• Nenhum resultado encontrado

O presente estudo teve como objetivo analisar as ferramentas de pesquisa de clima organizacional adotando a seguinte postura: visão desnaturalizada da administração, intenções desvinculadas de desempenho e busca da emancipação. Neste contexto, o objetivo geral deste estudo foi identificar elementos que indicassem a relação entre uma ferramenta de Pesquisa de Clima Organizacional e o controle social sobre os indivíduos em uma determinada organização.

Para tanto, estudou-se a Pesquisa de Clima Organizacional realizada em 2005 pela estatal Eletrobrás. Os assuntos da Pesquisa de Clima da Eletrobrás, agrupados em 09 categorias, foram analisados à luz dos binários: Bem-Estar/Produtividade (categorias 1, 2 e 3), Autonomia/Controle (categorias 4, 5 e 6), Ética Corporativa/Competitividade (categoria 7) e Participação/Alienação (categorias 8 e 9).

A adoção do método de desconstrução, por meio do desmantelamento dos binários, foi fundamental para o alcance do objetivo geral desse estudo, pois a contraposição de idéias revelou a relação entre a pesquisa de clima organizacional e o controle social.

Desta análise realizada, podemos concluir que:

1. Sob a perspectiva do binário Bem-Estar / Produtividade, conclui-se que a Eletrobrás, ao abordar os assuntos Salários, Benefícios, Treinamento, Saúde e Segurança no Trabalho na Pesquisa de Clima, desejava transmitir a idéia de uma empresa preocupada com o bem-estar dos seus empregados. Todavia, a ferramenta

revelou-se um mecanismo de controle social, tendo em vista que o objetivo não declarado era de conciliar os interesses antagônicos de empregados e patrões, mediante a elevação do nível de satisfação e do aperfeiçoamento do desempenho do trabalhador. Para obter esse fim, como revelou a análise crítica do binário Bem- Estar / Produtividade, foram implantados na empresa modelos de gestão da qualidade de vida no trabalho, que constituem uma forma de mediação de conflitos;

2. Sob a perspectiva do binário Autonomia / Controle, a análise das categorias 4, 5 e 6 revelou que a empresa ainda utilizava o controle burocrático, apesar dos discursos da participação e da flexibilização. Paralelamente, ela também adotava o controle psicossocial voltado para a convergência de valores comuns e que tem como alvo do controle a visão de mundo dos membros da organização. Coexistindo com esses dois tipos de controle, a liderança burocrata, tecnocrata, passaria a ter que motivar, mobilizar, comunicar, antecipar, criar e inovar, utilizando destacadamente aspectos simbólicos. Nesse contexto, a liderança em nome da empresa se torna a fornecedora de identidades tanto em nível social quanto individual. O que está em jogo nessa situação não é de fato a autonomia pregada no discurso gerencial, mas, na verdade, a questão da delegação/descentralização. Portanto, ainda que mude a forma de dirigir, o controle e a distribuição do poder permanecem inalterados;

3. Pela análise do binário Ética / Competitividade, concluímos que a Pesquisa de Clima ao abordar os assuntos Ética, Responsabilidade Social e Imagem da Empresa revelou ser uma ferramenta de controle social, posto que a perspectiva crítica revelou que: (a) o posicionamento social responsável das empresas tem a finalidade de fidelizar os clientes e reforçar, junto aos trabalhadores, o comprometimento e a

identificação com a organização e (b) a elaboração e divulgação de códigos de ética, tais como o aprovado pela direção da empresa pouco antes da realização da Pesquisa, é resultado de imposições legais. Nesse contexto, a adoção de procedimentos éticos deixa de ser um compromisso e torna-se uma necessidade do capital;

4. Sob o olhar do binário Participação / Alienação, vimos que a abordagem dos assuntos Comunicação, Cooperação, Reconhecimento e Valorização do Profissional na Pesquisa de Clima tinha o objetivo de transmitir e reforçar a imagem de uma empresa que adota uma gestão flexível, participativa e democrática. Porém, ao mesmo tempo que a empresa afirmava que o indivíduo devia colaborar/cooperar, intregrar-se à equipe e fazer parte do time, ela também incentivava que ele fosse combativo, agressivo e individualista uma vez que o sucesso do grupo depende de cada indivíduo, instala-se uma liberdade vigiada. Além disso, vimos também que a comunicação tem sido uma aliada dos líderes na promoção da alienação do trabalhador, tendo em vista que os discursos gerenciais de participação, excelência e flexibilidade contribuem para ocultar o fundamento da troca desigual entre capital e trabalho.

Para que fosse possível chegar a essas conclusões, evidenciando os elementos indicativos da relação entre pesquisa de clima organizacional e controle social (objetivo geral) foi necessário primeiramente efetuar a análise do conceito de clima organizacional - o contexto em que foi desenvolvido tal conceito e as teorias que lhe dão sustentação. Esse objetivo específico foi atingido no desenvolvimento do referencial teórico.

À luz da fundamentação teórica que embasou esta pesquisa, o clima organizacional é um conceito utilizado pela área de gestão de pessoas, produto da teoria funcionalista e voltado para o exercício do controle social, que trabalha a favor de uma classe dominante em nome da produtividade e para a manutenção do status quo.

Esse conceito é operacionalizado através das ferramentas de pesquisa de clima e por este estudo foi possível concluir que elas contribuem para:

(a) A alienação do indivíduo. Ao tratar os fenômenos de forma isolada, satisfazendo pontualmente algumas demandas, a pesquisa de clima transmite a sensação de que os empregados foram atendidos diante da apresentação de suas necessidades. Tal fato torna-se um mecanismo de alienação, pois através de recompensas e mantendo- os distantes da compreensão do funcionamento do sistema como um todo, cala-se a voz dos empregados, garantindo que os mesmos permaneçam agentes passivos, sujeitos a comandos e ordens, privados dos meios de decisão;

(b) A antecipação dos conflitos. A ideologia das relações humanas vê o conflito como objeto de uma função terapêutica, portanto utiliza-se a noção de clima organizacional como estratégia de controle social. Nesses termos, o objetivo da pesquisa de clima organizacional consiste na identificação dos diversos tipos de conflito organizacional com vistas a antecipá-los e canalizá-los para a eficiência do sistema;

(c) A amenização/disfarce dos conflitos. A pesquisa de clima nada mais é do que uma sondagem de opinião que neutraliza os conflitos ao apresentá-los sob a lente científica da estatística. Como afirma BORDIEU:

“A sondagem de opinião é um instrumento de ação política; sua função mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública como soma puramente aditiva de opiniões individuais (...) Esta opinião pública é um artefato puro e simples cuja função é dissimular que o estado de opinião num dado momento é um sistema de forças, de tensões e que nada é mais inadequado para representar o estado de opinião que uma percentagem.”(BOURDIEU, apud PAGÈS ET ALL, 1987, p. 118)

(d) Transmissão da idéia de melhoria das relações capital-trabalho. Pelo discurso dominante, a pesquisa de clima tem por objetivo confirmar e reforçar a imagem de uma empresa preocupada em satisfazer seus empregados.

Com relação a este último item, a análise exaustiva dos dados conduziu a uma outra interpretação sobre o que a ferramenta de pesquisa de clima representa e possibilitou responder a seguinte pergunta do presente estudo:

Qual a relação entre as ferramentas de Pesquisa de Clima e o controle social sobre os indivíduos nas organizações ?

O desmantelamento dos binários revelou que a pesquisa de clima é utilizada para o exercício do controle social sobre os empregados e funciona como técnica de poder porque a análise dos resultados promovida pelos gestores isola os dados uns dos outros e conduz a interpretações em termos de necessidades pontuais, como, por exemplo, a oferta de mais oportunidades de treinamento por funcionário. Dessa maneira, sob o pretexto de cientificidade, por meio de técnicas quantitativas, a pesquisa de clima impede uma análise

baseada no estabelecimento de ligações entre os fenômenos, não permitindo que sejam evidenciados os elementos relacionados à lógica do sistema (instrumentalização das relações de trabalho, competição, produtividade). Os resultados, ao traduzirem o ser humano em termos matemáticos, ocultam o que a realidade social e afetiva pode ter de contraditório e irracional.

Segundo PAGÈS ET AL (op.cit., p.118), a objetivação despersonaliza o homem e a identidade do indivíduo passa a ser o número de competências que ele possui e sua capacidade de aplicação, de se adaptar às normas e aos objetivos estabelecidos. Em tais circunstâncias, o ser humano é constantemente medido em relação a uma norma cujos fundamentos lhes escapam. O indivíduo se torna objeto de informações múltiplas e não mais sujeito das relações de comunicação.

Tanto comunicação quanto diálogo, a propósito, remetem à questão da fala. O slogan da campanha de sensibilização da pesquisa de clima da Eletrobrás – “Se você não disser o que pensa a gente vai ter que adivinhar” - transmite a idéia que haverá um diálogo. Porém, na prática, esse diálogo foi direcionado por meio do questionário, elaborado por uma consultoria contratada. Dessa forma, deixou de haver um diálogo para existir uma comunicação orientada. Abaixo do slogan citado, no material de divulgação da Pesquisa, havia o seguinte apelo:

“Participe da pesquisa sobre o clima organizacional da Eletrobrás. Com ela vai ser possível entender melhor o que está dando certo e o que falta para melhorar no dia-a-dia da empresa. E o maior beneficiado com isso é você, empregado, que vai ter a oportunidade de trabalhar ainda mais motivado e satisfeito. Não precisa nem dar o seu nome. O importante mesmo é a sua opinião.”

Esse tipo de apelo serve para confundir, já que aparentemente sugere um avanço, uma humanização nas relações entre empresa e empregados. Mas a idéia subjacente ao processo em questão é de que um clima organizacional favorável contribuirá para melhorar os resultados da empresa.

A análise crítica nos mostrou que, apesar do discurso de aproximação entre empresa e trabalhador, a Pesquisa de Clima Organizacional da Eletrobrás é um instrumento para o fortalecimento do poder e da dominação sobre os empregados.

Considerando que a teoria crítica também tem por objetivo indicar as bases de transformação e de emancipação do ser humano podemos apontar algumas ações neste sentido: respeitar a autonomia e a criatividade individuais na tomada de decisões coletivas sobre o quê, como e para quem produzir; promover a fusão entre o saber técnico e os valores ético-existenciais; vivenciar valores alternativos à lógica da economia de mercado, adotar a prática da gestão direta, desmistificar o saber relacionado a gestão, através da crítica de seus pressupostos, formar uma consciência crítica sobre a realidade sócio- econômica e desenvolver relacionamentos baseados no diálogo entre iguais.

É importante destacar que o presente estudo não teve como pretensão esgotar a discussão sobre a relação entre a pesquisa de clima organizacional e a questão do controle social nas organizações. No nosso entendimento, essa ferramenta é apenas um mecanismo entre tantos outros utilizados pelas organizações para objetivação dos indivíduos. Por isso, sugere-se que novos estudos, adotando outros binários e até mesmo outras ferramentas de gestão, sejam realizados para aprimorar a análise a respeito do controle social dos indivíduos nas organizações. Para aprofundar o tema, poderia ser realizado um estudo que investigasse, por meio de entrevistas e questionários, a percepção dos indivíduos a respeito de uma determinada ferramenta de gestão como instrumento de mediação entre a organização e seus empregados.

REFERÊNCIAS

ASTLEY, G. W; VAN DE VEN, A. H. Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 45, nº. 2, pp. 52-73, 2005.

BARROS, J. F. M.; PASSOS, S. E. Remando a favor da maré: racionalidade instrumental no curso de administração de empresas. Organização e Sociedade, v.7, nº. 19, pp. 161- 174, 2000.

BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1999.

BRESSER PEREIRA, L. C. Tecnocracia e Contestação. Petrópolis: Editora Vozes Ltda., 1972.

BURREL, G.; MORGAN, G. Paradigms and Organizational Analysis. London: Heinemann Educational Books, 1979.

COOPER, R.; BURREL, G. Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução. RAE-Clássicos, v. 46, nº. 1, jan./mar. 2006.

DAVEL, E.; ALCADIPANI R. Estudos críticos em administração: a produção científica brasileira nos 1990. Revista de Administração de Empresas, v. 43, nº. 4, pp. 72-85, 2003.

FARIA, J. H. Economia Política do Poder. Fundamentos. v.1. Curitiba: Editora Juruá, 2005a.

______________________ Economia Política do Poder. As práticas do controle nas organizações. v 3. Curitiba: Editora Juruá, 2005b.

FOURNIER, V; GREY, C. Na hora da crítica: condições e perspectivas para estudos críticos de gestão. Revista de Administração de Empresas, v. 46, nº. 1, pp. 71-85, 2006.

FRAGA, V.F. Gestão pela formação humana: uma aborgagem fenomenológica. Rio de Janeiro: IMPETUS, 2003.

FREITAS, M. E. Contexto Social e Imaginário Organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas. v. 40, nº. 2, pp. 6-15, Abr./Jun. 2000. São Paulo.

LEITÃO, S. P.; LAMEIRA, V. J. Humanismo e mudança organizacional. Rio de Janeiro: Revista de Administração Pública. v. 39, nº. 3, mai./jun., 2005.

LENGLER, J.F.B; VIEIRA, M.M.F; FACHIN, R.C. Um exercício de desconstrução do conceito de da prática de segmentação de mercado inspirado em Wood Allen. Revista de Administração de Empresas, v. 42, nº. 4, out./dez. 2002.

LIMONGI-FRANÇA, A.C.; ARELLANO, E.B. Qualidade de vida no trabalho. In: FLEURY, M.T.L (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Editora Gente, 2002.

MAXIMIANO, A.C.A. Teoria Geral da Administração. Da revolução urbana à revolução digital. Atlas. São Paulo. 2002.

MELO, M. C. de O. L. Processos de participação como meios não-institucionlizados de regulação de conflitos. Revista de Administração de Empresas, out/dez., 1984. pp. 11- 18.

MISOCZKY, M. C. & AMANTINO-DE-ANDRADE. J. Uma crítica à crítica domesticada nos estudos organizacionais. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, nº.1, jan/mar., 2005.

MISOCZKY, M. C. Análise crítica do discurso: uma apresentação. Revista Eletrônica de Gestão Organizacional. v.3, nº. 2, mai./ago., 2005.

MOTTA, F. C. P. Controle Social nas Organizações. Revista de Administração de Empresas, set./out. 1993, São Paulo, pp. 68-87.

MOTTA, F. C. P. Teoria das Organizações. Evolução e Crítica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. G. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2 ª Ed., 2002.

NETO, F. P. M., FROES, C. Responsabilidade Social & Cidadania empresarial – A administração do Terceiro Setor. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1ª Ed., 1999.

________________________. Gestão da Responsabilidade Social Corporativa: o caso brasileiro. Da filantropia à filantropia de alto rendimento e ao empreendedorismo social. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.

OLIVEIRA, M. A. (Coord). Pesquisas de clima interno nas empresas: o caso dos desconfiômetros avariados. Nobel. São Paulo. 1995.

PAGÉS, M.; BONETTI, M.; GAULEJAC, V.; DESCENDRE, D. O Poder das organizações. São Paulo: Editora Atlas, 1987.

PEREIRA, Fº, J, L; WOOD, Jr. T. Remuneração Estratégica: a nova vantagem competitiva. RAE Light, v. 2, n.4, 1995, pp. 21-25.

PEREIRA, L.C.B. Tecnocracia e Contestação. Petrópolis: Editora Vozes Ltda., 1972.

RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações. Uma reconceituação da riqueza das nações. Editora Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro. 1981.

RODRIGUES, J. M. Remuneração e competências: retórica ou realidade ? RAE, v. 46. Edição especial, 2006, pp. 23-34.

SANTOS, B.S. A Crítica da Razão Indolente. Contra o desperdício da experiência. Cortez Editora. São Paulo. 2001.

SILVA, R.C. e ALCADIPANI, R. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. A consolidação da Disciplina através da participação na Siderurgia Riograndense. Anais do XXV Enanpad, Campinas, 2001 – Área Temática: Organizações/Teoria das Organizações.

SILVA, R. C. Controle organizacional, cultura e liderança: evolução, transformações e perspectivas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, jul./ago. 2003. pp. 797- 816.

SOARES, G.M.P. Responsabilidade Social Corporativa: por uma boa causa ? RAE- Eletrônica, v. 3, nº.2, artigo 23, jul./dez. 2004.

SOLE, A.; PHAM. D. Esta imagem da qual somos tão prisioneiros. Revista Eletrônica de Gestão Organizacional. v. 1, nº. 1, jan./jun., 2003. Tradução de Rosimeri Carvalho da Silva – CAD-CPGA-UFSC.

TENÓRIO, F.G. Tem Razão a administração ? Ensaios de Teoria Organizacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.

TRAGTEMBERG, M. Administração, poder e ideologia. Editora UNESP, 3ª Ed. São Paulo: 2005.

VIEIRA, M.M.F.; CALDAS, M.P. Teoria Crítica e Pós-Modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista. Rio de Janeiro: Revista de Administração Pública. v.46, nº.1, jan./mar., 2006.

VIEIRA, M.M.F. & ZOUAIN, D.M. (Orgs.). Pesquisa Qualitativa em Administração. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

ANEXO Nº. 01

QUESTIONÁRIO DA PESQUISA DE

CLIMA DA ELETROBRÁS

Documentos relacionados