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BINÁRIO ÉTICA CORPORATIVA/COMPETITIVIDADE – Categoria 7

4. ANÁLISE DE DADOS

4.3 BINÁRIO ÉTICA CORPORATIVA/COMPETITIVIDADE – Categoria 7

A Eletrobrás e muitas outras empresas brasileiras vêm passando por um movimento de adaptação de seus processos de trabalho com o objetivo de se adequarem às novas exigências da lei americana denominada Sarbanes-Oxley (SOX)7. A Figura 29 exibe a primeira parte de uma matéria publicada na Revista Eletrobrás de novembro de 2005 em que esse assunto é abordado.

Figura 29 – Matéria publica na Revista Eletrobrás de novembro de 2005.

7 Lei de 2002, aprovada após os escândalos financeiros ocorridos nas empresas Enron e WorldCom, que visa

proteger os acionistas e o público geral contra erros contábeis e práticas corporativas fraudulentas. Essa lei define quais registros contábeis devem ser armazenados e por quanto tempo.

O cumprimento dessa legislação é obrigatório para as empresas estrangeiras que negociam papéis na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Para assegurar que essas empresas adotem práticas eticamente corretas, a lei SOX, em sua seção 303A.10, determina que:

“As empresas listadas devem adotar e divulgar um código de conduta e ética para conselheiros, diretores e empregados, e devem divulgar imediatamente quaisquer exceções ao código concedidas para conselheiros ou diretores executivos.”

Com respeito a esse movimento de preocupação empresarial com a ética, FARIA (2004a) afirma:

“De fato, considerando os desdobramentos dos escândalos contábeis das grandes corporações norte-americanas, a adoção de procedimentos éticos é mais uma necessidade do capital do que seu compromisso.” (p.164)

Na prática, pela instituição dos códigos de ética, as empresas pretendem definir um padrão de comportamento que permita legitimar determinadas práticas e condenar outras. Nestes termos FRAGA (2003, p.166) elabora uma crítica, interpretando a instituição dos códigos de ética como um simplismo dogmático que leva as pessoas a acreditar no claramente mau ou no conhecidamente bom, quando, na verdade, os conflitos que importam encontram-se entre coisas que são ou têm sido satisfatórias, não entre o bem e o mal.

Para FRAGA (op.cit) a ética, como relativa ao ser do humano, à humanidade em cada um como permanente objeto de auto-conquista – é destituída de regras, exigindo postura alerta e constante exercício de julgamento, quando a singularidade dos valores aparece não somente como compatível com o todo, mas, também, constituinte do todo.

O discurso das organizações transmite a idéia de que o problema das fraudes contábeis, propinas, tráfego de influência são questões que se resumem à postura ética das pessoas. Contudo, FRAGA (op. cit) faz um alerta à área de Recursos Humanos afirmando:

“Uma Gestão pela Formação Humana não pode sucumbir à tentação de simplificar a pesada e permanente responsabilidade de exercitar julgamento de valor necessário a cada situação, em sua singularidade, e incorrer na substituição dessa responsabilidade

humana por normatização, ou decretando atitudes e

comportamentos supostamente éticos para as pessoas nas organizações. Essas opções incompetentes e inconseqüentes são, elas mesmas, o exemplo concreto da omissão ou da intenção pró- suspensão da ética.” (p.166)

Além da instituição de códigos de ética pelas empresas como se fosse possível construir uma tabela hierárquica de valores, abrangente e definitiva, também podemos verificar a existência de outras contradições entre o que as organizações pregam sobre ética e a prática, contradições essas geradas pelo próprio sistema capitalista. Essa é a análise que faz CHAUÍ (apud SOARES, 2004) ao afirmar:

“A sociedade contemporânea capitalista transformou a competição e a vitória/sucesso em valores morais. Para alcançar a vitória/sucesso todos os meios competitivos são considerados bons, se o forem eficientes.” (p.05)

No âmbito do capitalismo, portanto, a competição tornou-se um arranjo intransponível das relações de produção, uma espécie de modelo de ação humana que destrói todas as possibilidades éticas. Como conseqüência, a sociedade se vê diante da necessidade de se proteger contra a busca irracional dos valores instituídos por ela própria.

É importante destacar que a competição é valorizada tanto no ambiente externo (busca pelo aumento das vendas, da ampliação da empresa no mercado, da fidelização do cliente) quanto no ambiente interno das empresas. PAGÉS (1987, p. 127) relata como o discurso da competição entre os empregados é operacionalizado nas organizações:

1. Fundamenta-se a competição na perseguição de objetivos individualizados, sendo o plano de carreira e remuneração subordinado ao atingimento desses objetivos. Cada um negocia separadamente seus objetivos e trabalha para atingi-los como pode. Os objetivos personalizados evitam os confrontos diretos e favorecem o isolamento e a atomização;

2. Institui-se a necessidade da superação dos próprios limites. O discurso da competição prega a necessidade do melhoramento da performance individual, pois é na superação dos resultados obtidos que as possibilidades de sucesso/vitória são maiores.

3. Pratica-se a política do segredo, que consiste em manter o sigilo das posições de cada empregado (salário e carreira). Esse desconhecimento impede o empregado de fazer comparações com os demais e de identificar aqueles que têm interesses similares aos seus e com os quais poderia ser estabelecida uma solidariedade objetiva. A empresa planeja previamente as carreiras de seus chefes em segredo e cada um pode acreditar que seus colegas de hoje serão seus subordinados de amanhã, ou vice-versa.

Como podemos verificar existe um grande paradoxo entre o discurso da ética propagado pelas empresas e sua prática, seja no que se refere à gestão de pessoas, seja com relação à vida financeira da empresa que atinge diretamente os acionistas. Porém, esse descompasso entre o discurso da ética e a prática organizacional também abrange outras esferas, pois as empresas vêm desenvolvendo e patrocinando diversos projetos sociais nas áreas de educação, esporte, cultura e de preservação do meio ambiente.

Nesse contexto, SOARES (2004, pp. 08-10) identificou três tipos de discursos por meio dos quais é possível investigar as razões ocultas por trás da benevolência do capital com o social que expõem as contradições entre o que se prega e o que efetivamente é praticado no ambiente empresarial:

a) O discurso explicitado, através do qual são divulgadas as informações a respeito da postura ética e cidadã, isto é, das boas intenções, que se pretende que sejam do conhecimento dos trabalhadores e do público em geral;

b) O discurso pronunciado reservadamente, que contempla as informações que, embora públicas, não são divulgadas no âmbito da população em geral e se encontram preponderantemente em trabalhos acadêmicos e livros especializados. Esse discurso compreende estudos que abordam estratégias de cunho social para: aumentar a preferência dos consumidores pelos produtos da empresa e obter ganhos na imagem corporativa; obter maior apoio, motivação e lealdade dos empregados; alcançar melhor relacionamento com o governo e aumento da popularidade dos dirigentes da companhia, que passam a ser reconhecidos pelo elevado senso de responsabilidade social. Esse discurso também promove discussões a respeito da conveniência/eficácia de a empresa adotar ações sociais e dos tipos de ação social mais adequados para cada ramo de atuação empresarial. Percebe-se, na análise desse discurso, que a razão pela qual as organizações adotam uma postura socialmente responsável se deve à competitividade típica do regime capitalista. A premissa consiste na idéia de que a sobrevivência da empresa depende da vantagem comparativa em relação a seus concorrentes. Essa vantagem pode ser alcançada por meio da adoção de programas sociais, os quais proporcionarão uma boa

imagem corporativa e uma maior visibilidade da empresa no mercado. Nesses termos, um posicionamento socialmente responsável representa uma estratégia de marketing para os públicos externo e interno. Ao garantir um diferencial competitivo a partir de uma imagem corporativa favorável, as empresas tornam os clientes fiéis à marca dos seus produtos e os trabalhadores comprometidos e identificados com a organização. Uma prática que tem sido estimulada pelas empresas é o trabalho voluntário, sendo este apresentado como uma forma de exercício da cidadania. Porém, uma análise crítica dessa prática revela a relação da questão da competitividade e do trabalho voluntário. O pressuposto é de que o trabalho voluntário contribui para elevação do nível de satisfação e de identidade do empregado com a empresa, redundando em aumento do comprometimento com a organização, em desenvolvimento de competências e consolidação de uma imagem corporativa favorável. Não coincidentemente, os programas de voluntariado empresarial vêm sendo considerados uma ferramenta de recursos humanos, o que por si só já descaracteriza o trabalho como social e voluntário;

c) O discurso não-dito, também denominado discurso cobertura, tem por objetivo transformar o interesse particular da organização em uma razão coletivamente aceita, conferindo legitimidade ao que não é necessariamente legítimo. Se anteriormente a empresa ocupava papel central na sociedade, com a expansão do capitalismo, ela passou a exercer um papel dominante na tentativa de suprir as deficiências das outras instituições. Nesse processo de ideologização, a empresa é a portadora dos valores do capitalismo racional e instrumental que transforma os seres humanos em seres técnicos e os homens unicamente em produtores e consumidores. Restando apenas a competitividade e a lucratividade como valores

morais, percebeu-se que seria criada uma legião de corruptos e sabotadores, o que seria auto-destrutivo para o sistema. Portanto, a empresa foi direcionada a tomar outro espaço, diferente do espaço econômico, e resolveu ser ela mesma o objeto dos afetos e das paixões, tornando-se o lugar da socialização e do amor comunitário.

Outro argumento usado para justificar o engajamento das empresas em uma postura socialmente responsável com relação às injustiças sociais é que:

“os problemas sociais tendem a atingir limites intoleráveis e é neste ponto que reside o maior medo das empresas: a subversão da ordem, uma crise social e ambiental sem precedentes. (...) A solução encontrada foi a criação de uma nova lógica e racionalidade social. Esta surge não para substituir a lógica econômica globalizante, mas para atenuar seus efeitos e diminuir seus riscos sistêmicos.” (NETO e FROES, 2001, p.6)

Segundo os autores, a essência da estratégia empresarial é administrar as racionalidades econômica e social por meio de diversos tipos de relação (vide Tabela 8). A lógica da administração dual baseia-se no balanceamento das ações econômicas, sociais e políticas.

Tabela 8. Racionalidade Econômica/Racionalidade Social Fonte: com base em Neto e Froes (op.cit., pp. 11-12)

Racionalidade econômica Racionalidade social Tipo de Relação

Desmobiliza a sociedade Fortalece e desenvolve as comunidades

Explora os recursos naturais da sociedade

Reembolsa a sociedade por meio de projetos sociais

Compensatória Enfraquece as Instituições (Estado,

Partidos, Sindicatos, Igreja)

As organizações assumem o papel

central da sociedade. Substitutiva Valorização do capital intelectual Valorização do capital moral-ético e

social Complementar

A diversidade de relações acima apresentadas serve para encobrir os motivos que conduzem as empresas à ação social. É necessário desmobilizar a sociedade e enfraquecer as Instituições para que as organizações se tornem o modelo de racionalidade, de transparência, de produtividade e de resultado que deve ser seguido – Relação Substitutiva. Como vimos na análise da categoria 6, “a relação com o trabalho ou com o lugar do trabalho tende a se tornar a principal referência dos indivíduos.”( FREITAS, 2000, p. 9).

Com respeito à Relação Compensatória, que desmobiliza a sociedade e fortalece as comunidades, é necessário destacar que o apoio dado às comunidades se restringe ao período em que a empresa está inserida, usufruindo do espaço, das pessoas e dos recursos naturais daquela localidade. A empresa-cidadã esquece seus preceitos quando se muda para outro país onde a estrutura de custos é mais barata, não se importando com a massa de desempregados que deixará para trás. Um aspecto importante apresentado por NETO e FROES (op.cit., p. 10) é que a racionalidade social corporativa para direcionar as ações sociais em favor da comunidade - e não da sociedade - incentiva a prática de solidariedade individual, sob a forma de trabalhos voluntários e não incentiva a solidariedade coletiva, pois esta exige maior mobilização e consciência social.

De fato, a conscientização e mobilização social não são aspectos a que as empresas aspiram, porque a racionalidade econômica e a ordem social vigente poderiam ser alvo de questionamentos. Pelo contrário, a idéia é atomizar as pessoas na busca pelo conforto que o consumo proporciona, pois o consumo reelabora o sentido social, ao sustentar, nutrir e constituir uma nova maneira de ser cidadão. Afinal a identidade é hoje definida com base naquilo que se possui, ou que se pode chegar a possuir, e ser cidadão significa ter seus

direitos assegurados conforme suas posses. Em troca do consumo é preciso aceitar as regras do jogo.

Complementando a discussão sobre a Relação Compensatória, NETO e FRÓES (1999, p.82) defendem a idéia de que o desempenho da empresa está diretamente relacionado à utilização dos “recursos naturais, renovados ou não de propriedade da humanidade; ao uso da capacidade de trabalho que pertence às pessoas de uma sociedade e ao apoio fornecido pelo Estado”. A apropriação e uso de recursos que originariamente não pertencem às empresas merece uma restituição, não apenas sob a forma produtos e serviços. Em troca da usurpação, fonte geradora de seus lucros, a empresa deve contribuir para solução dos problemas sociais.

Ao analisar a Relação Compensatória verificam-se claramente as duas contradições do capitalismo:

1. Tudo se transforma em mercadoria passível de troca, como, por exemplo, os recursos naturais, a força de trabalho, a relação com o Estado;

2. O poder social e político do capital sobre o trabalho é capaz de gerar riquezas e ao mesmo tempo de promover a exclusão social.

No que se refere à Relação Complementar, o paradoxo reside no fato de que a ética e a moral jamais deveriam estar ausentes seja qual fosse a racionalidade praticada. O correto seria a relação complementar não existir, pois a racionalidade econômica deveria ser sempre acompanhada de ética e moral. Cumprir as leis, respeitar a dignidade individual e preservar a natureza deveriam ser condições imprescindíveis para o funcionamento empresarial. O fato, como discutido anteriormente, é que os escândalos contábeis

trouxeram a necessidade de mecanismos, como os códigos de ética, capazes de restaurar a credibilidade das empresas perante seus investidores. Essa medida, na verdade, foi elevada do status de necessidade ao status de virtude, sendo a moral e a ética consideradas como qualidades e não como uma obrigações.

Quanto à Relação de Contraposição, podemos analisar que a racionalidade econômica, busca aumentar os índices de produtividade por meio da tecnologia, mas essa mesma tecnologia é responsável por causar o desemprego ao ocupar o lugar do homem. Somando a isso, existe a situação em que os investidores, quando percebem que o mercado financeiro está trazendo maior rentabilidade, decidem reduzir a atividade produtiva e empregadora. Nessas horas, a ética e a responsabilidade social desaparecem, e o que se produz é uma massa de excluídos, de desempregados. A maioria dos projetos sociais que as empresas brasileiras apóiam e que geram receita também são aqueles que geram subempregos. Tratam de cooperativas de reciclagem, de artesanato, entre outras, cuja cobertura de direitos trabalhistas é mínima.

Por meio dessa breve análise, verificamos o posicionamento da perspectiva funcionalista à luz do binário ÉTICA CORPORATIVA/COMPETITIVIDADE, pelo qual identificamos os atributos de cooperação, equilíbrio, adequação às necessidades do ambiente e manutenção da ordem vigente. Porém, pela análise crítica, foi possível verificar os discursos não revelados sobre esse assunto.

A Pesquisa de Clima da Eletrobrás – 2005, ao abordar os assuntos Ética, Responsabilidade Social e Imagem da Empresa tinha por meta fornecer um indicativo de

como a empresa, naquela ocasião, era percebida pelos empregados. As questões por assunto e os respectivos resultados foram os seguintes:

Figura 30 – Questões e resultado da Pesquisa de Clima da Eletrobrás sobre ética

As questões elaboradas para abordar o assunto Ética corresponderam aos tópicos constantes no Código de Ética da empresa, cuja aprovação ocorreu praticamente um mês antes (27/04/05) do envio dos questionários da Pesquisa de Clima (23/05/2005) aos empregados. As respostas demonstraram que, na prática, a realidade da empresa era muito diferente daquilo que estava definido no Código de Ética.

O resultado relativo ao assunto Responsabilidade Social foi alto, porque a Eletrobrás é forte patrocinadora de projetos culturais e sociais. Porém, no que diz respeito ao tratamento dispensado aos aposentados, a média foi baixa. O descontentamento, referia- se principalmente aos reajustes do benefício de Previdência Complementar. Anualmente, por ocasião da aprovação do Acordo Coletivo de Trabalho, a Eletrobrás costuma oferecer o índice da inflação e mais um nível (3%) para os empregados, enquanto que os aposentados recebem apenas a correção da inflação. Essa discriminação reflete que a política é de valorizar os recursos que dão retorno (empregados ativos) e desconsiderar os que são improdutivos (aposentados).

Figura 31 – Código de Ética da Eletrobrás

Figura 32 – Questões e resultado da Pesquisa de Clima da Eletrobrás sobre responsabilidade social

O resultado do assunto Imagem da Empresa foi baixo, pois os empregados entendem que o público externo desconhece o papel da Eletrobrás no Brasil, ainda que ela seja considerada pelos empregados como referência no Setor Elétrico (média alta).

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