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3. ATIVIDADES DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE

3.3. Software Livre

3.3.2. Bens comuns

O software livre é uma forma específica de disponibilização de software, que busca eliminar determinadas restrições de propriedade, em um modelo de bens comuns. Além da disponibilização, trata-se de uma forma de produção coletiva (peer production), em que indivíduos disponibilizam parte de seu tempo, experiência, saberes e criatividade para desenvolver novos softwares (Benkler, 2006:81).

As comunidades de software livre são exemplos de sucesso de produção coletiva e compartilhamento da propriedade de bens. O desenvolvimento de um novo software livre começa com um usuário, que possui uma necessidade, desenvolve um protótipo de um software e disponibiliza gratuitamente. Outros usuários com interesses semelhantes testam o software, fazem alterações, incluem funcionalidades de seu interesse, etc. O modelo funciona desde o mais simples, alguns poucos desenvolvedores, até o caso de grandes projetos que envolvem milhares de desenvolvedores espalhados pelo mundo. A organização institucional das comunidades, que associa produção e disponibilização gratuita, torna possível e viável a reunião de esforços e direcioná-los para o desenvolvimento de um software específico. Softwares livres importantes e complexos, tais como o servidor Web APACHE, o sistema operacional Linux, o servidor de e- mails, etc. são possíveis porque reuniram a contribuição de milhares de desenvolvedores. A propriedade comum, pois, é um pré-requisito para reunir talentos, tempo e esforço de desenvolvedores de software canalizados para projetos específicos.

De acordo com Benkler (2003), o livre mercado não é o reino das escolhas livre, mas de escolhas feitas em uma super-estrutura cuja base é a capacidade e disposição de um indivíduo pagar por um recurso. A propriedade é um pré-requisito para a existência do mercado tal como conhecemos. Propriedade, segundo o autor, é um conjunto de regras que determinam quais recursos cada um possui. A posse dos recursos define os limites do que cada um pode fazer ou se negar a fazer em relação aos demais recursos (Benkler, 2003:6). Nos bens comuns, nenhuma pessoa sozinha possui controle exclusivo sobre o uso e disponibilidade dos recursos.

“Sistema de bens comuns é um arranjo institucional específico que governa o uso e forma de disponibilização dos recursos. A característica que os define, em contraposição à

51 Em inglês, commons. Esta palavra é utilizada tanto para delimitar um bem específico, tanto para designar um sistema de propriedade que

propriedade, é que nenhuma pessoa sozinha possui controle exclusivo sobre o uso e disposição dos recursos. Em vez disso, os recursos sob um sistema de bens comuns podem ser utilizados e descartados por qualquer um dentro de um conjunto (mais ou menos bem definidos), sob regras que podem variar entre “nenhuma regra” a regras formais, articuladas e com mecanismos de enforcement.”

(...) indivíduos e grupos podem utilizar os recursos sob outros tipos de restrições, diferentes daquelas impostas pela lei de propriedade. Estas restrições podem ser sociais, físicas ou regulatórias. Elas podem tornar os indivíduos mais ou menos livres que as leis de propriedade. Se um sistema de bens comuns aumenta ou diminui a liberdade depende da forma que eles estão estruturados e como as leis de propriedade que atuam sobre o recurso estariam estruturadas na ausência dos bens comuns. (Benkler, 2003:6)

Os sistemas de bens comuns não são espaços anárquicos. Há regras e restrições, mas elas são de natureza distintas das regras de propriedade que conhecemos. O autor classifica os bens comuns em quatro tipos, com base em dois parâmetros: a) se os recursos são abertos para qualquer um ou apenas para um grupo definido. O ar e o oceano são exemplos de bens comuns. Os bens acessíveis a apenas um grupo não são bens comuns em relação àqueles que não acessam, mas assim se comportam dentro do grupo; b) A segunda classificação é se o sistema de bens comuns é regulado ou não. Praticamente todos casos bem estudados de regimes de propriedade de bens comuns são regidos por regras mais ou menos estruturadas, algumas formais, outras como regras de convivência. Outros sistemas não possuem qualquer tipo de regulação. O ar, quanto à respiração, não é governado por regras. Aquilo que se despeja no ar, no entanto, é regulado, com o objetivo de controlar a poluição.

O software livre é um sistema de bens comuns, regulado por regras que estão explicitadas nas licenças de uso, que são muitas e variadas, e na organização das comunidades, como contribuir, quais contribuições são aceitas e quais são descartadas, etc. Dentre as classificações apresentadas, o software livre encontra-se dentre os sistemas de bens comuns regulados e não acessível a todos. Sobre o uso, não é qualquer regulamentação: a execução do software é livre, para qualquer fim. As regulamentações ocorrem na organização das comunidades, em que há uma hierarquia definida, formas para a seleção de alterações e novas funcionalidades no programa, etc. Os softwares livres não são acessíveis a todos, somente àqueles que possuem os conhecimentos necessários para conseguir utilizar os softwares desenvolvidos e àqueles que têm condições de

participar do desenvolvimento das comunidades. Uma vez obtido o conhecimento necessário, a participação é livre, não existindo regras que limitem a participação.

Estudos recentes têm mostrado que, em alguns casos, os regimes de propriedade comum são sustentáveis e, possivelmente, mais eficientes que regimes de propriedade (Benkler, 2003). Os bens que apresentam ganhos crescentes de escala do lado da demanda, como externalidades de rede, são bons candidatos a serem disponibilizados em sistemas de bens comuns, pois o compartilhamento beneficia a coletividade.

“Para além das características de bens públicos da informação, ambientes de redes digitais são permeadas por recursos que, embora não sejam públicos no sentido econômico estrito, funcionam bem em um modelo de propriedade comum. Eles representam instâncias em que compartilhar recursos tende a reduzir a escassez e obter melhores resultados que em sistemas baseados na propriedade privada.” (Benkler, 2003:7)