo B reporta os tipos de agressões representados em cada uma dessas categorias. A composição da categoria “Agressões” não sofreu alterações entre 2000 e 2010, períodos usados na análise. O Gráfico 1 mostra a evolução do número mensal de internações femininas por agressão de 2002 a 2011 no Brasil. A linha vertical vermelha dividindo o eixo das abscissas representa a data que a Lei Maria da Penha passou a vigorar, ou seja, corresponde a setembro de 2006. Observamos que houve uma queda no número de agressões contra mulheres com a introdução da Lei Maria da Penha. Porém, partir de 2009, as internações por agressão voltaram a subir, atingindo altos patamares no final do período analisado.

Gráfico 1 – Evolução temporal do número de internações femininas por agressão

Fonte: Elaboração própria

Nota: 1) Número mensal de internações de mulheres por agressão (SIH/SUS); 2) Gráfico de dispersão com local

O Gráfico 2 apresenta a distribuição do número de agressões no período base da análise (2000). O gráfico da esquerda mostra o histograma das agressões para a amostra contendo todos os municípios de comarca, e o gráfico da direita apresenta o histograma das agressões somente para a amostra pareada ao usarmos Propensity Score Matching. Vemos que há uma grande porcentagem dos municípios com um número nulo de internações por agressão. Com a amostra pareada, há uma redução na parcela de municípios sem internações femininas por agressão. Todavia, mesmo na amostra pareada, 80% dos municípios não tiveram mulheres internadas por agressão no ano 2000.

Gráfico 2 – Histograma do número de internações femininas por agressão

Fonte: Elaboração própria

Com o intuito de tornar o estudo comparável com os estudos empíricos da literatura internacional e com o estudo realizado pelo IPEA (2013), outra medida de violência contra a mulher que será usada é o número de óbitos de mulheres por agressão obtidos no Sistema de Informação de Mortalidade, do Ministério da Saúde.20

O SIM unifica os dados de mortalidade coletados no país pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O instrumento de coleta dos dados de mortalidade é a Declaração de Óbito (DO), cuja responsabilidade de emissão é do médico.21 Para a tomada de medidas legais em relação ao falecimento de uma pessoa é necessário o envio da DO aos Cartórios de Registro Civil e, consequentemente, tais dados representam boa parcela das mortes ocorridas

20 Muitos estudos internacionais usam como medida de violência doméstica o homicídio de mulheres por parceiros (vide capítulo 3). Agregaremos os dados de mortalidade por local de residência.

21 Na ausência de médico no local da morte, a declaração de óbito poderá ser feita por duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou constatado a morte.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 1 0 0 0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 Número de internações femininas por agressão

Histograma das agressões em 2000

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 1 0 0 0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 Número de internações femininas por agressão

no país. Além disso, a Declaração de Óbito é um instrumento de coleta de dados nacionalmente padronizado e contém dados acerca de diversas características das vítimas, tais como sexo, faixa etária, estado civil e local de ocorrência da morte. Quanto à causa do falecimento, também utiliza-se o grupo “Agressões” com classificação proveniente do CID- 10, da Organização Mundial da Saúde.

Em relação à distribuição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a principal base utilizada será a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do IBGE referente ao ano de 2009, abrangendo todos os municípios brasileiros. A MUNIC 2009 faz o levantamento de informações sobre a estrutura e o funcionamento das instituições públicas municipais, incluindo variáveis municipais relativas à segurança e ao acesso à Justiça e à gestão de política de gênero, que serão os capítulos usados neste estudo. A unidade de análise da MUNIC é o município e o informante principal é a própria prefeitura. As informações municipais são coletadas em entrevistas com pessoas pertencentes aos diversos setores e instituições investigadas.22 Nesta análise, o grupo de tratamento da avaliação serão os municípios que possuem JVDFM e o grupo de controle é formado pelos demais municípios sede de comarca.23

Na obtenção das características dos municípios utilizou-se o Censo Demográfico de 2000 e o de 2010, do IBGE. Usaremos as informações sobre população e domicílios agregadas no nível municipal.24

A Tabela 3 apresenta as características médias dos municípios antes da Lei Maria da Penha (utiliza o Censo 2000, IBGE), comparando os municípios do grupo de tratamento e controle por meio de um teste de médias simples. Usando a base MUNIC 2009 considerando todos os municípios sede de comarca obtém-se uma amostra maior de municípios, mas grande parte das características iniciais dos municípios com e sem juizados são estatisticamente diferentes. Devido à existência de diferenças iniciais entre municípios de tratamento e controle, usaremos técnicas de pareamento para tornar os grupos de tratamento e controle mais comparáveis. A Tabela 4 mostra as características iniciais dos municípios quando restringimos para a amostra

22 Entrevistas realizadas de maio a setembro de 2009, preferencialmente, de forma presencial.

23 Informante da prefeitura respondeu afirmativamente à questão que perguntava se existia no município Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

24 A amostra do Censo utilizada nesse estudo engloba os municípios já existentes em 2000, sendo desconsiderados os municípios que foram criados depois de 2000 e estavam presentes no Censo 2010.

pareada utilizando Propensity Score Matching. Ao utilizar somente amostra pareada de municípios, observa-se que os grupos de tratamento e controle são semelhantes em termos de características iniciais. Na amostra que usa como critério do Propensity Score Matching o vizinho mais próximo sem reposição, a única variável que possui uma diferença significativa entre os grupos é a população municipal e essa diferença não é estatisticamente significativa a um nível de 5%.

Uma base complementar utilizada para obtenção da distribuição dos JVDFM e outros serviços disponíveis à mulher é proveniente da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres. A SPM disponibiliza, por estado e município, a distribuição da rede de atendimento à mulher em situação de violência. O levantamento dos dados sobre os juizados especializados tem como fonte o sistema da Rede de Atendimento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. O sistema é atualizado a partir dos dados enviados pelos órgãos municipais e estaduais responsáveis pelas políticas de gênero e considera varas e juizados especializados de violência doméstica. Na análise realizada com essa base de dados, o grupo de tratamento é composto por municípios que possuíam juizados ou varas especializadas até o ano de 2010 e o grupo de controle é formado por municípios que instalaram as varas ou juizados após 2010 ou que possuem recomendação do Conselho de Justiça Nacional (CNJ) para criação de tais instituições (CNJ,2013) e, possivelmente, em breve, as terão instaladas. O Apêndice 10 mostra as características médias dos grupos de tratamento e controle usando a base da SPM. Vê-se que tais grupos não são semelhantes em termos de características observáveis iniciais (variáveis do Censo 2000).

Finalmente, na tentativa de captar as diferenças no fluxo de trabalho e infraestrutura de cada JVDFM, utilizou-se como base complementar os dados do Justiça Aberta, do CNJ. O Justiça Aberta é um sistema online de consulta de informações sobre o sistema judiciário brasileiro, possuindo informações no nível do juizado ou do magistrado. Os dados estão disponíveis para o período de 2009 a 2014, pela função de cada juizado dentro do município. No estudo, utilizam-se dados do ano de 2010 dos juizados e varas especializados em violência doméstica. Dentre as variáveis disponíveis, há o número de decisões tomadas por determinado juiz, o número total de processos, o número de processos distribuídos àquele juizado, entre outras.

Tabela 3 - Características iniciais municípios – Usando toda a amostra de municípios sedes de comarca

Nota: 1) Legenda: *** - estatisticamente significante a um nível de 1%, **- estatisticamente significante a um nível de 5%; * - estatisticamente significante a um nível de 10%, 2) Fonte da distribuição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2009, IBGE; 3) Tratamento = Municípios com Juizados Especializados de Violência Doméstica; Controle = Municípios sedes de comarca; 4) Características dos municípios: Censo 2000, IBGE.

Tratamento Controle Diferença Significância Número de agressões por 100.000 mulheres 7,709 7,229 0,480 -

População 215660 40218 175442 ***

Proporção mulheres 0,503 0,497 0,006 ***

Número de internações/população 0,079 0,080 -0,001 - Proporção pessoas de 20 a 40 anos 0,314 0,296 0,018 *** Proporção pessoas 40 a 60 anos 0,177 0,170 0,007 *** Proporção pessoas acima 60 anos 0,080 0,084 -0,005 *** Proporção mulheres chefe de família 0,070 0,062 0,008 ***

Proporção população urbana 0,785 0,657 0,128 ***

Proporção pessoas brancas 0,541 0,492 0,049 ***

Proporção Casados 0,306 0,292 0,014 ***

Proporção coabitam e não são casados 0,113 0,251 0,305 - Taxa analfabetismo (não sabem ler e escrever) 0,251 0,305 -0,054 *** Fecundidade média das mulheres 2,235 2,484 -0,248 *** Proporção de pessoas que nunca migraram de município 0,599 0,646 -0,048 ***

Taxa desemprego 13,310 11,754 1,556 ***

Proporção população de baixa renda 0,524 0,636 -11,199 ***

Renda média domiciliar 490,440 356,835 133,606 ***

Renda média relativa (mulheres/homens) 0,647 0,667 -0,020 -

Número de observações 252 2084

Tabela 4 - Características iniciais municípios – Usando somente a amostra pareada no PSM – Nearest-neighbor com 1 vizinho mais próximo SEM reposição

Nota 1) Legenda: *** - estatisticamente significante a um nível de 1%, **- estatisticamente significante a um nível de 5%; * - estatisticamente significante a um nível de 10%, 2) Fonte da distribuição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2009, IBGE; 3) Tratamento = Municípios com Juizados Especializados de Violência Doméstica; Controle = Municípios sedes de comarca pareados pelo Propensity Score Matching, usando o critério de Nearest-Neighbor Matching com 1 vizinho mais próximo, sem reposição; 4) Características dos municípios: Censo 2000, IBGE.

Tratamento Controle Diferença Significância

Número de agressões por 100.000 mulheres 7,732 7,354 0,378 -

População 144585 102120 42465 *

Proporção mulheres 0,503 0,501 0,002 -

Número de internações/população 0,002 0,002 0,000 -

Proporção pessoas de 20 a 40 anos 0,314 0,313 0,001 -

Proporção pessoas 40 a 60 anos 0,177 0,175 0,002 -

Proporção pessoas acima 60 anos 0,079 0,078 0,001 -

Proporção mulheres chefe de família 0,070 0,069 0,001 -

Proporção população urbana 0,783 0,785 -0,002 -

Proporção pessoas brancas 0,541 0,531 0,010 -

Proporção Casados 0,306 0,301 0,005 -

Proporção coabitam e não são casados 0,113 0,119 -0,005 -

Taxa analfabetismo (não sabem ler e escrever) 0,252 0,255 -0,003 -

Fecundidade média das mulheres 2,243 2,259 -0,016 -

Proporção de pessoas que nunca migraram de município 0,599 0,586 0,013 -

Taxa desemprego 13,271 12,879 0,760 -

Proporção população de baixa renda 0,527 0,534 -0,007 -

Renda média domiciliar 482,017 473,728 8,289 -

Renda média relativa (mulheres/homens) 0,647 0,659 -0,012 -

Número de observações 249 249