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Bayreuth Festspielhaus 1895 5.29 Performance do Der

No documento Gesamtkunstwerk. A utopia de Wagner. (páginas 84-93)

Bayreuth Festspielhaus

5.28 Bayreuth Festspielhaus 1895 5.29 Performance do Der

Não podemos negar que o intento socialista de Wagner é claramente preterido aquando da sua aliança ao populismo de direita, sobretudo nos últimos anos em Bayreuth. E, apesar das suas ambições democráticas, a essência política do festival permanece sobre uma névoa de profundo antagonismo e contradição. Contudo subsiste a ideia latente em A arte e a revolução de que a arte deveria ter uma signifi cação primordial na vida do estado, entendendo sempre a arte enquanto produto da vida social. Neste sentido, o festival era concebido segundo o modelo grego da tragédia, em que o espectador deveria comprometer-se inteiramente aos propósitos de uma experiência cultural colectiva. As performances decorreriam durante a tarde e Wagner daria lugar a longas pausas de

modo a promover a discussão e fomentar a experiência intelectual partilhada [fi g. 5.28

e 5.29]. Deste modo, podemos contestar, até certo ponto, o argumento de Nietzsche e

Adorno, sendo que o equilíbrio entre absorção emocional e distância crítica — questão central na estética alemã no fi nal de século XIX —, não sendo imediato, poderia ser atingido de forma mediada; o que impugna, de certa forma, a conotação proto-fascista

do drama wagneriano e do próprio festival de Bayreuth.18

18 Note-se que esta exposição crítica visa apenas os primeiros anos de Bayreuth, que Richard Wagner

presenciou e conduziu. Todas as actividades levadas a cabo pelos seus descendentes, designadamente a associação de Bayreuth às políticas nacionalistas de Adolf Hitler, não devem ser tidas em conta para o efeito.

5.29

Até agora procurou-se enquadrar a œuvre wagneriana — designadamente pela análise da sua fundamentação teórica — no sentido de chegar a um entendimento primordial da obra de arte total, atendendo às suas raízes românticas e à interpretação da cultura trágica dos Gregos, que o compositor materializa, no drama musical, enquanto plataforma ideal de totalização estética e artística.

Para Lacoue-Labarthe1 o legado de Wagner constitui, ainda, a fundação de um cenário

teológico-político, sendo a génese deste pressuposto patente sobretudo nos efeitos que a sua obra de arte produz: a diligência de tal propósito é interpretada segundo uma esteticização política de matriz proto-fascista2; em última instância, o efeito que a obra

de arte wagneriana suscita é, na crítica de Lacoue-Labarthe, mais importante que o próprio compositor ou o conteúdo da sua teorização, na medida em que a partir da dinâmica relacional entre obra de arte e público, encontramos a génese da primeira mass

art ou arte das massas.

Tínhamos constatado que, na sua concepção de gesamtkunstwerk, Wagner atribui ao elemento musical — ou dionisíaco — um papel preponderante na apreensão do drama e na superação da fi nitude da consciência individual, igualmente precipitada na exaltação do sujeito colectivo. Não podemos deixar de notar que, desde os precedentes

niilistas da visão wagneriana, a música e a moral artística associada à sua conotação

1 PHILIPPE LACOUE-LABARTHE, filósofo francês (1940-2007); o autor explicita as fundações do seu

anti-wagnerismo sobretudo no ensaio de 1991, Musica ficta: figures de Wagner, in ALAIN BADIOU, Five

Lessons on Wagner. 1ª ed., London, Verso, 2010.

2 Segundo Lacoue-Labarthe a verdadeira essência do «wagnerismo» é o aparato ideológico intrínseco

à própria obra de arte enquanto meio para uma esteticização política. A filosofia especulativa que Wagner herda do pensamento ontológico seu contemporâneo, configura essencialmente — e segundo Badiou — esta ideia de política enquanto religião artística, o que é uma possível definição de fascismo.

universal infl uem em larga medida sobre as confi gurações ideológicas da realidade contemporânea. O argumento de Lacoue-Labarthe mina as fundações do pensamento comum de que vivemos num mundo de imagens, as quais por sua vez determinam uma

supremacia ideológica da imagética; esta posição afi rma peremptoriamente que “a música é, na realidade, mais importante que as imagens na organização disciplinar na mentalidade contemporânea.” 3 Wagner é, desta forma, colocado na génese cultural da idolatria

musical, e é o principal responsável pela ideia da música enquanto fenómeno estético democratizante e universal, ao apontar para o papel preponderante da interrelação de diferentes formas artísticas no sentido lato do termo. A suposta esteticização política wagneriana assenta, ainda, na “transformação da música num operador ideológico que,

no espectro artístico, envolve sempre a constituição de uma massa humana, ou seja, uma fi guração ou confi guração política.” 4 É, precisamente, esta conotação da funcionalidade

política do fenómeno estético e performativo que confi gura o destino ou o ethos de uma comunidade à imagem da cultura trágica (ou olímpica) dos «helenos».

Autores como Lacoue-Labarthe procuraram reduzir o compromisso artístico de Wagner à sua essência mitológica, decretando a invalidade de todo o seu empreendimento por via da relevância imperativa do mito ou, por outras palavras, da formalização de uma

“norma mitológica de representação.” 5 Não podemos negar um pressuposto de conexão

essencial e orgânico entre o elemento mitológico e a obra de arte de Wagner; porém, seria redutor afi rmar — tal como em Lacoue-Labarthe — que o esforço artístico do compositor se limita a uma fundação no espectro da mitologia e que, para além deste reconhecimento, nenhum outro mérito é devido a Wagner.

Actualmente, de modo a revisar o conceito de arte total devemos afastar-nos das categorias mitológicas e da estética do sublime em que Wagner assentou as suas confi gurações artísticas. O apelo romântico de uma arte mitológico-poética deve ser contido e interpretado de forma criteriosa, sendo que o conceito de Wagner ultrapassa

3 Cf. ALAIN BADIOU, Five lessons on Wagner. 1ª ed., London, Verso, 2010, p.2.

4 “What, then, is the real heart of Wagnerism? (…) In Lacoue-Labarthe’s opinion, it is the Wagnerian

apparatus as a vehicle fot the aestheticization of politics; it is Wagner as the transformation of music into an ideological operator which, in art, always involves constituting a people; that is, figuring or configuring a politics.” Ibidem, p.9.

em larga medida quaisquer expectativas contemporâneas inerentes à arte, à concepção do povo — ou sujeito colectivo — e à própria infl uência de uma consciência artística nas fundações sociais e políticas do nosso mundo. O compositor estabeleceu os princípios de uma ideia potencialmente «irrealizável»; porém, trata-se de uma ideia megalómana que enquanto crítica deve potenciar outras ideias ou críticas, e não decretar um fi m em si mesma.

O presente capítulo introduz a discussão que, inadvertidamente, promove uma posição anti-wagneriana, na medida em que contesta a ideia de que apenas pelo drama musical é possível estabelecer um princípio de obra de arte total. Para tal, não se pretende desvirtuar o empreendimento wagneriano e muito menos a arte da música enquanto epicentro do fenómeno da arte total — considerando a iniquidade de tal pressuposto e o carecimento de competências próprias que validassem uma mesma posição. Por outro lado, o objectivo deste estudo passa por rever os princípios designados por Wagner, para a obra de arte do futuro, numa lógica arquitectónica e, consequentemente, considerá- los através da legitimação da imagética e da abstracção conceptual da arquitectura enquanto arte «total».

É então chegado o momento de enquadrar a arquitectura segundo a dimensão wagneriana de «totalidade», equacionando, para o efeito, três das esferas que a condicionam enquanto disciplina: a sua interdependência artística, social e humana. A elucidação deste propósito passará tanto pela análise da aplicação histórica do conceito de Gesamtkunstwerk — nomeadamente entre as vanguardas artísticas do século XX —, como pelo enquadramento artístico, metodológico, social e político da prática arquitectónica contemporânea.

No documento Gesamtkunstwerk. A utopia de Wagner. (páginas 84-93)