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Roteiro: David Shore, Peter Blake / Direção: Bill Johnson

Vogler sorridente desce as escadas. A câmera o acompanha. No fundo, desfocado no elevador, vemos House, que grita.

House: Hei, está matando ela.

Vogler se vira e dá dois passos em direção a House. A câmera mostra House de frente e Vogler de costas.

Vogler: É mesmo?

(A câmera gira e se posiciona ao lado deles, em plano fechado, um de frente para o outro) Vogler: Achei que era você que iria fazer ela passar por um procedimento clínico. House: Ela sabe dos riscos, estava bem informada.

Vogler: O médico-pesquisador com certeza não estava. Vogler de costas, no canto esquerdo. House de frente.

House: Não é a vida nem a decisão dele.

House de costas, no canto direito. Luz e folhas vermelhas atrás de Vogler. Vogler: Pesquisa dele, decisão dele.

Cuddy se aproxima.

House: Por quê? Se ela morre, os números dele ficam mal?

House de costas, no canto direito. Luz e folhas vermelhas atrás de Vogler. Vogler: Se os números vão mal, a pesquisa vai mal.

House: E vai te dar prejuízo.

Vogler: E salva vidas a menos no mercado (ele se vira e sai caminhando). House: Uma pessoa. Um bipe dos aparelhos!

Vogler: Você já ouviu falar do departamento de saúde? Eles comem bipe no café. Uma pessoa nunca pode pôr em risco milhares.

House: Ainda bem que você estava aqui para salvar todas essas vidas!

A câmera se posiciona na lateral, e no fundo vemos Cuddy desfocada no meio do enquadramento. Vogler: O conselho se reúne de novo esta noite.

Vogler: Por que não se acomoda lá? Joga um pouquinho. (Vogler de frente, porta de vidro e árvores verdes no fundo) Por que não cuida da sua vida? Soube que vão demitir um médico elegante hoje, eu não vou perder essa.

Especificidades/Convenções

Na busca pela verossimilhança com os procedimentos da profissão, as séries médicas, recorrentemente representam o tratamento do corpo humano, com aproximação máxima das entranhas, órgãos, procedimentos. Essa convenção, proibida nos anos 1980, retorna nos produtos médicos a partir da década de 1990. Com isso, o corpo humano é convertido em dispositivo narrativo e dramático (TOUS, 2010).

House leva a característica de representação do corpo e dos procedimentos ao extremo, com a câmera que entra no indivíduo e mostra seus órgãos; com as representações macroscópicas de elementos microscópicos (que ficou conhecida como câmera microscópica), planos detalhes de cortes, cirurgias, injeções. Construções de cena que, muitas vezes, trazem uma forte carga dramática aos episódios.

Tal como as séries médicas, House mostra, em diversos episódios, a clássica cena do anda e

fala (BORDWELL, 2008), em que a câmera se posiciona na frente dos personagens e se

movimenta para trás enquanto eles andam pelos corredores do hospital discutindo diagnósticos dos pacientes. A câmera acompanha o percurso mostrando-os sempre de frente. Outra convenção importante em séries de hospital é dos protagonistas lidando com a instituição (regras, limites, orçamentos, falta de aparelhos, medicamentos, médicos). House vai além, pois em diversos episódios ele enfrenta juízes, advogados, policiais. Na primeira temporada, o primeiro episódio que trata disso é o Me deixe morrer, no qual House vai para o tribunal para tentar ganhar mais tempo e solucionar o enigma:

Grande plano de um prédio. Voz off de um homem: Excelência, em favor de Gregory House. Em

plongée, do lado direto da sala. Cena em um tribunal e o homem que fala é o advogado de House.

Plano fechado de House. Plano fechado de Wilson. O advogado explica que House intubou o paciente contra a vontade dele. House se levanta e diz que foi um procedimento médico para salvar a vida do paciente. O Juiz pede que House se sente e que o advogado fale por ele. House pede desculpas e diz que saiu da linha.

(...) O outro advogado se levanta e fala de um precedente de que o acusador não pode recorrer para manter um estado. Já não ouvimos a fala do advogado. Wilson cochicha para House. A atenção/foco auditivo sai do advogado e centra-se na conversa entre House e Wilson. Wilson pergunta por que House está fazendo isso, já que não vai livrar House da cadeia e, mesmo que saia livre, a ordem judicial e a agressão ficam na ficha; pergunta o que House ganha com isso. House responde: tempo. Wilson pergunta se o tempo é para ter um diagnóstico, e argumenta que House não pode chegar perto do paciente. House responde que não quer isso. Wilson diz que alguns

médicos tem um complexo de Messias, que precisam salvar o mundo, e que House tem o complexo de Rubik, que precisa resolver o quebra-cabeça. House pergunta se Wilson já terminou, ou se ele tem mais alguma moda passageira da década de 1980, pois ele quer ouvir os advogados. House se vira para frente, e voltamos a ouvir as falas dos advogados.

(...) House se levanta novamente. O Juiz diz que vai torná-lo objeto de desprezo caso House não se sente. House diz que tem um problema médico. O Juiz fala que se está ligado ao caso o advogado... House interrompe o Juiz e diz que não está, faz feição de preocupação e pergunta se o Juiz tem algum histórico de problema cardíaco na família. Fala que os dedos do juiz dão sinais de engrossamento, o que indica problema cardíaco e ele pode morrer, que ele deveria procurar o seu médico. O advogado de Henry reclama para voltarem ao caso, e continua falando, mas já não ouvimos nada, estamos no ponto auditivo do juiz. Ele parece preocupado, discretamente olha para suas mãos.

Ainda que apresente elementos característicos da convenção, House se afasta da construção esperada de um médico. A sua postura, figurino e comportamento contrastam com a personagem de Wilson, que é a construção imagética de um médico ideal. Mas, além disso, este seriado nega muitas vezes o próprio código de ética da profissão, com desrespeito ao paciente e sua vontade, procedimentos duvidosos, troca de medicações. Tous (2010, p.215, tradução nossa51) acrescenta que House “destrói o romantismo da profissão”.

Outro aspecto que torna a série singular é a personalidade do protagonista, que é evidenciada em seus relacionamentos com os colegas, com a direção do hospital, com os pacientes, com seus amigos e com o enigma. O caráter duvidoso de um personagem – capaz de receitar cigarros como remédio ou trocar uma medicação analgésica por balas comuns – encanta a audiência com sua genialidade e percepção do mundo.

House mescla o drama médico e detetivesco, indo além dessas tipologias (TOUS, 2010). Essa

não é a primeira série a trabalhar com elementos policiais e médicos, mas é uma das primeiras a usar elementos de investigação policial para diagnosticar doenças. Dessa forma, o crime e criminoso se tornam a doença. Os sintomas funcionam como pistas e evidências, o diagnóstico é a investigação, e o médico é o detetive. Em alguns episódios, os personagens fazem referências ao trabalho deles se equivaler ao trabalho de policial. Essa associação, de um protagonista complexo e sua equipe, dá à série um tom único, diferenciando-a tanto de séries policiais como de séries médicas, ainda que possamos encontrar e distinguir os elementos e convenções de ambas.

A proposta desta segunda parte do terceiro capítulo foi de apresentar analiticamente os elementos recorrentes e singulares na configuração do caráter investigativo nas três séries. Ver de que forma os momentos associados à investigação foram trabalhados a fim de construir uma identidade específica de cada seriado. Assim, ao mesmo tempo em que os produtos analisados se aproximam das convenções de suas categorias específicas (sci-

fi/fantasia, policial, drama médico), esses tentam se diferenciar de suas convenções, trazendo

elementos novos e distintos, trabalhando a sua organização episódica e seriada, recorrendo a estratégias audiovisuais para a construção de uma identidade própria.

Essas descrições analíticas permitiram compreender o funcionamento das séries, com seus invariantes e suas variáveis, com suas recorrências e suas singularidades, e assim conseguimos traçar um panorama de cada seriado, relacionando-os, individualmente, com as características do crime fiction.

Pode-se perceber que, mesmo com as tentativas de diversificação e variações dentro de cada série, em diversos momentos as séries convergem com a apresentação e representação de mesmos temas e elementos – questões familiares, relação com o trabalho, relações com colegas e vítimas. O que se aproxima da hipótese de Calabrese (1999): a variação de um idêntico e a identidade de vários diferentes.

O próximo passo desta pesquisa se assemelha com a elucidação de caso: com todas as pistas e evidências analisadas, o detetive pode apontar um culpado e explicar como resolveu o mistério. Com o panorama das três séries, podemos comparar as informações coletadas para apontar as semelhanças nos três seriados e justificar com as evidências encontradas.

4. ELUCIDAÇÃO DO CASO

O trabalho do detetive não está completo sem o momento em que ele elucida o caso. Não basta indicar quem é o culpado dentre os suspeitos, é necessário apresentar de que forma chegou à solução do mistério. E, passo a passo, o detetive refaz o caminho investigativo e aponta que pistas e evidências foram fundamentais no processo (SEGAL, 2010). Assim, dentre todas as pistas e evidências identificadas no decurso da pesquisa, este é o momento de apontar aquelas que foram cruciais para alcançar os objetivos propostos e responder às hipóteses formuladas.

Este breve capítulo tem como objetivo comparar as informações coletadas durante o processo de análise e associá-las com os capítulos teóricos. E então, esta etapa analisa comparativamente as informações coletadas por todo o percurso da pesquisa: as revisões e discussões sobre serialidade e gênero policial; as decupagens e análises dos episódios das séries.

A análise do funcionamento de cada série – como foram apresentados e organizados os elementos investigativos associados às convenções dos subgêneros em cada universo ficcional – por meio da observação da construção da repetição, associada aos elementos internos da narrativa, gerou dados comparáveis entre as séries.

Pensemos no episódio piloto e de que forma os três seriados apresentaram a organização narrativa do episódio (o crime, a investigação, a solução). Os três trouxeram convenções do gênero (o sci-fi/fantasia, o policial, a série médica) bastante evidenciadas e apresentaram seus protagonistas com elementos prototípicos para facilitar o reconhecimento e identificação dos seus traços de personalidade mais importantes. Uma construção que se aproxima de um padrão produtivo, como um protótipo, para conquistar a curiosidade e interesse dos espectadores. Com isso, o primeiro ponto observado dialoga com a metáfora dos replicantes de Calabrese52 (1999), pois as séries partem de uma matriz investigativa, de um modo

produtivo serial, mas que ao longo da(s) temporada(s) ganham características específicas, que

52 Calabrese faz uma associação dos atuais produtos culturais com os personagens replicantes do filme Blade

Runner, em que estes nasceriam de um protótipo humano, mas com aperfeiçoamento de algumas características.

Com o passar do tempo, eles se tornam autônomos e diferentes do original. Assim, seriam os atuais produtos seriados, que nascem de um protótipo – de um mecanismo de otimização e aperfeiçoamento –, mas que se transformam em algo bem diferente do exemplar original.

as tornam distintas. Ou seja, foi identificada uma distinção das séries em relação à categoria genérica em que estão inseridas.

O caráter investigativo – em sua estrutura basilar: o crime/o caso/o enigma, a investigação e a solução – foi a primeira característica identificadora nas três séries. Dessa forma, a escolha do

corpus não foi aleatória; procuramos por produtos de categorias distintas, para observar em

suas narrativas de que forma o caráter investigativo foi apropriado em cada universo ficcional, além de atentar para as convenções e estratégias utilizadas para, de algum modo, disfarçar as repetições.

A classificação em gêneros pode ser pensada como uma perspectiva compartilhada, um conjunto de elementos identificáveis pelo público, crítica e academia. E o interessante é ver de que forma cada produto se apropria desses elementos convencionais – dentro de uma estrutura (bem fechada, como as séries de broadcasting) que segue determinadas fórmulas – e apresentam suas histórias. Assim, o interesse foi além de se identificar as repetições, mas também o de observar as estratégias empregadas em cada um dos produtos estudados, compreender de que forma foram organizadas as repetições, as variações e singularidades. De maneira preliminar, percebe-se que as três séries trabalham semelhantemente a organização dos episódios. As diferenciações ocorrem para adaptação ao clima de cada série e a sua continuidade (se perpassa temporadas ou se aproxima de uma estrutura mais episódica). Podemos pensar na organização do idêntico (CALABRESE, 1999) também entre as séries, ao encontrarmos na maioria dos episódios a seguinte estrutura: a apresentação do caso para a audiência; a recusa do caso com os protagonistas relutantes que resolvem investigar, e então surgem novas evidências que convencem os personagens de que aquele caso é um ‘caso de verdade’ ou um ‘caso que vale a pena investigar’. Os protagonistas sugerem uma explicação que não pode ser comprovada (Supernatural e House) ou não tem credibilidade por parte dos profissionais locais, por se tratar de apenas um perfil psicológico (Criminal Minds). Tem-se a hipótese de algum suspeito provável, seja alguma criatura sobrenatural, uma doença ou um perfil de um indivíduo. Surgem novas evidências, que podem ser em forma de novas vítimas, sintomas e eventos inexplicáveis. Encontra-se a resposta real. Chega-se ao ápice, e os personagens lutam para sobreviver ou para a sobrevivência da vítima. Com isso, a ameaça é eliminada.

Observando essa estrutura, se torna impossível não pensar na importância do trabalho de elaboração dos roteiros, que precisam se adaptar a regras rígidas de produção e exibição, se