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1 AS CONCEPÇÕES DE DIREITO E A INFLUÊNCIA DO

1.5 Bobbio e os três aspectos do positivismo jurídico (como

IDEOLOGIA)

Autor de vários escritos sobre o tema, Norberto Bobbio é considerado um dos pioneiros no enfrentamento do positivismo jurídico intencionando a identificação de seus fundamentos. Fez isso em um trabalho publicado em 1961 sob a forma de artigo depois incorporado (em 1965) ao livro ―El problema del positivismo jurídico‖ (BOBBIO, 1992). Nele, Bobbio afirma que o ―positivismo jurídico‖, apesar de ter sido apresentado historicamente como uma única doutrina, tem-se expressado ao largo de sua história sob três formas básicas, sem que entre elas haja uma necessária conexão conceitual, de modo que ser

positivista em uma dessas concepções não implica necessariamente sê-lo em outra.

São os chamados ―três aspectos do positivismo jurídico‖. Contudo, antes de tratar deles, essencial é recordar os sete problemas por ele apresentados, por meio dos quais é possível identificar as principais características do positivismo jurídico. O primeiro deles, relacionado ao modo de abordar e de encarar o direito, responde a esta questão tratando o direito como fato, e não como um valor. Dessa forma, o jurista deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juízos de valor. O segundo trata da definição do direito, pois, para o positivismo jurídico, o direito é definido em função da coação, de onde nasce a teoria da coatividade do direito. Esse problema está ligado ao anterior, já que tratar o direito como fato leva a considerar como direito o que vige numa determinada sociedade, a saber, aquelas normas que são feitas valer por meio da força. O terceiro se volta para as fontes do direito, sabendo-se que, no positivismo jurídico, a lei é a fonte privilegiada, não havendo dispensa das demais fontes – costumes, direito judiciário ou direito consuetudinário. O quarto se prende à teoria da norma jurídica, sendo aqui a norma um comando que responde à chamada teoria imperativista do direito. O quinto problema, através do qual se pode extrair uma das suas características, diz respeito à teoria do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade, o que leva à teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico. O sexto tem como objetivo o método da ciência jurídica, ou seja, a questão da interpretação jurídica e a forma mecanicista de realizá-la apregoada pelo positivismo. Por fim, o sétimo problema, tem seu foco na teoria da obediência e sua compreensão de que ―lei é lei‖, a qual leva ao chamado ―positivismo ético‖, posto que se trata mais de uma ordem não científica, e sim moral ou ideológica (BOBBIO, 1994, p. 131).

Dessas características, como já dito, é possível extrair que o positivismo pode ser considerado sob três aspectos diferentes: como modo de abordar o direito, como teoria do direito e, por último, como ideologia do direito.

1.5.1 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO ABORDAGEM

Em relação ao primeiro aspecto, o chamado positivismo jurídico como abordagem ou modo de se aproximar do direito, a preocupação

não é com os instrumentos ou técnicas empregadas para a sua investigação, mas sim com a delimitação do objeto a ser investigado. Nesse caso, o direito será compreendido a partir da separação entre o direito que é do direito que deve ser ou, ainda, do direito como fato do direito como valor. Ao operador do direito, caberá ocupar-se do primeiro e não do segundo, e, como diz Bobbio: ―Si se quiere usar una sola palabra para designar esta forma de approach al derecho, se la podría llamar científica” (BOBBIO, 1992, p. 41-42).

Tomada essa perspectiva, pode-se dizer que ―o positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência com as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais‖ (BOBBIO, 2006, p. 135), que apresentam como característica fundamental sua avaloratividade, vale dizer, a total separação entre juízos de fato e juízos de valor.

Nesse passo, o juspositivismo representa o estudo do direito como fato e não como valor, já que, da definição do direito, deve ser expurgada toda e qualquer qualificação que seja fundada num juízo de valor e que, consequentemente, possa vir a comportar distinções dentro do direito em bom ou mau, justo ou injusto. E é justamente essa atitude que contrapõe o positivismo jurídico ao jusnaturalismo, modo de entender o direito ―que sustenta que deve fazer parte do estudo do direito real também a sua valoração como base no direito ideal, pelo que, na definição do direito, se deve introduzir uma qualificação que discrimine o direito tal qual é segundo um critério estabelecido do ponto de vista do direito tal qual deve ser‖ (BOBBIO, 2006, p. 136).

1.5.2 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO TEORIA

Um segundo aspecto do direito positivo é a sua compreensão como teoria do direito, ou seja, a vinculação do fenômeno jurídico com a formação de um poder soberano com capacidade para exercer a coação, no caso, o Estado. É a identificação do positivismo jurídico com a teoria estatal do Direito, ao qual se vincula uma série de outras teorias próprias do juspositivismo, a saber:

1) A teoria da coatividade, elemento cuja presença remete diretamente ao Estado, organização social que possui tal força de modo eminente e exclusivo. Segundo Bobbio: ―definir direito em função da coerção significa considerar o direito do ponto de vista do Estado. A definição coercitiva se funda, portanto, numa concepção estatal do direito‖ (BOBBIO, 2006, p. 147).

2) A teoria das fontes do direito, que trata da identificação e da definição do direito. Sua importância está ligada ao fato de que, a partir dela se alcançam as normas que efetivamente fazem parte do ordenamento jurídico, primeiro passo a ser dado por qualquer jurista quando se ocupa do ordenamento. Está baseada na ideia de que a lei prevalece em relação às demais fontes, para o que necessita da ocorrência de duas condições: a existência de várias fontes no ordenamento jurídico e, ainda, que estas não estejam no mesmo plano. Deverá ser um ordenamento jurídico completo, com estrutura hierarquizada.

3) A teoria imperativista da norma jurídica, que cumpre seu papel no positivismo jurídico sustentando a premissa de que a norma jurídica é um comando, o que a aproxima da concepção legalista-estatal do direito. Não surge com o positivismo jurídico, resultado de uma longa tradição, já estava presente no pensamento filosófico-jurídico romano.

Bobbio apresenta a evolução do pensamento jurídico em dois momentos, vencidas as diversas fases. O primeiro é o que chama de ―imperativismo ingênuo‖, que ―considera o direito como um conjunto de comandos dirigidos pelo soberano aos cidadãos, sem analisar ulteriormente a estrutura do imperativo jurídico‖. O segundo é o ―imperativismo crítico‖, que ―precisa os caracteres do imperativo jurídico sob dois aspectos: a) a norma jurídica é um imperativo hipotético; b) a norma jurídica é um imperativo que se dirige não aos cidadãos, mas aos juízes‖ (BOBBIO, 2006, p. 195).

4) A teoria do ordenamento jurídico, que – ao contrário das demais que já existiam e foram apenas reelaboradas pelo positivismo jurídico –, foi por ele criada. Trata-se da compreensão do direito como um sistema único e está baseada em três características fundamentais a ele atribuídos: a unidade, a coerência e a completude. No dizer de Bobbio: ―são essas três características que fazem com que o direito no seu conjunto seja um ordenamento e, portanto, uma entidade nova, distinta das normas singulares que o constituem‖ (BOBBIO, 2006, p. 198).

5) A teoria da interpretação, ligada à função da jurisprudência pensada pelo positivismo jurídico. Para seus defensores, sua função é apenas ―declarativa ou reprodutiva de um direito preexistente, isto é, no conhecimento puramente passivo e contemplativo de um objeto já dado‖ (BOBBIO, 2006, p. 211). Sua tarefa não é criar, mas sim interpretar, vale dizer, compreender o sentido e o alcance da norma dada.

1.5.3 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO IDEOLOGIA

O positivismo jurídico como ideologia é categoria aqui compreendida como:

[...] expressão do comportamento avaliativo que o homem assume face uma realidade, consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal realidade, juízos estes fundamentados no sistema de valores acolhido por aquele que o formula, e que têm o escopo de influir sobre tal realidade (BOBBIO, 2006, p. 223).

Assim foi compreendido o positivismo pelos adeptos da Escola da Exegese, acusados de fetichismo em relação à lei, já que tinham por característica não se limitar a aceitar o fato de que, naquele momento, o direito se põe na sociedade deles mediante a lei. Iam além e valoravam positivamente esse fato, considerando a lei como a melhor e única forma boa de criação do direito. Como se vê, não eram apenas intérpretes, mas também admiradores do Código de Napoleão (BOBBIO, 2006 p. 224).