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Biologia da Cognição – Autopoiesis da complexidade

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA PESQUISA

3.2 Biologia da Cognição – Autopoiesis da complexidade

Na busca por uma base teórica de práticas pedagógicas educomunicativas, surgem os estudos do biólogo chileno Humberto Maturana sobre as relações biológicas do aprendizado (conhecimento) em que o aprendente se autoconstrói e sendo, portanto, autor de seu conhecimento pelas mobilizações internas. Essa é a Biologia da Cognição.

A base teórica da Biologia da Cognição é de Humberto Maturana. Pellanda (2009) diz que Maturana se inseriu num movimento científico que mudou a cara da ciência do século XX: o movimento cibernético. Esse movimento, por sua vez, vai dar origem a outro mais amplo, que é o chamado Movimento de Auto-Organização (MAO). Essa denominação deve-se ao epistemólogo francês Jean-Pierre Dupuy, que encontrou similitudes lógico-formais entre áreas diferentes das ciências complexas, principalmente no que se refere ao princípio da auto-organização (DUPUY, 1996). Assim Dupuy agrupou a Físico-química de Ilya Prigogine (2004), a Cibernética, a Nova Biologia, a Etologia, a Antropologia e outros num conjunto coeso usando para isso o princípio do holismo epistemológico (OLIVEIRA, 2004).

No centro da Teoria da Biologia da Cognição está o conceito de Autopoiesis que, também é complexo na medida em que expressa que os seres vivos são sistemas fechados à informação e, ao mesmo tempo, sistemas abertos a trocas de energia (PELLANDA; BOETTCHER, 2013). Pellanda firma ainda que:

Fechados à informação significa que são auto-produtores de si mesmos o que torna a representação impossível. O que vem de fora apenas perturba e dispara mobilizações internas, mas não determina o que acontece com os seres vivos. Por outro lado, os seres vivos são sistemas abertos às trocas externas o que os mantém em reorganização constante e reversão de entropia. Isso corresponde ao que Ilya Prigogine chamou de Estruturas Dissipativas (PELLANDA; BOETTCHER, 2013, p. 158).

O conceito de Autopoiesis é um elemento organizador e, muitas vezes chega a ser confundido com a própria teoria. Alguns estudiosos referem-se a teoria da Biologia do Conhecer, ou, ainda, Biologia da Cognição, como teoria da Autopoieses. Maturana cunhou o termo juntamente com Varela e alguns amigos cientistas. A palavra procede de dois vocábulos gregos: auto – por si e poiesis – produção (MATURANA, 1999).

Para Maturana (1999), a noção de Autopoiesis implica, portanto, a construção do mundo de forma autônoma, ou seja, não existe um mundo objetivo independente da ação do sujeito que vive e conhece ao mesmo tempo. O mundo emerge junto com

a ação/cognição do sujeito. E cognição nessa teoria tem um sentido biológico, pois considera a vida como um processo cognitivo. O sujeito vive e sobrevive porque produz conhecimento que é instrumento através do qual se acopla com a realidade (PELLANDA, 2009).

Para Maturana (2004), a capacidade de ver dos seres vivos é um fenômeno subjetivo porque está relacionado não a um muito objetivo lá fora, mas a estrutura neurofisiológica do sujeito que conhece. Pellanda (2009) afirma que o giro epistemológico trazido por Maturana na Biologia do Conhecer, operando com a ideia dos sistemas fechados, nos obriga a nos repensar em termos de cognição e relação com o mundo, em forma de desempenho concreto e inventivo, e não de representação.

É por tudo isso que Maturana não pergunta mais: o que é cognição? Mas indaga: “Em que condições acontecem a cognição?” (MATURANA, 1999). Assim, diz que a pergunta a ser feita não é mais, o que é isso? Mas, o que faço para conhecer tal coisa?

Muda-se, portanto, o foco da epistemologia clássica, “como é possível conhecer algo?” – para “como se dá efetivamente esse processo de conhecer no agir dos seres humanos na sua vida cotidiana?” (PELLANDA, 2009).

Para Prigogine (2004), a vida somente é possível em situações longe do equilíbrio. A partir do princípio da “ordem pelo ruído” Atlan construiu sua teoria da “aprendizagem pelo ruído” (ATLAN, 1992). Baseado nesse princípio desenvolveu uma teoria da aprendizagem que se chamou “complexificação pelo ruído”, mostrando o papel da produção da diferença e da singularidade. Mas, vamos nos deter em Maturana. A teoria da biologia da cognição de Maturana e Valera tem profundas implicações para a Educação, pois, para eles, o viver não se separa do conhecer, o que nos obriga a refletir profundamente os métodos pedagógicos tradicionais em termos de ver neles processos mecânicos-formais, estranho ao viver e muitas vezes, indesejáveis para a ontogenia dos sujeitos cognitivos (PELLANDA, 2009).

Conhecer para Maturana é um processo inerente ao viver, pois a vida é para ele, como também para Varela, um processo cognitivo. Com isso, cita lógica básica da complexidade: “Viver é conhecer. Conhecer é viver” (MATURANA, 2004). Para estes autores, vive-se no fluxo e é nele onde aprende-se de forma acoplada com a realidade e, ao mesmo tempo, construindo-se conhecimento de forma autopoiética.

... ao nascer não estamos prontos, mas precisamos ao longo de nosso acoplamento com a realidade, a cada momento de nossa vida, ir construindo nosso conhecimento. Em outras palavras, precisamos ir nos reinventando e vivendo a nossa própria custa, pois também não vem de fora de nós o que precisamos para viver. Nesse sentido, lembro mais uma vez, conhecer não diz respeito somente ao intelecto, mas a todas as dimensões de nossa vida, ao nos constituirmos como subjetividade singular. Somos autores de nossa própria vida ao produzir diferença no processo evolutivo. (MATURANA, 2004, p.35)

Por isso, afirma Pellanda (2009), que Freire gosta tanto de gerúndios: os seres vivos sendo e acontecendo, e não já feitos. Por isso não existe conhecimento sem experiência pessoal. Assim, é preciso pensar em estratégias pedagógicas como dispositivos de desencadeamentos de situações internas aos sujeitos estudantes, proporcionado, então, ambientes de auto-experimentação (MATURANA; VARELA, 1995).

Os sistemas vivos são sistemas fechados para informação devido à própria anatomia do cérebro como caixa fechada. A relação com o exterior se dá através dos sensores (sentidos) e dos efetores (músculos e glândulas). A partir daí, o que vem do exterior não determina o que acontece com o sujeito que conhece, mas provocam perturbações, que por sua vez, disparam mecanismos neurofisiológicos internos que transformam o referido sujeito, complexificando a sua vida (PELLANDA, 2009, p. 43).

Essa complexificação, Maturana e Varela (1995) chamam de acoplamento estrutural.Pellanda (2009) afirma que, ao fazer essas considerações, estamos tratando agora das implicações patogenizantes da educação. Se pensarmos em nossa cultura atual em termos de uma questão tipo – “que acoplamento estrutural está se configurando hoje?” - podemos refletir sobre as consequências de práticas alienantes que não oportunizam aos sujeitos refletir sobre suas próprias ações, referenciar-se em projetos de vida próprios e outras atitudes inibidoras de desenvolvimento pessoal, atingindo as capacidades perceptivas dos seres humanos.

Oliveira (1999, p. 142-143) complementa:

Algumas pessoas forçam seu organismo, tentam impor-lhe diretrizes de organização não orgânica (como por exemplo: é importante para mim tirar boas notas), tentam tornar-se sistemas abertos e assimilar informação exterior, tornam-se verdadeiros depósitos, como diz Paulo Freire, e nós acrescentaríamos... de lixo. E isso significa que a dita informação não seja de alto nível cultural, mas do ponto de vista do funcionamento interno do sujeito é puro lixo que apenas serve para intoxicar ou poluir. O resultado são pessoas cheias de informação na cabeça, mas com grande dificuldade em compreender, em refletir, e surgem frequentemente distúrbios orgânicos aos níveis afetivo, emotivo, e de inter-relação social.

Com esses argumentos, nos autorizamos a pensar a Biologia do Conhecer, usando seus pressupostos teóricos para propor novas práticas pedagógicas, sempre respeitando a arquitetura epistemológica de investigação desses autores.

Pellanda (2009) acredita que para pensar o processo ensino-aprendizagem à luz da Biologia do Conhecer, é necessário levarmos em consideração as características do organismo humano das percepções, cujos processos é o organismo que decide qual a configuração do meio que vai disparar internamente e não o contrário. Ou seja, os órgãos sensores captam alguma coisa do mundo externo que o sistema nervoso vai interpretar à sua maneira, e não à maneira do meio perturbador (ATLAN, 1992). Nesse sentido, não pretendemos, como educadores, sermos transmissores do conhecimento e imaginar que os nossos alunos entendam tudo que é dito exatamente como estamos dizendo. Há todo um processo de mobilização interna disparado pelo que dizemos que depende da percepção de cada um, o que, por sua vez, depende do historial de acoplamento estrutural de cada ser humano (OLIVEIRA, 1999). Cada ouvinte ou leitor vai interpretar o ruído (perturbações) a partir de seu momento de complexificação (desenvolvimento). Por isso Atlan (1992) e Oliveira (1999), preferem, diferentemente de Jean Piaget e outros estudiosos, o termo complexificação em vez de desenvolvimento.

A autopoiesis de Maturana avança para uma linha pedagógica construtivista, embora este não se identifique com tal, ainda que podemos inferir de sua teoria uma necessidade de um “construtivismo-radical” no sentido em que tudo é construído pelo sujeito onto-epistêmico (PELLANDA, 2009).

Nesse sentido, Oliveira (1999, p. 258), destaca:

O construtivismo piagetiano como distinto das abordagens do Movimento Auto-Organização (MAO), sendo as concepções de Piaget sobre desenvolvimento, onde se todo o processo decorrer sem obstáculos intransponíveis, o indivíduo atinge um desenvolvimento bio-psicológico máximo por volta dos 16-18 anos, que coincidiria com a entrada no mundo adulto. É essa posição teórica que invalida definitivamente a consideração de Piaget como sendo um autor precursor do, ou ligado ao MAO.

E esclarece ainda que,

o construtivismo alicerça-se na existência de estruturas, o holismo epistemológico raramente as admite. No holismo: o todo é maior que a soma das partes; existe uma interação simultânea sujeito-nicho, o que coloca o holismo epistemológico fora da dicotomia sujeito-objeto; o construtivismo aceita essa dicotomia, articulando-a dialeticamente e por etapas. (OLIVEIRA, 1999, p. 348)

Nesse sentido o Movimento de Auto-Organização (MAO) se afasta do construtivismo, segundo a abordagem descrita. Maturana, nesse sentido se identifica como um “super-realista”, que parte da existência de inúmeros domínios da realidade, todos e um igualmente válido (PELLANDA, 2009). Para Maturana esses domínios da realidade são inseparáveis, daí o caráter de complexidade. Desse princípio Pellanda (2009) cunhou o termo ontoepistemogênese, para designar esses processos de construção dos seres humanos onde o viver e o conhecer emergem de forma profundamente integrada.

A teoria de Maturana, como afirma Pellanda (2013), também podem ser pensadas para o mundo digital, onde:

Os sujeitos trabalham com autonarrativas nos blogs e em atividades hipertextuais. Encontrando atitudes autpoiéticas que vai construindo conhecimento/subjetividade de forma inseparável no ambiente digital. Essas atividades não lineares vão oportunizando aos jovens estabelecerem os mais diversos níveis de relação, abrindo caminhos sempre novos num ambiente rizomático, como é a internet, ao mesmo tempo em que eles vão se transformando subjetivamente (PELLANDA, 2013, p. 76).

Maturana (1999) afirma então, que estes espaços validam a dignidade dos estudantes ao não exigir pré-requisitos e aceitar qualquer ponto de sua história como ponto de partida legítimo para qualquer estudo.

3.3 A Escola e o Ensino: Breve Panorama e Perspectivas para o Ensino de

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