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Violência contra a mulher: uma análise do caso brasileiro

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Academic year: 2017

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DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

Bruna Pugialli da Silva Borges

Orientador: Prof. Dr. Naercio Aquino Menezes Filho

(2)

Prof. Dr. Marco Antonio Zago Reitor da Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Reinaldo Guerreiro

Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade Prof. Dr. Joaquim José Martins Guilhoto

Chefe do Departamento de Economia Prof. Dr. Márcio Issao Nakane

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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da Universidade de São Paulo como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Naercio Aquino Menezes Filho

SÃO PAULO

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Seção de Processamento Técnico do SBD/FEA/USP

Borges, Bruna Pugialli da Silva

Violência contra a mulher: uma análise do caso brasileiro / Bruna Pugialli da Silva Borges. -- São Paulo, 2014.

100 p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2014. Orientador: Naercio Aquino Menezes Filho.

1. Violência contra a mulher 2. Econometria 3. Políticas públicas 4. Avaliação de impacto I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, pelo amor e apoio incondicionais. Obrigada também por aguentar meu mau humor nos períodos de estresse! Agradeço à minha irmã, Carolina, por sempre acreditar em mim. Amo muito vocês.

Agradeço aos meus colegas de mestrado pela amizade e ajuda ao longo do curso. Em especial, às minhas amigas Isabel, Julia, Luísa e Natália, que tornaram minha época de mestrado muito mais divertida; e ao João, pelas risadas.

Agradeço ao Tales, por todo o carinho e companheirismo. Obrigada por me acordar, por tentar (e não conseguir) me acompanhar nas madrugadas de estudo, e pela revisão da dissertação!

Agradeço ao Otávio, pelo auxílio em toda a trajetória escolar e pela revisão minuciosa do texto final.

Agradeço a todos meus amigos e familiares queridos, que foram muito importantes na minha trajetória até aqui. Listar todos nominalmente seria muito extenso e injusto, pois certamente faltaria o nome de pessoas essenciais nesse processo. De qualquer forma, vocês sabem o quanto são importantes para mim.

Agradeço à Ana Maria Bonomi Barufi pela ajuda com as bases de dados, à Juan Bonilla pelo auxílio com a revisão da literatura, e à Fabiana Fontes Rocha e Vladimir Ponczek pelas sugestões dadas na qualificação.

Agradeço ao meu orientador, Naercio Aquino Menezes-Filho, por acreditar no meu projeto, e por toda a ajuda e paciência ao longo do desenvolvimento da dissertação.

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“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite.

Que a liberdade seja a nossa própria substância.”

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RESUMO

A violência contra a mulher constitui um grave problema nacional, apesar do esforço feito pelo governo brasileiro na última década no enfrentamento a esse tipo de violência. A introdução da Lei Maria da Penha, em 2006, representou uma grande mudança na proteção legal nos casos de violência doméstica. Todavia, o cumprimento pleno da referida lei está condicionado à existência dos Serviços Especializados de Atendimento à Mulher, tais como juizados especializados, delegacias de mulheres, casas - abrigo, etc., e a abrangência desses serviços nos municípios brasileiros ainda é limitada. Utilizando um painel de municípios, o objetivo da dissertação é avaliar se os municípios onde há Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher apresentaram uma queda nos casos de violência contra a mulher, supondo que essas cidades tiveram melhor aplicação da Lei Maria da Penha. A distribuição municipal dos juizados especializados é obtida através da Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2009, do IBGE. A medida de violência contra a mulher utilizada é o número de internações femininas cuja causa é a agressão, cuja base de dados é Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde. A metodologia utilizada na investigação dos efeitos causais da Lei Maria da Penha é o estimador de diferenças - em - diferenças com

Propensity Score Matching. Os resultados sugerem uma queda na violência contra a

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ABSTRACT

Violence against women is a serious national problem, despite all the efforts made by the Brazilian Government in the last decade to confront this type of violence. The enactment of Maria da Penha Law, in 2006, represented a major breakthrough in legal protection in cases of domestic violence. However, the thorough implementation of the law is subject to the existence of Specialized Support Services to Women, such as specialized courts and police stations, shelters, etc., and the scope of these services in municipalities is still limited. Using a panel of municipalities, the aim of this work is to evaluate whether the municipalities where there are Courts of Domestic and Familiar Violence Against Women presented a drop in violence against women, assuming that these cities had a better enforcement of the Maria da Penha Law. Municipal distribution of specialized courts is obtained through the Survey of Basic Municipal Information 2009, from IBGE. To measure violence against women, we used the

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ... 2

LISTA DE TABELAS ... 3

1 INTRODUÇÃO ... 5

2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ... 7

2.1 Violência contra a mulher no Brasil ... 8

2.2 Lei Maria da Penha ... 11

2.3 Panorama nacional da violência doméstica ... 16

3 REVISÃO DA LITERATURA ... 19

3.1 Modelos de economia da família ... 19

3.2 Modelos de violência doméstica ... 20

3.3 Estudos empíricos ... 24

4 DADOS ... 29

4.1 Características da violência contra a mulher no Brasil ... 29

4.2 Bases de dados ... 31

5 METODOLOGIA ... 39

5.1 Impacto médio sobre os tratados (ATT) ... 39

5.2 Diferenças – em – diferenças ... 41

5.3 Propensity Score Matching ... 43

5.4 Modelos não – lineares de regressão ... 48

6 RESULTADOS EMPÍRICOS ... 51

6.1 Resultados Diferenças – em – Diferenças ... 51

6.2 Outras políticas de combate à violência contra as mulheres ... 62

6.3 Base de dados da Secretaria de Políticas para Mulheres ... 68

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 73

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ... 75

APÊNDICES ... 80

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIH: Autorizações de Internação Hospitalar ATT: Impacto médio sobre os tratados CID: Classificação Internacional de Doenças CNJ: Conselho de Justiça Nacional

DATASUS: Departamento de Informática do SUS

DEAM: Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres DO: Declaração de Óbito

ESTADIC: Pesquisa de Informações Básicas Estaduais IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada JECrim: Juizados Especiais Criminais

JVDFM: Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher MQO: Mínimos Quadrados Ordinários

MUNIC: Pesquisa de Informações Básicas Municipais OEA: Comissão Interamericana de Direitos Humanos OMS: Organização Mundial da Saúde

ONG: Organização Não Governamental ONU: Organização das Nações Unidas

PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PRONASCI: Programa Nacional de Segurança Pública Com Cidadania SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do SUS

SIM: Sistema de Informações de Mortalidade

SINAN: Sistema de Informação de Agravos de Notificação SPM: Secretaria de Políticas para as Mulheres

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Crimes mais comuns relacionados à violência doméstica ... 14

Tabela 2 - Comparação Lei Maria da Penha com demais casos de violência ... 14

Tabela 3 - Características iniciais municípios – Usando toda a amostra de municípios sedes de comarca ... 36

Tabela 4 - Características iniciais municípios – Usando somente a amostra pareada no PSM – Nearest-neighbor com 1 vizinho mais próximo SEM reposição ... 37

Tabela 5 - Teste de balanceamento das variáveis – Nearest – Neighbor Matching, 1 vizinho mais próximo, sem reposição ... 46

Tabela 6 - Impacto dos JVDFM sobre agressões ... 55

Tabela 7 - Impacto dos JVDFM sobre óbitos ... 56

Tabela 8 - Efeito heterogêneo dos JVDFM por distribuição prévia das agressões ... 57

Tabela 9 - Amostra pareada: Efeitos dos JVDFM sobre diferentes tipos de agressão ... 58

Tabela 10 - Amostra pareada: Efeitos dos JVDFM sobre categorias relacionadas à violência doméstica ... 60

Tabela 11 - Amostra pareada: Impacto conjunto dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e das Delegacias da Mulher ... 61

Tabela 12 - Plano estadual de políticas para mulheres ... 65

Tabela 13 - Plano municipal de políticas para mulheres ... 66

Tabela 14 - Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres ... 67

Tabela 15 - Base SPM: Impacto dos JVDFM sobre o número de internações hospitalares por agressão ... 69

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1 INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é uma grave violação de direitos humanos, refletindo aspectos de assimetria de poder entre homens e mulheres em nossa sociedade. Além de manifestar a desigualdade de gêneros, a violência contra as mulheres também pode ser considerada uma questão de saúde pública, uma vez que causa danos psicológicos e físicos às mulheres agredidas. O reconhecimento da violência contra as mulheres como um problema tanto de violação dos direitos humanos quanto de saúde pública, ressalta a essencialidade de um combate ativo e efetivo do Estado à violência de gênero.

O relatório da ONU-Mulheres (2011) enfatiza que, mesmo com uma maior igualdade de gêneros observada ao longo do último século, a violência contra a mulher ainda é um grave problema a ser enfrentado ao redor do mundo. Segundo o relatório, apesar do progresso nas ferramentas legais de proteção à mulher, milhões de mulheres ainda sofrem algum tipo de violência ao longo de suas vidas, sendo essa violência realizada grande parte das vezes dentro da própria residência da mulher. O Brasil ocupa uma posição preocupante nesse cenário, pois, segundo o estudo de Waiselfisz (2012), o país ocupava em 2009 o sétimo lugar no

ranking dos países com mais crimes praticados contra as mulheres.1

O Brasil passou recentemente por uma mudança na proteção legal a mulheres vítimas de violência doméstica com a aprovação, em 2006, da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006). O intuito dessa lei é prevenir a violência de gênero e auxiliar as mulheres vitimadas, por meio de medidas punitivas aos agressores e de medidas de assistência às mulheres agredidas. Objetivando o cumprimento pleno de tais medidas, a Lei Maria da Penha criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM) que possuiriam uma equipe multidisciplinar de atendimento, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas de serviço social, saúde e assistência jurídica e psicológica.

Embora a Lei Maria da Penha represente um importante marco legal na luta contra a violência doméstica, pesquisas indicam que não houve melhoras expressivas nas taxas nacionais de violência contra a mulher. Uma possível explicação para esse quadro é a existência de obstáculos a serem enfrentados na aplicação plena dessa lei. Há grande heterogeneidade na

1 No Anexo A, encontra-se o

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provisão de serviços especializados de atendimento às mulheres vitimadas nos municípios do país, o que faz com que o grau de aplicação da lei varie de acordo com a localidade de residência da vítima de violência doméstica. Por exemplo, uma mulher vitimada que resida em município no qual ela consiga denunciar a violência em Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAM), tenha seu processo julgado nos JVDFM e tenha serviços de abrigo disponíveis terá um acesso mais amplo à Lei Maria da Penha do que mulheres de outras cidades.

Essa dissertação tem como objetivo investigar essa hipótese, comparando municípios que possuem Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a municípios brasileiros nos quais ainda não houve a instalação de tais juizados, em termos do número de agressões a mulheres. Como a alocação dos juizados especializados não foi feita de forma aleatória, a análise utilizará a metodologia de diferenças – em – diferenças juntamente ao método de Propensity Score Matching. Tal metodologia possibilita a construção de um grupo

de municípios similares para comparação aos municípios com JVDFM, além de controlar por heterogeneidades não observadas fixas no tempo.

(15)

2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Primeiramente, é necessário definir “violência contra a mulher” para melhor compreensão do tema abordado. A Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência (1993) define

violência contra a mulher como: “[...] qualquer ato de violência baseada no gênero que resulte em, ou que potencialmente resulte em, danos físicos, sexuais, psicológicos ou qualquer tipo

de sofrimento nas mulheres”. Na dissertação, contudo, como o intuito é analisar os efeitos

gerados pela Lei Maria da Penha, o termo refere-se à violência doméstica, ou seja, violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, que será formalmente definida ao abordar a referida lei.

O relatório da Secretaria de Políticas para Mulheres (2011a) classifica a violência contra as mulheres como uma das principais formas de violação de seus direitos humanos. Ao considerar a violência contra mulheres e homens, é necessário pensar na maneira assimétrica como os grupos são atingidos pela violência. Enquanto os homens são atingidos com maior frequência em espaços públicos, a violência contra as mulheres frequentemente ocorre em situações domésticas, envolvendo uma relação desigual de poder entre o homem e a mulher na sociedade contemporânea (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES,2011a).

A violência contra a mulher não é só uma manifestação extrema de discriminação da mulher, mas também uma questão de saúde pública, causando danos físicos e mentais às mulheres vitimadas. O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2005 (GARCIA-MORENO et al, 2005) encontrou que, na maioria dos países estudados, as mulheres que

sofreram violência doméstica estavam significativamente mais propensas a reportar saúde pobre ou muito pobre.2 Segundo o relatório, a relação encontrada entre saúde frágil recente e violência ao longo da vida sugere que os efeitos físicos e psicológicos podem durar um longo tempo depois que a violência terminou ou que a violência ao longo do tempo tem um efeito cumulativo. Além disso, o estudo de Tjaden e Thoennes (2000) mostra que um terço das mulheres agredidas pelos companheiros requerem atenção médica, e 26% delas são hospitalizadas pelos machucados. O reconhecimento da violência contra as mulheres como

2 O relatório da OMS coletou dados de mais de 24.000 mulheres em 10 países, representando diversos contextos

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um problema tanto de violação dos direitos humanos, quanto de saúde pública, ressalta a necessidade de um combate ativo e efetivo do Estado à violência de gênero.

O relatório da OMS (2005) aponta que o reconhecimento da violência como um assunto de saúde e direitos humanos foi reforçado pelos acordos e declarações em conferências internacionais durante os anos 1990. Por meio dos acordos internacionais, muitos governos passaram a reconhecer a necessidade de desenvolver abordagens multissetoriais para a prevenção e combate à violência contra mulheres e se comprometeram a implementar as reformas institucionais e legislativas necessárias para atingir esse objetivo.

Segundo o relatório da ONU – Mulheres de 2011, os sistemas legislativos e judiciários são instrumentos essenciais para a garantia dos direitos das mulheres. Todavia, houve por muito tempo, mundialmente, um distanciamento dos governos da questão da violência doméstica, entendida como um problema do âmbito privado. Nos anos recentes, os governos têm evoluído muito nesse quesito, de modo que, até abril de 2011, 125 países já possuíam legislações específicas sobre violência doméstica.

Entretanto, o relatório da ONU – Mulheres (2011) ressalta que má execução das leis e gargalos estruturais em sua implementação fazem com que essas legislações tenham impacto praticamente nulo no cotidiano das mulheres vítimas de violência. O relatório supracitado aponta que a implementação efetiva das leis é um desafio central para os governos. A cadeia envolvida no sistema judiciário, ou seja, a série de passos necessários para que a mulher tenha acesso à justiça formal, em geral, não leva em consideração as diversas barreiras enfrentadas pelas mulheres, sejam elas financeiras, espaciais, discriminatórias, informacionais, etc.

2.1 Violência contra a mulher no Brasil

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do tempo. Em seguida, é analisada a evolução das ferramentas legais de proteção à mulher no país. Por fim, delineia-se um panorama da violência contra a mulher no Brasil.

É importante ressaltar o caráter estrutural da violência contra a mulher. Tal violência está associada às estruturas culturais e políticas que conduzem à opressão de certos grupos da sociedade, tornando-os mais vulneráveis. Sendo assim, é esperado que a violência contra a mulher mude em função de fatores históricos, culturais e socioeconômicos (SANTOS; IZUMINO,2005; GROSSI,1994).

O estudo de D’Oliveira et al (2009) analisa, no caso brasileiro, quais são os principais fatores

associados à violência contra a mulher em contextos distintos, usando uma amostra representativa da Zona da Mata de Pernambuco e do município de São Paulo. Fatores associados à violência entre parceiros em ambos os locais são: mulher ter sido abusada sexualmente na infância, várias gestações, relação sexual precoce, problemas de alcoolismo da mulher e baixa escolaridade da mulher. Segundo o estudo, na região da Zona da Mata, viver sem união formal ou autonomia financeira aumentam o nível de violência. O estudo ressalta que os fatores associados à violência doméstica dependem do contexto cultural e histórico.

O movimento feminista brasileiro teve um papel essencial na formulação de políticas públicas de violência contra a mulher. Apresentamos alguns estudos que mostram uma análise histórica do movimento feminista nacional e a participação deste no combate à violência de gênero. De acordo com Grossi (1994), o final dos anos 70 foi marcado pela ascensão das lutas feministas, que protestavam contra os assassinatos de mulheres cometidos por seus companheiros, frequentemente inocentados devido ao caráter passional do crime. A luta feminista dessa época resultou na criação de diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) cujo objetivo era dar apoio às mulheres vitimadas.

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conscientização das mulheres e dos funcionários das delegacias, que ainda descriminalizavam a violência contra a mulher (GROSSI, 1994).

No decorrer dos anos 90, houve destaque para a análise da dinâmica da queixa nos sistemas policial e judicial. O foco em tal análise é decorrente da frequente retirada da queixa por parte da vítima e do tipo de intervenção, não necessariamente criminal, que solicitavam os agentes do Estado (SANTOS; IZUMINO,2005). Pasinato (2007) ressalta que, entre os anos 1990 e 2000, houve vitórias essenciais dos grupos feministas no que diz respeito à garantia dos direitos das mulheres e do acesso à justiça formal. Segundo a autora, também se destaca nessa época uma grande rejeição da aplicação da Lei n. 9.099/95 aos casos de violência doméstica, acreditando que a aplicação das medidas alternativas previstas nessa lei levava a uma banalização da violência contra a mulher.

Em 2006, houve a promulgação da Lei Maria da Penha, que vem como resposta, principalmente, à condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) no caso nº 12.051/OEA, de Maria da Penha Fernandes, por negligência e omissão em relação à violência doméstica.3 Atualmente, movimentos feministas (sendo a própria Maria da Penha uma das principais militantes no combate à violência doméstica) lutam pela aplicação e implementação plena da lei.

Depois de resumir o papel da sociedade civil, na forma de movimentos feministas, na luta contra violência de gênero, apresentamos agora a evolução da ação governamental brasileira no combate à violência doméstica. O estudo de Santos (2010) identifica três momentos importantes de mudanças institucionais na participação do Estado no combate à violência contra a mulher: a criação da primeira DEAM em 1985; o surgimento dos Juizados Especiais Criminais (JECrim) em 1995; e a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. A seguir, apresenta-se um breve resumo de tais mudanças e suas consequências, tendo como referência o estudo supracitado.

Segundo Santos (2010), o intuito da Delegacia da Mulher era a criação de uma delegacia composta por policiais do gênero feminino e especializada em crimes contra as mulheres.

3 O projeto de lei que viria a ser a Lei Maria da Penha teve início em 2004, e contou com apoio de organizações

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Desde sua criação, o funcionamento das DEAM foi ininterrupto, expandindo-se por todas as regiões do país. As DEAM constituem o principal serviço público utilizado ao longo das últimas décadas no combate à violência contra as mulheres.

Em 1995, foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95), com o objetivo de desburocratizar a justiça, tornando-a mais eficiente. Santos (2010) afirma que, apesar de tais juizados não terem sido criados com o intuito de lidar com a violência doméstica, sua criação mudou o funcionamento das Delegacias da Mulher, pois a maioria dos crimes atendidos nessas delegacias eram considerados crimes de menor potencial ofensivo, sendo julgados pelos JECrim. A instituição dos JECrim teve como consequência uma descriminalização da violência contra a mulher, voltando à ideia de que a violência doméstica seja um problema de âmbito privado. Isso ocorreu porque a maioria dos crimes atendidos nas DEAM, como ameaças e lesões corporais, eram considerados crimes leves, para os quais os novos juizados eram instruídos a aplicar penas alternativas ao invés das cabíveis penas repressivas.

A última mudança apontada por Santos (2010) é a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), em 2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.4 Um dos aspectos dessa lei é justamente a retirada da competência dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento dos crimes de violência contra a mulher, independentemente da pena atribuída. No lugar dos JECrim, a lei sugere a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, especializados na violência doméstica.5

2.2 Lei Maria da Penha

4 A partir da década de 90, o Brasil já tinha assinado diversos documentos internacionais de combate à violência

contra a mulher (Convenção Americana dos Direitos Humanos (1992), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres (1995), Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação (1999)). Todavia, ainda não havia no país uma legislação específica para casos de violência doméstica.

5 Observe - Observatório da Lei Maria da Penha (2010): “Existem Juizados e Varas de Violência Doméstica e

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Como a Lei Maria da Penha será o objeto de análise desta dissertação, segue uma discussão mais detalhada da referida lei. A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006, entrando em vigor em 22 de setembro do mesmo ano. Como dito anteriormente, o objetivo da lei é a criação de instrumentos que combatam a violência doméstica contra a mulher, oferecendo conjuntamente medidas de assistência e de proteção às mulheres vitimadas.

Primeiramente, temos que a Lei Maria da Penha (2006) define, em seu artigo 5º, violência

contra a mulher como “[...] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” e considera como doméstica e familiar a violência ocorrida no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família e em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. No artigo 7º, a lei define explicitamente as diversas formas de violência que ela abrange: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Dias (2008) aponta como um dos avanços da Lei Maria da Penha o fato de que, mesmo não havendo crime, quando a autoridade policial tomar conhecimento da prática de violência doméstica, ela passa a ter como dever tomar as providências legais cabíveis de assistência plena às mulheres vitimadas (informações, proteção, assistência médica) e registrar a ocorrência nos termos descritos pela lei.6 Com isso, a lei possibilita a adoção de medidas protetivas mesmo que não tenha ocorrido nenhum crime.

Contudo, para Dias (2008), o principal avanço promovido pela referida lei foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que possuiriam uma equipe multidisciplinar de atendimento, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas de serviço social, assistência jurídica e psicológica e saúde.7 Os JVDFM possuem competência criminal e cível, possibilitando que, em paralelo ao julgamento do crime, sejam julgados em um mesmo processo questões da vara de família, tais como pensão e guarda dos filhos. Enquanto não forem estruturados os juizados e varas especializados em violência doméstica, a lei prevê que varas criminais acumulem as competências cível e criminal para julgamento de tais casos. Como já exposto na seção 2.1, a Lei Maria da Penha não só criou os JVDFM, mas

6 A Lei Maria da Penha possui um capítulo específico sobre o atendimento pela autoridade policial para os casos

de violência doméstica contra a mulher.

7 Apesar da Lei Maria da Penha não impor a criação dos juizados, a Recomendação CNJ n. 09/2007 indicou que

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também vetou o julgamento desses crimes pelos Juizados Especiais Criminais, sendo uma tentativa de evitar a descriminalização da violência doméstica recorrente em tais juizados. A incumbência de criação, estruturação e funcionamento dos juizados especializados foi delegada às unidades federativas, que o instalariam por meio dos Tribunais Estaduais de Justiça. Segundo o relatório do Observe - Observatório da Lei Maria da Penha (2010),

podemos resumir o objetivo dos JVDFM como: “[...] proporcionar às mulheres que vivem em situação de violência doméstica e familiar o acesso à justiça formal e respostas céleres e integrais que colaborem para seu fortalecimento e para o exercício de seus direitos”.

Além dos aspectos supracitados, há outros aspectos interessantes da nova legislação: possibilita que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a sua prisão preventiva decretada; proíbe que agressores paguem seus crimes com penas pecuniárias no julgamento de casos de violência doméstica; aumenta o tempo máximo de detenção para três anos8; impede que a mulher retire a queixa na delegacia, podendo fazê-lo somente perante o juiz. Em suma, houve um maior endurecimento da lei para casos de violência doméstica, promovendo a criminalização da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Um ponto a ser ressaltado, exposto no art. 13 da Lei Maria da Penha, é que no julgamento e no processo dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher serão aplicadas as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil que não conflitarem com o estabelecido na legislação específica. Sendo assim, fora as exceções explicitadas na Lei Maria da Penha, os demais casos são julgados pelo código penal e civil, como seriam outros crimes de lesão corporal. Na Tabela 1, são apresentados os crimes mais comuns relacionados à violência doméstica e suas respectivas penas, tendo como fonte o manual do Conselho Nacional da Justiça (2010). A Tabela 2 resume as mudanças estabelecidas pela Lei Maria da Penha no julgamento de crimes de violência doméstica em relação aos demais crimes de violência.

8 “No caso da sentença, como a Lei Maria da Penha prevê pena máxima de 3 anos, o agressor não irá preso,

porque o sistema penal brasileiro prevê regime aberto para réus primários com condenação de até 4 anos”. Eliana

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Tabela 1 - Crimes mais comuns relacionados à violência doméstica

Fonte: Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Conselho Nacional da Justiça, 2010.

Nota: Crimes contra a honra (injúria, difamação, calúnia) serão julgados pelo artigo 519 do Código de Processo Penal.

Tabela 2 - Comparação Lei Maria da Penha com demais casos de violência

Fonte: Elaboração própria

ESTUPRO

(Código Penal, Art. 213) 6 a 10 anos LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE

(Código Penal, Art. 129, § 3°) 4 a 12 anos AMEAÇA

(Código Penal, Art. 147) 1 a 6 meses ou multa (não isoladamente) LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA

(Código Penal, Art. 129, §2°) 2 a 8 anos

Crimes mais comuns nos casos de violência doméstica

Crime Pena

LESÃO CORPORAL LEVE

(Código Penal, artigo 129, §9°) 3 meses a 3 anos LESÃO CORPORAL GRAVE

(Código Penal, Art. 129, §1°) 1 a 5 anos

Código Penal, Decreto Lei nº

2.848/40, artigo 61

-Crimes no contexto de violência doméstica são considerados agravantes de pena

Mudanças introduzidas pela Lei Maria da Penha

Outros casos de violência Violência Doméstica Crimes de menor potencial ofensivo (pena

máxima de 2 anos) serão julgados pelos Juízados Especiais Criminais Lei nº 9.099/95

Vetada a aplicação a Lei nº 9.099/95 a tais casos, ou seja, não poderão ser julgados pelos

Juizados Especiais Criminais

Código de Processo Penal, Decreto Lei nº 3.689/41, artigo

313

-Possibilita a prisão preventiva nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

como medida protetiva de urgência

Lei de Execução Penal,da Lei nº 7.210/84, artigo 152

É facultativo ao condenado frequentar atividades educativas

Possibilita ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de

recuperação e reeducação Código Penal, Decreto Lei nº

2.848/40, artigo 129

Pena de lesão corporal leve: detenção de 3 meses a 1 ano

Pena de lesão corporal leve: detenção de 3 meses a 3 anos

Código Penal, Decreto Lei nº

2.848/40, artigo 129

-Nos casos de violência doméstica contra mulheres portadoras de deficiência há um

aumento de 1 terço na pena.

Código Penal, Decreto Lei nº

2.848/40, artigo 129 1 a 6 meses ou multa

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Pasinato (2010) ressalta que apesar da divulgação da Lei Maria da Penha ter enfatizado o aspecto de maior rigor criminal desta, tal lei não está limitada a buscar punição ao agressor. A autora divide as medidas previstas em lei em diferentes eixos: medidas criminais (de punição), medidas protetivas de urgência, medidas de assistência, e medidas de prevenção e educação. O artigo também reforça a importância dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, enfatizando seu papel em integrar a operacionalização das medidas dos diferentes eixos.

Refletindo sobre impactos esperados da lei, pode-se pensar em diversas possibilidades que serão resumidas a seguir. A literatura de criminologia considera dois possíveis efeitos de punições mais severas a crimes: efeitos deterrence e incapacitation. Proposto por Becker

(1968), o efeito deterrence é baseado na noção de que agentes racionais, ao lidarem com

probabilidades mais altas de punição, cometerão menos crimes, pois o benefício marginal do crime relativo ao seu custo marginal será menor. Levitt (1998) propõe que juntamente ao efeito deterrence pode aparecer o efeito incapacitation, no qual ações que limitem a liberdade

de ação do criminoso evitarão que crimes sejam cometidos, não via maiores custos marginais, mas simplesmente devido ao fato de que o criminoso não será capaz de envolver-se em ações ilegais. Ao relacionarmos esses efeitos com a Lei Maria da Penha, podemos acreditar que ambos sejam previstos. Por exemplo, ações previstas em lei como a prisão preventiva do agressor e o aumento da pena máxima nos casos de lesão corporal leve podem ocasionar ambos os efeitos de redução do crime.

Além dos efeitos da criminologia tradicional, Iyengar (2007) considera que leis que atribuem penalidades mais rigorosas a casos de violência doméstica podem gerar dois efeitos perversos: uma queda na denúncia e uma retaliação do homem. Em casos de violência doméstica, fatores emocionais e psicológicos podem levar as vítimas a não reportarem os casos de agressão às autoridades quando há um aumento da penalidade. Além disso, caso após o cumprimento da penalidade o agressor tiver contato direto com a vítima, poderá haver retaliação. Ambos os efeitos levariam a um aumento da violência contra a mulher.

Por fim, as medidas de assistência e proteção poderiam afetar o poder de barganha da mulher dentro do relacionamento (efeito via threat-point como será explicado na seção de revisão da

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maior facilidade de obtenção da guarda dos filhos, etc. A importância relativa de cada um dos possíveis efeitos é uma questão empírica que será analisada nessa dissertação.

2.3 Panorama nacional da violência doméstica

Por fim, o capítulo resume as pesquisas que investigaram o panorama nacional da violência contra a mulher depois da introdução da Lei Maria da Penha. O mapa de violência de Waiselfisz (2012) mostra que, entre 1980 e 2010, foram assassinadas no país mais de 92 mil mulheres, sendo 43,7 mil somente na última década. Em 2007, primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha, as taxas de homicídio feminino apresentaram uma leve queda, mas voltaram a crescer rapidamente até o ano de 2010, igualando os mais altos patamares observados. Um fato ressaltado no estudo é que há uma grande heterogeneidade nas taxas de homicídio entre os diferentes estados.

Outra pesquisa realizada em 2011 pelo Instituto Avon/IPSOS mostra dados da percepção da violência doméstica no Brasil. No estudo foram realizadas 1.800 entrevistas pessoais domiciliares em 70 municípios das 5 regiões brasileiras. A pesquisa mostra que 59% dos entrevistados conhecem, ao menos, uma mulher que já sofreu algum tipo de violência doméstica. Dentre as mulheres da amostra, 27% declararam ter sofrido agressão que considera grave, das quais cerca de metade (47%) são agressões físicas. Já dentre os homens da amostra, 15% alegaram já ter cometido alguma agressão e mais de metade dos homens agressores (56%) não declararam o motivo da agressão. Com relação à Lei Maria da Penha, 94% da amostra (95% das mulheres) relata já ter ouvido falar da lei. Entretanto, o grau de conhecimento dos entrevistados é baixo: 50% dizem saber pouco a respeito e 36% somente ouviram falar sobre a lei. Além disso, há uma grande descrença, por parte da população, da proteção jurídica e policial nos casos de violência doméstica: 54% da amostra (59% das mulheres) não confia nesse tipo de proteção.

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urbanas e rurais de todas as regiões do país. Dos homens da amostra, 8% dizem ter batido em uma mulher ao menos uma vez, sendo que 43% destes afirmam ter batido mais de uma vez. Dentre as mulheres da amostra, 18% dizem já ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem (sendo que na pesquisa de 2001 essa porcentagem era 19% da amostra). Em mais de 80% dos casos reportados, o responsável pela agressão é o marido ou namorado. Além disso, menos de 35% das mulheres agredidas prestaram denúncias a alguma autoridade policial ou judicial.

A pesquisa mais recente feita sobre o tema é do DataSenado (2013), que foca a violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha. O estudo aponta um conhecimento quase universal da lei pelas brasileiras (99%), sendo esse conhecimento homogêneo nas diversas classes sociais. Apesar do alto grau de conhecimento, cerca de 80% das mulheres entrevistadas não acreditam plenamente na eficácia da Lei Maria da Penha. A proporção das mulheres entrevistadas que relataram já terem sido vítimas de violência doméstica (aproximadamente 19%) está relativamente estável desde a pesquisa de 2005, não apresentando queda após a introdução da Lei Maria da Penha em 2006.

Em suma, as pesquisas realizadas depois da aprovação da Lei Maria da Penha não indicam quedas nas taxas de violência. Esses estudos, todavia, são apenas análises exploratórias dos dados, que não buscam a inferência causal da introdução da lei, mas caracterizar o cenário nacional da violência doméstica. Além disso, os estudos desconsideram as heterogeneidades municipais e estaduais na implementação da Lei Maria da Penha resultantes dos distintos graus de acesso aos serviços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial, aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

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3 REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo, faz-se uma revisão da literatura econômica sobre a violência contra a mulher, discutem-se as previsões desses modelos e resumem-se os efeitos já encontrados na literatura empírica. Primeiramente, o capítulo introduz a evolução dos modelos de economia da família, que servirão como arcabouço teórico para a literatura econômica sobre violência de gênero. Em seguida, apresentamos estudos que modelam o fenômeno da violência doméstica, em geral usando um instrumental de teoria dos jogos. Por fim, o capítulo resume os estudos empíricos já realizados sobre o tema.9

3.1 Modelos de economia da família

Antes de abordar os casos específicos de relacionamentos violentos, discute-se brevemente a evolução dos modelos de economia da família (do casamento) que serão a base teórica para os modelos de violência doméstica. Os modelos pioneiros de economia da família foram os modelos de preferências comuns (SAMUELSON,1956; BECKER,1981; BECKER,1973). Esses modelos assumem o casamento como unidade cooperativa na qual os indivíduos do domicílio agregam sua renda e maximizam uma função de utilidade do domicílio, sujeito às restrições da renda total domiciliar.

Segundo Lundberg e Pollak (1996), os modelos de preferências comuns passaram a ser criticados tanto pela hipótese de agregação da renda, quanto por desconsiderar as restrições de racionalidade individual relacionadas às decisões tomadas dentro do casamento.10 Como resposta às críticas, surgiram os modelos de jogos cooperativos de barganha (MANSER; BROWN,1980; MCELROY; HORNEY,1981) que consideram cada parceiro como um agente independente com preferências distintas. Esses modelos de barganha, em geral, permitem dois

9 Os estudos empíricos de violência doméstica focam em abordagens quase experimentais devido à

complexidade do problema e de tais políticas e esse será o enfoque dado na seção empírica. O único estudo usando aleatorização do tratamento de que tenho conhecimento é Pronyk et al. (2006), que avalia o efeito sobre a

violência doméstica de um projeto de microfinanças focado em mulheres.

10 Diversos estudos rejeitaram empiricamente a hipótese de agregação da renda (LUNDBERG

et al, 1996;

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agentes tomando decisões, o marido e a esposa, que decidem o consumo dos demais membros da família. Apesar de a otimização ser sobre uma função de utilidade cooperativa, a solução deve dar a cada cônjuge um nível de utilidade ao menos tão grande quanto a utilidade esperada fora do casamento (esse nível será o threat-point do relacionamento de barganha).

Para modelos cooperativos nos quais os indivíduos são tratados simetricamente, a solução mais usual é a solução de barganha de Nash.11 Já no caso de relações assimétricas, utiliza-se o modelo ditatorial, em que um dos parceiros possui poder ditatorial sobre a determinação dos ganhos que cada parceiro obtém da união e oferecerá ao outro parceiro somente o ganho suficiente para induzi-lo a aceitar a situação.

Lundberg e Pollak (1996) ressalta que a maioria dos modelos de economia da família assume ou conclui que o comportamento familiar é Pareto ótimo.12 Apesar de essa hipótese de eficiência de Pareto ser justificável em diversas famílias, em relacionamentos destrutivos, como nos casos de violência doméstica, nem sempre o comportamento familiar será eficiente. Segundo os autores, em relacionamentos violentos, um arcabouço teórico mais adequado seriam os modelos de jogos não-cooperativos. Lundberg e Pollak (1996) argumenta que um benefício da utilização de modelos de jogos não-cooperativos é a possibilidade de tratar a eficiência como endógena, dependendo potencialmente das instituições e do contexto social do casamento em uma sociedade em particular, assim como das características de cada um dos parceiros do relacionamento.

3.2 Modelos de violência doméstica

Modelos não-cooperativos da família são necessários para caracterizar adequadamente o comportamento de domicílios onde há violência. Tauchen et al (1991), com base na literatura

existente sobre economia da família e economia do crime, desenvolvem um modelo de violência entre homens e mulheres que possuem algum vínculo afetivo. Utiliza-se um modelo de Stackelberg, no qual o agressor maximiza sua utilidade esperada sujeito à função de reação estocástica da vítima. O modelo teórico difere dos modelos ditatoriais de barganha de decisão

11 Outra opção seria o equilíbrio de Kalai e Smorodinsky.

12 Uma situação é considerada Pareto ótima se não é possível melhorar a situação de um agente sem piorar a

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familiar e dos modelos clássicos de agente-principal, pois o parceiro dominante não assegura ao parceiro um nível mínimo de bem estar. No modelo em estudo, o líder aceita alguma probabilidade de suas decisões resultarem na saída do parceiro do relacionamento. A violência é vista no modelo como uma fonte direta de gratificação e como instrumento de controle do comportamento da vítima. Dadas as regras do parceiro, as escolhas da mulher são desobedecer, obedecer ou sair. Se ela desobedece, a mulher incorre em violência e escolhe o nível de serviços que maximiza sua utilidade esperada, em que as incertezas vêm da possibilidade de intervenção externa.

Os resultados de estática comparativa de Tauchen et al (1991) preveem um sinal ambíguo do

efeito de melhorias nas oportunidades das mulheres fora do casamento – como a aprovação da Lei Maria da Penha e a expansão dos serviços especializados de atendimento à mulher – sobre a violência. Por um lado, como a mulher possui melhores oportunidades, a violência se torna um meio menos eficiente de obtenção de obediência, o que faz com que caia o nível ótimo de violência ameaçada. Por outro lado, há uma queda na probabilidade de que o relacionamento permaneça intacto e com isso a probabilidade de o homem infligir violência e arcar com os custos associados é menor, aumentando o nível de violência.

Farmer e Tiefenthaler (1997) desenvolvem um modelo teórico de jogos não-cooperativos com informação completa para relacionamentos violentos. O casamento é modelado como uma relação estratégica na qual cada um maximiza sua utilidade sujeito à restrição de o parceiro continuar no casamento. Caso não haja um equilíbrio com essas restrições, haverá divórcio. O homem maximizará sua utilidade escolhendo o nível ótimo de transferências para a mulher e o nível de violência, sujeito à sua restrição orçamentária e à condição de a esposa permanecer no casamento. A mulher determinará o quanto de violência ela irá tolerar para continuar no relacionamento dado o montante de transferências recebido.

Formalmente, em Farmer e Tiefenthaler (1997), resolve-se o seguinte problema de maximização:

Max ) ) sujeito a ̅ ) e

Dado que i = M, W, indexa homens e mulheres, respectivamente, temos que

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nível de violência, é a transferência líquida de recursos do homem para a mulher, e η é o capital marital, que oferece utilidade para o agente dentro do casamento, mas não permanecerá se ele estiver solteiro. O threat-point da mulher é dado por ̅ . O modelo prevê

que uma melhora nas oportunidades disponíveis à mulher, ao aumentar seu threat-point, reduz

o nível de violência. Uma previsão interessante desse modelo é que a existência dos serviços de auxílio à mulher aumentará seu bem estar mesmo que ela nunca utilize tal serviço, via aumento no threat-point.

Uma extensão interessante dos modelos cooperativos de barganha foi realizada por Aizer (2010). No artigo, a autora elabora um modelo de barganha do domicílio incorporando violência que permite diferentes graus de poder de barganha entre os parceiros, usando a solução assimétrica de Kalai do problema de barganha de Nash para tal fim. A solução do problema de barganha assimétrica de Kalai é dada pela maximização de )

) onde m, w são índices do homem e da mulher respectivamente, e d representa o

threat-point. O poder de barganha do homem é medido por τ.

Farmer e Tiefenthaler (1996) utilizam um modelo de teoria dos jogos com informação incompleta no qual o threat-point da mulher é desconhecido e os serviços de apoio a mulheres

agredidas podem oferecer benefícios adicionais de sinalização estratégica.13 O modelo assume dois tipos de mulheres: o primeiro tipo (L) está no seu limite de violência e propensa a deixar

o relacionamento; o segundo tipo não está propensa a sair (N). A mulher sabe qual é seu tipo,

mas seu marido só sabe a probabilidade de que ela seja de cada um dos tipos. Assume-se que os serviços não possuem nenhum valor para a mulher além de sinalização. Sendo assim, uma mulher do tipo N tentará usar os serviços como sinalização de que ela é do tipo L. Se o blefe

funcionar, o homem reduz o nível de violência para mantê-la no relacionamento. Um equilíbrio agregador de estratégia pura, no qual todas as mulheres usam serviços, só será possível se o homem tem incentivo a responder com a estratégia de menor violência em toda situação. Outro possível equilíbrio será o de estratégia mista, em que as mulheres blefam uma parcela do tempo e os homens escolhem em uma porcentagem das vezes uma resposta dura ao uso de serviços. Portanto, a adição de serviços sem valor para o modelo leva ao mesmo resultado para as mulheres do tipo L e a um resultado ambíguo para as mulheres do tipo N,

13 Outro estudo que usa um modelo não-cooperativo de barganha e sinalização é Bloch e Rao (2002). Contudo,

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dependendo do sucesso do blefe. Contudo, as autoras ressaltam que não estão sendo considerados os efeitos positivos da disponibilidade de serviços via aumento no threat-point

nem os efeitos do valor dos serviços, como proporcionar segurança e ajuda a essas mulheres.

Pollak (2002) utiliza um modelo intergeracional de violência doméstica, no qual comportamentos são transmitidos dos pais aos filhos. Em seu artigo, o autor enfatiza a importância do mercado de casamento além dessa transmissão intergeracional: o nível de violência dependerá da união de pessoas que cometam e tolerem violência. Em relacionamentos violentos, a escolha de parceiros e a separação dependerão de características individuais que estão correlacionadas com experiências passadas de violência e propensões individuais para a violência. O modelo proposto se baseia em propensões e probabilidades em vez de maximização da utilidade e comportamento estratégico, saindo do arcabouço de modelos de escolha racional. Fatores econômicos, culturais e sociais e políticas públicas poderão afetar a violência doméstica por meio das probabilidades de violência e de divórcio caso haja violência. Uma das conclusões desse modelo é que políticas que reduzam a violência doméstica no curto prazo também irão reduzi-la no longo prazo: há uma amplificação do impacto por meio da dinâmica de transmissão intergeracional.

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relacionamentos violentos, pois as mulheres vitimadas substituirão um mecanismo privado de comprometimento mais caro por um mecanismo público menos custoso.

3.3 Estudos empíricos

Gelles (1976) foi um dos primeiros artigos a abordar empiricamente os casos de violência doméstica. Uma ressalva a ser feita ao estudo é a escolha de famílias com maior probabilidade de serem violentas, não sendo uma amostra representativa de qualquer população maior. Esse fato, junto à amostra reduzida de mulheres entrevistadas e à possível inconsistência das estimativas, torna o estudo uma mera análise exploratória dos dados, sem estabelecimento de relação causal. Contudo, o artigo foi essencial tanto pelo pioneirismo no tema, como para nortear a identificação de fatores socioeconômicos que influenciam a violência contra a mulher.

Fertig et al (2006) avaliam o impacto de um maior rigor na aplicação das pensões dos filhos

sobre a violência doméstica. Esse artigo apresenta uma melhora na base de dados em relação a artigos precedentes, pois utiliza uma pesquisa nacionalmente representativa, porém também utiliza medidas autorreportadas de violência doméstica, que são dados subreportados, e essa subestimativa da violência é potencialmente não aleatória. O estudo encontra que morar em um estado com política mais rigorosa de pensão aumenta o risco de violência doméstica entre as mães que não coabitam com os pais, sendo esse efeito ainda maior para mães que dependem de benefícios do governo, especialmente aquelas sem ordem legal de pensão da criança.

Aizer (2010) examina o impacto do gap entre o salário dos gêneros nos níveis de violência

doméstica nos EUA, explorando mudanças exógenas na demanda por trabalho em indústrias dominadas por mulheres relativas às dominadas por homens. O estudo se propõe a lidar com as limitações da literatura empírica existente sobre violência doméstica. Primeiramente, para lidar com a endogeneidade dos salários individuais e obter os salários potenciais (não os salários de fato recebidos), ele analisa o gap salarial como função da demanda local por

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subreportados de forma não aleatória e inconsistentemente coletados ao longo do tempo, usa uma medida de violência baseada em dados administrativos: hospitalização de mulheres por agressão. O artigo encontra que uma queda no gap salarial dos gêneros reduz a violência

contra a mulher.

Iyer et al (2011) explora variações estaduais no período de reformas políticas para verificar o

efeito do aumento da representatividade feminina sobre os crimes documentados contra as mulheres na Índia. Os resultados mostram um aumento significativo e de grande magnitude nos crimes reportados contra as mulheres devido a uma maior representatividade feminina no governo local. Esse aumento, contudo, reflete uma melhora na coleta dos dados, tanto via denúncias quanto via maior sensibilidade dos policiais com os crimes contra mulheres, e não uma maior incidência desse tipo de crimes.

Um ponto interessante do artigo (IYER et al, 2011) é considerar os incentivos dos três agentes

envolvidos na situação criminal: criminosos, vítimas e policiais. Primeiramente, um criminoso potencial decide cometer ou não o crime. Depois, a vítima deverá decidir se denuncia e, caso denuncie, o policial decide se irá documentar o crime reportado ou não. Por fim, os policiais decidem qual o tempo e esforço dedicados na investigação e se levam adiante a denúncia no sistema de justiça criminal. A análise da questão é feita retroativamente. Um arcabouço semelhante pode ser usado para análise da implementação da Lei Maria da Penha e mostrar como os gargalos estruturais da rede de atendimento à mulher afetam os resultados finais, podendo anular os efeitos das políticas de combate à violência de gênero.

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Aizer e Bó (2009) estimam o impacto de políticas de não retirada da queixa em condados da Califórnia sobre violência contra mulheres, denúncias e homicídios de parceiros, explorando a exogeneidade na data de implementação de tais políticas. Na análise, a violência é medida pelo número de mulheres admitidas no hospital por agressão e as denúncias são medidas por ligações emergenciais e por prisões. Não houve impacto significativo das políticas sobre o número de mulheres hospitalizadas por agressão, nem sobre os homicídios de mulheres pelos parceiros. Todavia, houve um aumento da denúncia, medida tanto pelo número de prisões de violência doméstica, quanto por ligações a serviços de denúncia. Além disso, encontrou-se uma queda estatisticamente significativa nos homicídios de homens por suas parceiras. Os resultados corroboram as previsões teóricas do modelo de inconsistência temporal das preferências, em que as mulheres usam a política de não retirada da denúncia como mecanismo de comprometimento, havendo uma substituição do mecanismo privado mais custoso, que seria o assassinato do agressor. No caso brasileiro, a Lei Maria da Penha consiste em uma política de não retirada da queixa, pois a partir de sua adoção a mulher ficou proibida de desistir da denúncia na delegacia, só podendo fazê-lo diante do juiz. Como já dito, os relatórios da SPM mostram aumento da denúncia e o efeito sobre o óbito de homens será analisado.

Além de avaliar o impacto de leis sobre a violência de gênero, Iyengar (2007) explora um experimento natural proveniente da implementação desigual da lei pelo país e aplica o método de diferenças-em-diferenças, estratégia de identificação similar à utilizada na dissertação.14 O artigo analisa empiricamente, para estados americanos, o efeito de leis que estabelecem prisão compulsória no caso de violência doméstica. Utilizando dados do FBI Supplementary Reports, de 1976-2003, os resultados encontrados mostram que o nível de homicídios

causados por parceiros íntimos aumentou nos estados que adotaram esse tipo de lei. O autor propõe dois mecanismos pelos quais esse efeito possa estar sendo causado: via aumento na represália dos agressores e/ou via queda na denúncia das vítimas. Ele investiga a validade das hipóteses examinando o efeito dessas leis de prisão em diferentes subgrupos com diferentes propensões a denunciarem os agressores e analisando homicídios familiares, que também são

14 Stevenson e Wolfers (2000) utiliza uma metodologia semelhante ao avaliar o impacto das leis de divórcio

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afetados pela lei, mas cuja denúncia em geral não é feita pela própria vítima. Os resultados encontrados corroboram com a validade da hipótese da queda da denúncia gerando o efeito perverso da lei. Recomenda-se cautela na interpretação dos resultados, pois apesar do aumento dos homicídios, não se analisou o efeito geral sobre a violência doméstica, sendo necessária a avaliação dos casos de agressão menos severos. O estudo avalia uma lei que se assemelha à Lei Maria da Penha, pois ambas as leis tornam a penalidade para os agressores mais rigorosa, podendo ter esse efeito adverso de reduzir denúncias. No Brasil, contudo, os relatórios da Secretaria de Políticas para Mulheres mostram que houve um aumento das denúncias das mulheres vítimas de violência doméstica, reduzindo a possibilidade de um efeito perverso.

Por fim, o único estudo empírico relacionado à Lei Maria da Penha é o trabalho de Garcia et al (2013), realizado pelo IPEA, sobre feminicídios no Brasil. O estudo avaliou o impacto da

Lei Maria da Penha sobre o óbito de mulheres por agressão, por meio do estudo de séries temporais. Os dados de mortalidade de mulheres por agressão são provenientes do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Os resultados do trabalho apontam que não houve redução das taxas anuais de mortalidade após a promulgação da Lei Maria da Penha. Todavia, o estudo analisa somente os óbitos de mulheres, refletindo apenas os casos mais extremos de violência doméstica e ignorando grande parcela dos casos.15 Além disso, ao olhar para os dados agregados do Brasil desconsideram-se as diferenças na implementação real da lei em cada estado ou município.

15 Veremos nas análises dos dados que houve alta em 97% dos casos notificados no SINAN de violência contra

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4 DADOS

4.1 Características da violência contra a mulher no Brasil

No intuito de promover uma melhor compreensão da violência doméstica contra a mulher no território nacional, apresentam-se abaixo algumas estatísticas descritivas usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde.

Em 2009, a PNAD investigou em seu suplemento o tema Vitimização e Justiça. Os resultados divulgados são relativos a Unidades de Federação, Regiões e Brasil como um todo. A pesquisa engloba características socioeconômicas das vítimas, tipo de ocorrência criminal e questões comportamentais relacionadas a tais ocorrências, além de aspectos relacionados ao acesso à Justiça. Os Apêndices 1 a 4 reportam alguns resultados encontrados nessa pesquisa. Dentre as mulheres que se declararam vítimas de agressão física no ano anterior à pesquisa, 42,1% reportaram que o agressor era um cônjuge/ex-cônjuge ou parente.16 Ao consideramos as mulheres que disseram ter sido agredidas por pessoas conhecidas, esse percentual sobe para 72,7%. Em 49,2% dos casos de mulheres que reportaram agressão física, o local de ocorrência da agressão foi a própria residência da mulher. Essas estatísticas indicam que, na maior parte dos casos de violência física contra a mulher, as agressões se configuram como casos de violência doméstica.17

Restringindo a amostra somente a vítimas de violência doméstica, tem-se que 59% das mulheres procurou a polícia após a última agressão.18 Os principais motivos para a mulher não ter procurado a polícia foram ter medo de represália e não querer o envolvimento da polícia no caso. Dentre as mulheres que foram até a polícia, 85% registrou queixa na delegacia. Apesar de a Lei Maria da Penha estabelecer que a autoridade policial, ao tomar

16 Uma mulher é considerada vítima de agressão física se ela respondeu afirmativamente à seguinte pergunta:

“De 27 de setembro de 2008 a 26 de setembro de 2009, você foi vítima de agressão física? ”

17 Para uma definição formal de violência doméstica, ver a subseção que dispõe sobre a Lei Maria da Penha

(capítulo 2).

18 Considero violência doméstica se a mulher foi agredida por cônjuge/ex-cônjuge, parente e/ou a violência

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conhecimento de violência doméstica, tem o dever de registrar a ocorrência e prestar toda a assistência necessária à vítima, o principal motivo para as mulheres não prestarem queixa foi a polícia não querer fazer o registro (24% dos casos). Esse fato sugere que a eficácia da lei está comprometida na ausência de treinamento policial adequado e de uma mudança cultural da sociedade.

A partir de 2009, a notificação de “Violência Doméstica, Sexual e/ou outros tipos de violência” foi implementada no SINAN de forma compulsória em situações de suspeita de violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos. A notificação é realizada pelo gestor de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) mediante o preenchimento de uma ficha de notificação específica. Os dados do SINAN disponíveis sobre violência contra mulher englobam o período de 2009 a 2013, e contêm informações referentes ao local de residência e internação da vítima, características socioeconômicas, tipo de violência sofrida, relação com o agressor e evolução do caso.

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4.2 Bases de dados

A principal medida de violência contra as mulheres usada na avaliação é proveniente de dados administrativos de internações hospitalares por agressão em que as pacientes eram mulheres (SIH/SUS). Usaremos dados anuais das internações femininas por agressão agregados no nível municipal, formando um painel de municípios abrangendo os anos de 2000 e 2010.19 A escolha do período de análise tem o objetivo de captar informações de agressão contra a mulher anteriores e posteriores à promulgação da Lei Maria da Penha (aprovada em agosto de 2006).

Essa medida apresenta algumas vantagens em relação a pesquisas de vitimização e dados de denúncias policiais, pois não se baseia em dados autorreportados de violência doméstica e inclui uma amostra mais abrangente das mulheres do país, além de ser consistentemente coletada ao longo do tempo.

Entretanto, duas ressalvas em relação a essa medida de violência são a ausência de dados sobre a relação vítima-agressor e o fato de a medida captar somente violência severa. Como grande parte dos casos de violência contra a mulher enquadram-se na categoria de violência doméstica, tendo sido perpetradas por parceiros ou familiares e/ou no domicílio da vítima, um potencial viés de erro de medida relacionado à falta de identificação do vínculo entre vítima e agressor é reduzido. Além disso, apesar de a medida só englobar agressões que tenham resultado em internações (agressões graves), ela captura casos menos extremos de violência que os homicídios femininos perpetrados por parceiros, variável dependente recorrentemente utilizada na literatura de violência doméstica.

Os dados de violência contra a mulher são obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Ministério da Saúde, e processados pelo DATASUS (Departamento de Informática do SUS). As unidades hospitalares participantes do SUS (públicas ou convênios particulares) enviam informações das internações efetuadas, representando dados de grande parte das internações hospitalares realizadas no Brasil. O SIH/SUS coleta diversas variáveis relativas às internações hospitalares tais como local de residência do paciente, diagnóstico,

19 Para que a medida de violência não reflita diferenças nas estruturas municipais de saúde, agregamos as

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valores devidos, etc. Os dados do SIH/SUS contêm informações mensais de internações, do período de 1998 a 2013, no nível municipal, estadual e federal. O número de internações será

dado pelo número de “Autorizações de Internação Hospitalar (AIH)” pagas, desconsiderando

as internações de prorrogação.

A classificação das internações como agressões baseia-se na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). O grupo definido pela CID-10

como “Agressões” engloba as categorias X85 a Y09 da tabela de classificação. O Anexo B reporta os tipos de agressões representados em cada uma dessas categorias. A composição da

categoria “Agressões” não sofreu alterações entre 2000 e 2010, períodos usados na análise.

O Gráfico 1 mostra a evolução do número mensal de internações femininas por agressão de 2002 a 2011 no Brasil. A linha vertical vermelha dividindo o eixo das abscissas representa a data que a Lei Maria da Penha passou a vigorar, ou seja, corresponde a setembro de 2006. Observamos que houve uma queda no número de agressões contra mulheres com a introdução da Lei Maria da Penha. Porém, partir de 2009, as internações por agressão voltaram a subir, atingindo altos patamares no final do período analisado.

Gráfico 1 – Evolução temporal do número de internações femininas por agressão

Fonte: Elaboração própria

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O Gráfico 2 apresenta a distribuição do número de agressões no período base da análise (2000). O gráfico da esquerda mostra o histograma das agressões para a amostra contendo todos os municípios de comarca, e o gráfico da direita apresenta o histograma das agressões somente para a amostra pareada ao usarmos Propensity Score Matching. Vemos que há uma

grande porcentagem dos municípios com um número nulo de internações por agressão. Com a amostra pareada, há uma redução na parcela de municípios sem internações femininas por agressão. Todavia, mesmo na amostra pareada, 80% dos municípios não tiveram mulheres internadas por agressão no ano 2000.

Gráfico 2 – Histograma do número de internações femininas por agressão

Fonte: Elaboração própria

Com o intuito de tornar o estudo comparável com os estudos empíricos da literatura internacional e com o estudo realizado pelo IPEA (2013), outra medida de violência contra a mulher que será usada é o número de óbitos de mulheres por agressão obtidos no Sistema de Informação de Mortalidade, do Ministério da Saúde.20

O SIM unifica os dados de mortalidade coletados no país pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O instrumento de coleta dos dados de mortalidade é a Declaração de Óbito (DO), cuja responsabilidade de emissão é do médico.21 Para a tomada de medidas legais em relação ao falecimento de uma pessoa é necessário o envio da DO aos Cartórios de Registro Civil e, consequentemente, tais dados representam boa parcela das mortes ocorridas

20 Muitos estudos internacionais usam como medida de violência doméstica o homicídio de mulheres por

parceiros (vide capítulo 3). Agregaremos os dados de mortalidade por local de residência.

21 Na ausência de médico no local da morte, a declaração de óbito poderá ser feita por duas pessoas qualificadas

que tenham presenciado ou constatado a morte.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 1 0 0

0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 Número de internações femininas por agressão

Histograma das agressões em 2000

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 1 0 0

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