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Os métodos mais modernos de Biogeografia Histórica se baseiam, tanto quanto possível, em ferramentas de análise filogenética, buscando deste modo reconstruir as relações entre as áreas, alçando uma abordagem histórica dos táxons, de modo a ajustar a diversidade biótica à matriz de dados. A história dos táxons, por outro lado, poderia ser reconstruída com base em propostas previamente estabelecidas sobre a evolução das áreas onde tais organismos são encontrados (SANTUCCI, 2005).

No entanto, durante muito tempo, a biogeografia de Crocodylomorpha foi feita com base apenas em metodologias descritivas, com quase nenhuma base cladística ou filogenética (SILL, 1968; COX, 1974; BUFFETAUT & TAQUET, 1979; COLBERT, 1984; BUFFETAUT & RAGE, 1993; UPCHURCH, 1995; GASPARINI, 1996; SERENO et al. 1996, 2004; ORTEGA et al., 2000; SERENO et al., 2001; SALISBURY et al., 2006; PINHEIRO et al., 2012). Usualmente realizava-se uma descrição do cenário forçada em uma hipótese filogenética, ou leitura literal da distribuição dos fósseis, por conseguinte gerando cenários difíceis para avaliar sua consistência (TURNER, 2004).

Crocodylomorpha é um grupo com uma distribuição controversa ao longo do registro geológico. Alguns grupos de Mesoeucrodylia, como Notosuchidae, Sebecosuchia e Baurusuchidae, já foram considerados endêmicos da América do Sul (LANGSTON, 1956; BONAPARTE, 1996; ROMER, 1997), atualmente contando com evidências fósseis que podem contestar esta afirmação, como Pabwehshi e Chimaerasuchus na Ásia, e Iberosuchus e

Bergisuchus na Europa (ANTUNES, 1975; WU et al., 1995; ROSSMAN et al., 2000;

WILSON et al., 2001).

Langston (1956) afirmava, com base em comparações entre dentes de Sebecus e

Pristichampsus, que Sebecosuchia, como conhecido na época, era cosmopolita e portanto

deveria ter evoluído durante o Jurássico na Ásia, e atingido a América do Sul através da América do Norte, antes do final do Mesozóico, e a partir dali teriam se espalhado para África e Europa, originando as formas eocênicas. Atualmente, no entanto, sabe-se que Pristichampsa é um Eusuchia (BROCHU, 2012) e tal raciocínio terminaria por tornar Eusuchia polifilético. Sill (1968) corrobora em parte as afirmações de Langston (1956), porém afirma que Sebecosuchia, composto por Baurusuchidae, é endêmico da América do Sul. Steel (1973) situa o centro de origem e radiação dos sebecossuquianos no Hemisfério Norte, e posterior irradiação para o Hemisfério Sul por menor pressão competitiva da fauna local.

Buffetaut (1985) propôs três hipóteses para explicar a distribuição de Trematochampsa

taqueti e Itasuchus jesuinoi, dois Crocodyliformes com possíveis afinidades, e que ocorrem

respectivamente em África e América do Sul. Posteriormente à descoberta de mais táxons a eles relacionados (Miadanasuchus oblita, Amargasuchus minor) adotaram algumas interpretações. A primeira dizia respeito a uma ponte entre os dois continentes. A segunda à possibilidade do recém aberto Atlântico não ser uma barreira instransponível para animais com hábito semiaquático. A terceira, que ambos evoluíram a partir de um ancestral comum, que alcançou África e América do Sul antes da separação. No entanto Bonaparte (1996) afirma que Laurásia e Gondwana estariam completamente separados ao final do Jurássico, o que teria ocasionado uma fauna endêmica gondwânica, incluindo os principais agrupamentos de Crocodyliformes: Notosuchia, Baurusuchidae, Peirosauridae e Trematochampsidae.

No entanto, a ocorrência de Araripesuchus gomesii na Bacia do Araripe, e Araripesuchus

wegeneri e Araripesuchus tasangatsangana na Formação Elrhaz do Niger, também de idade

Aptiana, juntamente com formas relacionadas aos notossuquianos da América do Sul, como

Anatosuchus minor Sereno et al., 2003, Libycosuchus brevirostris Stromer, 1914, e Stolokrosuchus lapparenti Larsson & Gado, 2000, e a ocorrência das espécies de Sarcosuchus

na Formação Elrhaz e na Bacia do Reconcavo mostram que ocorria uma ligação entre África e América do Sul no Aptiano (BUFFETAUT, 1981; BUFFETAUT & TAQUET, 1977, 1979; SERENO et al., 2001). Ortega et al. (2000) descartam a possibilidade desta conexão ter ocorrido além do Albiano, afirmando que a distribuição de Araripesuchus e consequentemente outros táxons, como Simosuchus clarki Buckley et al., 2000, tenham ocorrido por vicariância.

Wilson et al. (2001) apresentam duas hipóteses mutuamente excludentes para a presença de um táxon relacionado à Baurusuchidae, Pabwehshi pakistanensis Wilson et al., 2001, na Formação Pab, do Paquistão. Ambas podem ser extrapoladas para Notosuchia em geral, pois ambos os grupos parecem ter ser originado na América do Sul. A primeira sugere que os baurussúquidos se dispersaram através da barreira oceânica, tendo evoluído separadamente em dois pontos do Gondwana após a separação do continente. A segunda aponta para dispersão através de massas de um corredor continental, com a ausência de fósseis sendo atribuída a extinções regionais e condições desfavoráveis à fossilização.

A dispersão através de uma barreira oceânica é uma hipótese pouco provável, levando-se em conta o mais antigo registro cronológico do grupo (meso-Cretáceo). Ainda haveria uma conexão, possivelmente através da Antártica, possibilitando uma migração indo/paquistanesa. Para Smith et al. (1994) esta ponte tendo existido até o Hauteriviano, enquanto que para Hay

et al. (1999) teria durado até o Campaniano. No entanto Turner (2004) aponta um segundo

modelo, sugerindo a hipótese da dispersão consistente de massa, onde táxons inicialmente isolados geograficamente entram em contato um com o outro para ocupar uma nova área (UPCHURCH & HUNN, 2002), mas admite que a proposta mais parcimoniosa para a dispersão de Crocodyliformes é a vicariância.

Os eventos de vicariância são encaixados dentro de duas propostas de separação continental. A primeira delas, chamada de “pan-gondwânica” (SERENO et al., 1996) afirma que as ligações América do Sul/África, América do Sul/Antártica, Antártica/Índia- Madagascar, existiram até o meso-Campaniano (80 ma). Essa hipótese é sustentada principalmente pela similaridade faunística entre fósseis de terópodos (abelissauros) e mesoeucrocodilos.

A segunda hipótese, chamada de “África-Primeiro” (KRAUSE et al., 2006), leva em consideração as reconstruções paleobiogeográficas de Hay et al. (1999), e a similaridade entre mesoeucrocodilos, dinossauros não-avianos e mamíferos gondwanatérios. Esta hipótese afirma que a primeira conexão a ser rompida foi a ligação de América do Sul e África, durante o Aptiano (aproximadamente 100 ma). Enquanto o contato América do Sul e Antártica se manteve até o Eoceno, a conexão Antártica/Índia-Madagascar se rompe no Campaniano (80 ma) (HAY et al., 1999; PINHEIRO et al., 2012).

Ali & Krause (2011) afirmam que não haveria como ocorrer uma troca faunística durante o Cretáceo, seja por África ou Antártica, que alcançasse a placa Índia-Madagascar, pois se encontravam isoladas de América do Sul e África pelo Oceano Atlântico e o canal de Moçambique. Os autores propõem que dispersão e irradiação se deram através de estoques basais que ficaram isolados nestas regiões.

A barreira marinha que separou América do Sul e África resultou em uma restrição para a dispersão de notossúquios terrestres, oferecendo a oportunidade para o surgimento de Crocodyliformes mais especializados, como “sebecossuquianos” e peirossáuridos. Estas linhagens passaram por um intercâmbio faunístico entre o sul da Argentina e Grupo Bauru, possibilitado pelas conexões do sistema de drenagem de ambos os sistemas, que causou a ocorrência de Peirosaurus torminni como uma espécie comum (CARVALHO et al., 2004).

As faunas de crocodilomorfos de Grupo Bauru e Bacia do Neuquén compartilham táxons relativamente próximos, como Notosuchus terrestris com Mariliasuchus amarali,

Cynodontosuchus rothi próximo de Baurusuchus pachecoi e especialmente os Peirosauridae,

a ponto de permitirem interpretações de sinonímia entre eles (GASPARINI et al., 1991; MARTINELLI et al., 2012).

Para Carvalho et al. (2010), o clima teve um papel importante na distribuição destes grupos em Patagônia e Grupo Bauru, uma vez que os paleoambientes apresentavam condições climáticas iguais, ambientes áridos e secos, com ocasionais períodos de chuvas. Na interpretação dos autores um clima progressivamente mais árido levou às adaptações que culminaram em uma substituição faunística dos pequenos onívoros Notosuchia (Notosuchus,

Mariliasuchus, Sphagesaurus e Caipirasuchus), pelos grupos de grande porte, os carnívoros

especialistas Baurusuchidae e Peirosauridae, provavelmente em resposta a um clima cada vez mais quente e seco. É improvável, porém que Baurusuchidae e Peirosauridae tenham convivido, visto que os táxons que compõem os primeiros são encontrados em depósitos da Formação Adamantina, enquanto que os segundos são encontrados em depósitos da Formação Marilia. Os eventos que afetaram essas linhagens podem ser testados com a Parcimônia de Brooks.

4 CONTEXTO GEOLÓGICO

Crocodyliformes, atualmente, se concentram em áreas tropicais e equatoriais, que oferecem condições especificas para suas fisiológia adaptada a vida anfíbia. No entanto a história do grupo é muito mais complexa, com fósseis tanto de grupos mais próximos de Eusuchia, quanto de linhagens completamente extintas, sendo encontrados praticamente em todos os continentes.

Abaixo são apresentadas algumas das localidades geológicas onde ocorrem os fósseis de Metasuchia no Grupo Bauru, e unidades que contém táxons afins dos mesmos ou com importância filogenética que foram utilizados na análise filogenética e de parcimônia de Brooks. A lista de localidades se faz necessária, devido à análise de Parcimônia de Brooks a ser empregada, utilizando a árvore de consenso estrito (ver seção 5 Materiais e Métodos para discussão mais aprofundada).

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