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De modo genérico, o termo “body-building” (bodybuilding) corresponde ao “corpo- transformado” ou “corpo em transformação” que são normalmente designados por aqueles que frequentam academias de musculação (atletas ou não atletas), que por meio de exercícios de força (utilização de aparelhos e alteres) buscam “modificar” e “construir” seu invólucro corpóreo. Assim, os body-building ligam-se aos atores que têm como objetivo principal desenvolver os músculos no sentido da sua hipertrofia, realizando-a através de trabalhos intensos com pesos e repetições em série.

Por muito tempo, o termo body-building (body-builder)34 foi associado aos fisiculturistas profissionais que por meio de exercícios com pesos buscavam modificar a forma corporal, para a participação de eventos e posteriormente de torneios, na exposição principalmente da força física (em maior intensidade) e das suas formas corpóreas no seu caráter estético. Tais eventos e competições eram verdadeiros espetáculos de exibição de forças e desenhos corporais, causando espanto aos que presenciavam específicos acontecimentos35. Com o passar dos anos, as competições e eventos de fisiculturismo foram tornando-se cada vez mais profissionais. Neste momento, a importância da força física em si aos poucos foi sendo deixada de lado, concentrando-se maior atenção a forma corpórea no seu caráter estético. Segundo Cesar Sabino (2004, p. 45), com o passar dos anos e com o desenvolvimento do fisiculturismo, “o uso da força passou a restringir-se às apresentações de halterofilismo, enquanto o body-building constituiu-se gradativamente tendo por objetivo apenas a apresentações da forma muscular.” No final do século XIX e principalmente no começo

34 O terno Body-builder foi criado por Friederich Wilhelm Müller mais conhecido como Eugen Sandow (nome artístico adotado pelo mesmo quando trabalhava no circo). Praticamente toda literatura ligada ao fisiculturismo e musculação considera Sandow como o primeiro fisiculturista famoso, portanto, o pai do body-builder. Ele foi o primeiro homem a organizar campeonatos de cultura física em 1901 dando os primeiros passos para esta modalidade esportiva. O termo body-builder foi exposto pela primeira vez em 1898 quando saiu à publicação da primeira revista (Sandow magazine) destinada ao fisiculturismo tendo como autor o próprio Sandow (SABINO 2004).

35 Sobre as origens dos body-builders ligados ao fisiculturismo ver Cesar Sabino (2004) e Jean Jacques Courtine (1995).

do século XX houve uma expansão das atividades do fisiculturismo, com surgimentos de campeonatos profissionais, inauguração de academias, publicações de revistas ligadas aos body-building, criação de novos métodos e aparelhagens para execução dos exercícios, dentre outros. Com a intensificação cada vez maior dos treinos, das dietas e da disciplina; o físico dos fisiculturistas se consolidou como uma identidade própria se distinguindo efetivamente das demais modalidades esportista e posteriormente, dos simples frequentadores de academia de musculação na intenção não profissional e sim estética ou de saúde. O crescimento do fisiculturismo neste período deve-se principalmente aos seus pioneiros, como o alemão Eugen Sandow e os americanos Bernarr Mac Fadden e Charles Atlas. Na metade do século XX o fisiculturismo nos EUA se consolida como hegemônico, influenciando posteriormente também outras partes do mundo como é o caso do Brasil. Como consequência desta realidade, expandiu-se o exibicionismo muscular em todos os lugares, nas praias, nas revistas, no cinema, na mídia, além da proliferação nas academias de musculação em todos os cantos. Realidade que se intensificou anos mais tarde como os irmãos Weider (Bem Weider e Joe Weider) e com o maior ícone dos Body-builders de todos os tempos, o austríaco Arnold Schwarzenegger.

Paralelamente a este contexto, a sociedade americana de modo geral já vinha sofrendo profundas mutações no que envolve a corporeidade, alterando a própria relação dos indivíduos com seu corpo, desenvolvendo um processo que acarretaria mais tarde na supervalorização da imagem corporal como reflexo do fenômeno do culto ao corpo36. Com isso, novos imaginários, representações e valores frente ao corpo foram desenvolvidos e consolidados. Esta realidade alterou com isso, os usos, as práticas, as percepções ligadas ao corpo e até as próprias técnicas corporais. No final do século XIX e no decorrer do século posterior, a preocupação com o corpo vai se ampliando, desenvolvendo gradativamente o mercado do corpo (nos moldes de corpo magro e esbelto feminino e corpo forte e musculoso masculino), o consumo de bens e serviços ligados a manutenção e modificação da forma corporal, a indústria da beleza, da boa forma, do espetáculo, dentre outros fenômenos ligados ao corpo que acabaram ganhando força. Novos modelos corporais ideais foram criados e expostos (na publicidade, mídia e indústria cinematográfica) ligados a propagadas de saúde, prática de esportes, sucesso, bem estar, felicidade, etc. Tais acontecimentos estavam ancorados

sob a ideologia que aponta o corpo não mais como uma herança ou um fardo que se deva carregar eternamente. Mas, uma realidade passível de modificação, como reflexo da vontade e da aquisição dos meios necessários para realização dos anseios e objetivos, principalmente sobre as bases da sociedade do consumo (COURTINE, 1995).

No que se refere à realidade brasileira, tais acontecimentos se fizeram presentes, graças a influência norte-americana, porém, anos mais tarde. No começo do século XX, novos imaginários invadem a sociedade brasileira, em um período de exposições de imagens da indústria cinematográfica e de valores ligados à “revolução sexual” e ao movimento feminista (LE BRETON, 2007; CASTRO, 2007). Em meados do mesmo século, cresce em forma ampliada a indústria de cosméticos, da moda e da publicidade direcionando as pessoas para a preocupação com a imagem corporal. Na esteira disso, ideários de corpo esbelto, seguro e jovem ganham espaço cada vez maior no imaginário feminino e em contrapartida, com a supervalorização dos músculos no âmbito masculino, sob os moldes conhecidos popularmente de o corpo “bem definido” ou “musculoso” (MARZANO-PARISOLI, 2004; GOLDEMBERG, 2007; LE BRETON, 2011). Neste período, novos habitus corporais como práticas de esportes, higiene pessoal, busca pela beleza ocupam maior espaço nas preocupações pessoais sobre o aval dos médicos e especialistas. Aliado a isso, a força da mídia e da publicidade na exposição cada vez maior do corpo, além da venda de imagens e de produtos dentro de uma cultura do consumo, transformando os estilos de vida da população no que se refere a corporeidade e assim, difundindo novos habitus corporais e direcionando a aparência para uma dimensão essencial da identidade de mulheres e homens. (SANTAELLA, 2004; GOLDEMBERG, 2007; CASTRO, 2007; LE BRETON, 2010, 2011).

Depois do meado do século XX, o culto ao corpo atingiu uma magnitude social jamais vista anteriormente. Neste momento, amplia-se a produção e mercantilização de produtos ligados a beleza e a boa forma, intensificando neste contexto, a supervalorização da imagem corporal igualmente aos cuidados e preocupações com o corpo em geral (SILVA, 2001; CASTRO, 2007; GOLDEMBERG, 2007). Diante desta atmosfera da supervalorização da imagem corporal, cresce de forma ampliada, neste período, o aparecimento e a procura pelas academias de ginástica como reflexo deste próprio fenômeno.

Em tal realidade do culto ao corpo, as academias de ginástica ou “musculação” ocupam um lugar privilegiado, estando presentes nas grandes e pequenas cidades, nos

bairros privilegiados ou periféricos como práticas comuns de diferentes classes e grupos sociais. É o que Mirian Goldenberg chama (2002, p. 20), de “difundida ideologia do body-building” ou a conhecida “cultura da malhação” que se fundamenta na concepção de beleza e forma física como resultado do trabalho subjetivo sobre a estrutura corporal. Ainda segundo esta autora, a “cultura da malhação” é o produto de movimentos importados dos EUA e que vem atraindo cada vez mais adeptos na busca de modificação da forma corporal para adequação aos modelos corporais hegemônicos. Assim, no que se refere ao corpo masculino, a adoração do físico musculoso dos body- building (exposto pelas mídias eletrônicas, publicidade e indústria cinematográfica) rapidamente assumiu um dos ideais corpóreos de bastante aceitação social.

As atividades no interior das academias tornam-se uma rotina árdua de

exercícios repetitivos e anseios obsessivos, porém, muitas vezes inalcançáveis estando ligados aos ideais corporais amplamente aceitos. Na contemporaneidade, o culto ao corpo assumiu um caráter radical, fazendo das próprias práticas ligadas à supervalorização da imagem corporal algo intenso, ao ponto, de se assemelhar as próprias práticas desportivas. Muitos frequentadores de academias de musculação, por exemplo, ficam várias horas executando exercícios repetitivos, preocupados com os objetivos, com o peso, a forma física, com as medidas, o tempo, a imagem, as dietas, etc. Realidade não muito diferente dos atletas profissionais. O body-building não profissional é o caso mais fiel desta realidade, porém não se trata de encarar a musculação como esporte e sim, como aprimoramento estético.

Como um dos elementos centrais que evidenciam e ao mesmo tempo legitimam a cultura do corpo, os body-building destacam-se pela intensa dedicação em querer hipertrofiar a massa muscular. Para Jean Jaques Courtine (1995, p. 82) “o body-building participa plenamente da cultura do músculo” a ponto de a preocupação se centrar na aquisição de massa muscular fazendo da existência uma realidade dedicada aos músculos e a aparência (LE BRETON, 2009, p. 41). Neste caso, os músculos não representariam simplesmente uma parte integrante do sistema funcional corporal, mas, além disso, um elemento poderoso capaz de mudar toda uma vida. Assim, os músculos são vistos como objeto que deve ser trabalhado de forma diferenciada para poder extrair toda “magia” deste tecido fibroso, elemento simbólico de valorização, identificação e hierarquização. O aumento do volume muscular para os body-building acarreta proporcionalmente, a elevação do respeito, do sucesso e do poder, além de ser um

uma palavra, todos os seus pensamentos e atitudes no ambiente da academia de musculação (e fora dele também) centram-se em torno dos músculos.

O body- building é um hino aos músculos, um virar o corpo do avesso sem esfoladura, pois as estruturas musculares são tão visíveis sob a pele viva dos praticantes quanto nas pranchas de Vesálio. (...) [porém], o body-building é uma fortaleza de músculos inúteis em sua função, pois para ele não se trata de exercer uma atividade física em um canteiro de obras ou trabalhar como lenhador em uma floresta canadense. É buscada a força muscular em si, em sua dimensão simbólica de restauração de identidade. (LE BRETON, 2009, P. 42- 43).

O body- building é simplesmente o artesão do seu próprio corpo, que através da sua inter-relação com as máquinas (da academia de musculação) juntamente com a construção de sua dieta, e também, na utilização de várias substâncias, torna-se escultor do seu próprio invólucro encarnado. Não é mais novidade para os body-building (homens e mulheres), a utilização de hormônios esteroides anabolizantes e suplementos alimentares na busca sem trégua pela modificação da forma corporal para uma melhor aparência física. Conforme Le Breton (2009, p. 42), “o body-building forja para si um corpo de máquina com acabamento cinzelado, cujo vigor é rematado pelos esteroides e pela dieta”, fazendo do seu corpo modularmente fabricado.

Portanto, o corpo do body-building é uma máquina que precisa ser trabalhada por partes, onde cada “perca” (partes do corpo) precisa passar por uma série de exercícios repetitivos a fim de construir “seu corpo à maneira de um anatomista meticuloso preso apenas à aparência subcutânea” para se chegar à forma corpórea denominada de “corpo malhado” (LE BRETON; 2009). Tal modelo corpóreo é uma realidade que se encontra em muitos lugares: nas mídias eletrônicas, nas academias, nas ruas, nas praias, dentre outros, porque “o músculo está por toda parte” em um verdadeiro espetáculo de exposição de corpos inflados de músculos (COURTINE, 1995, p. 82).

Antes de tudo o espetáculo está nas ruas. Entre a multidão de passantes, os body-builders destacam-se por sua forma de andar: braços afastados, cabeça enfiada no pescoço, peito abaluado, rigidez , balanço mecânico. O body-builders não anda; ele conduz seu corpo exibindo-o como objeto imponente. Não ao modo do obeso, este indígenas das multidões americanas, que arrasta sua anatomia como um fardo que o entrava e o estigmatiza. O corpo do bodybuilder pretende, ao contrário, tirar todo o benefício do peso no campo do

olhar, saturá-lo de massa muscular. Impor-se, pesar no olhar alheio, através da ação combinada de um efeito de massa e de uma deslocamento mecânico. O músculo marca. Ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anonimato urbano das fisionomias. (COURTINE, 1995, p 82-83).

Portanto, os body-building constitui uma das manifestações do fenômeno do culto ao corpo, ligados as representações de beleza e forma física (masculina), ao qual, exige do corpo o espetáculo da hipertrofia muscular e adequação aos modelos hegemônicos socialmente, aqueles livre das gorduras e das marcas (físicas e simbólicas) do corpo relaxado. Realidade cada vez mais presente em diferentes classes sociais, apesar das limitações e especificidades típicas de cada uma delas (BOLTANSKI; 1984). De qualquer modo, acompanhamos uma “universalização” da “cultura do músculo” desencadeando segundo Courtine (1995, p. 82), uma reivindicação muscular cada vez mais democrática, fazendo da prática dos body-building (não profissional)37 uma obsessão para diferentes indivíduos das mais variadas estratificações sociais.

3.2. CULTO AO CORPO: MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA

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