• Nenhum resultado encontrado

DA BOLONHA TARDO-BARROCA À LISBOA POMBALINA: A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DE LAND

ITÁLIA – PORTUGAL – BRASIL: A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE LAND

2.1. DA BOLONHA TARDO-BARROCA À LISBOA POMBALINA: A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DE LAND

A trajetória de Antônio Landi antes de ao Brasil chegar foi marcada pela sua formação na Itália, na cidade de Bolonha, na Academia Clementina e pelo período que permaneceu em Lisboa, aguardando a viagem da Comissão Demarcadora de Fronteiras para o Brasil, que contribuíram para sua formação cultural.

Os itens 2.1.1 e 2.1.2, a seguir, apresentam um panorama das cidades de Bolonha e Lisboa no século XVIII e a produção artística de Landi em cada uma delas.

2.1.1. A Bolonha Setecentista

O final do século XVII é caracterizado, na arquitetura italiana, pelas vastas possibilidades estéticas existentes, quer originárias de obras desenvolvidas ao longo do século em curso, quer das tradições do século XVI ou mesmo de períodos anteriores, como a Antiguidade Clássica.

Conforme visto no capítulo anterior, a arquitetura do século XVIII foi marcada pela passagem das formas do Classicismo puro, para as formas mais rebuscadas, do estilo Barroco e, consequentemente, do Tardo-barroco.

A cidade de Bolonha, nesse período, era envolvida por extensa muralha rasgada por 12 portas, na sua maioria com características medievais, algumas delas reconstruídas e dedicadas a alguma personalidade. A paisagem da cidade era marcada por palácios construídos nos séculos XVI e XVII e que, na sua maioria, tinham seu acesso principal aberto para os pórticos que circundavam quase todas as ruas da cidade. Essas construções serviam aos bolonheses de abrigo das intempéries. Um dos pórticos mais conhecidos é o que leva à igreja da Madonna di San Luca (Figura 60), um dos locais mais cultuados de Bolonha.

Edificações religiosas marcavam também a paisagem da cidade. As duas principais igrejas eram as de São Petrônio e São Pedro, esta última com fachada barroca, revestida de mármore. Os dois conventos mais importantes pertenciam às ordens dos dominicanos e dos franciscanos e suas construções são de origem medieval.

Havia ainda os edifícios que abrigavam as instituições universitárias: a sede do Studio ou Universidade, o Archiginnasio, o Collegio di Spagna e o Instituto de Ciências e Artes (Palácio Poggi).

Bolonha foi um centro de grande atividade intelectual com grande número de academias com diferentes objetivos, desde a transmissão da literatura às iniciativas artísticas e pesquisa científica. A primeira metade do século XVIII corresponde ao apogeu do ensino nas academias, período em que o ensino universitário passava por profunda crise, e cujo destaque foi a fundação do Instituto de Ciências e Artes, que englobava o Instituto de Ciências e a Academia Clementina.

A Academia objetivava consolidar a tradição artística bolonhesa e confiar aos mestres da arte a educação das futuras gerações, garantindo a renovação da produção artística característica de Bolonha e promovendo também sua difusão pelo mundo.

Nesse período, Bolonha tinha grande importância, sendo a capital de um vasto território circundante. Era frequente a realização de grandes eventos públicos incentivados pelas importantes famílias da cidade. A partir do século XVII, esses eventos tomaram uma dimensão tal que contavam com a participação dos estudantes das universidades, que compunham peças teatrais e dissertações, além de arquitetos, quadraturistas, cenógrafos, escultores, músicos e maquinistas, encarregados da concepção dos espetáculos. Todos participavam da produção dos eventos que aconteciam em locais privados ou públicos, nos palácios, igrejas, praças e ruas da cidade.

Bolonha foi, nesse período, a capital da pintura ilusionista de arquitetura. Técnicos especializados pintavam as frentes dos palácios com um novo método para deixá-los mais suntuosos. Fundos eram pintados nos muros, perspectivas falsas em jardins, decorações teatrais e efêmeras: uma arquitetura de enganos que auxiliava a vontade de surpreender da época.

Foi frequente nesse período, o uso de um recurso do qual Landi irá se valer posteriormente: a coluna destacada. O tema está presente em quase todas as igrejas bolonhesas e não apenas naquelas da época barroca.

A Academia Clementina, a mais importante das academias bolonhesas, surgiu no início do século XVIII originada da proposta do pintor e literato Giampietro Zanotti (1674-1765), com interferência do General Conde Luigi Ferdinando Marsigli

(1658-1730), um amante das Belas-Artes. Recebeu esse nome em homenagem ao Papa Clemente XI35 que apoiou sua fundação.

A sede da Academia foi o Palácio Poggi, comprado com a finalidade de abrigá-la e também o Instituto de Ciências, que viria a ser um dos mais avançados centros de pesquisa na Europa nas áreas de mecânica, astronomia, história natural, química e física experimental. A união das duas instituições, a Academia e o Instituto, deu origem ao Istituto delle Scienze e delle Arti di Bologna.

A instituição possuía 40 acadêmicos vitalícios nomeados, os chamados “acadêmicos de número”, dentre os quais era eleito seu presidente ou “príncipe” e seu “vice-príncipe”, que o substituía sempre que necessário.

A Academia, segundo os estatutos publicados em 1711, sugeria um ensino apoiado no desenho e na pintura. Possuía a Escola do Nu, para a formação de pintores e escultores, e a Escola de Arquitetura, para a formação de pintores de quadratura e de cenografia.

A arquitetura ensinada na Academia não era a dos construtores, mas aquela voltada à formação de quadraturistas e cenógrafos. A Escola de Arquitetura incluía os cursos de arquitetura, geometria prática, perspectiva e ornato. No curso de perspectiva, estudava-se também a paisagem e no de ornato, a decoração arquitetônica e o projeto de objetos.

Segundo Matteucci (1999, p. 80), no meio acadêmico italiano desse período, o “desenho não só era considerado o momento unificador dos vários ensinamentos, mas também um elemento insubstituível na formação do arquiteto”.

De acordo com Bibiena somente através do desenho se completa o estudo das proporções e da simetria, indispensável para um bom arquiteto, e mais ainda, para um bom pintor. É graças ao desenho [...] que se podem realizar as plantas, que constituem o momento inicial do trabalho projectual, e a partir das quais, através das proporções, se derivam as fases seguintes dos edifícios. Daí resulta que “sendo Pintor” seja mais fácil ser “arquitecto egrégio” (MATTEUCCI, 1999, p. 80).

Nos estatutos da Academia, previa-se ainda o ensino da pintura de paisagem, de animais, de flores e de frutos, o desenho de fortificações, as práticas de fundição de estátuas, de artilharia e de gravura em madeira e cobre. A formação era

complementada por aulas práticas em oficinas fora da Academia, nos cursos de caráter científico no Studio ou no Instituto das Ciências.

O que se nota nos trabalhos produzidos na primeira metade do século XVIII pelos alunos clementinos é que os mais significativos projetos são os que destacam elementos da tradição bolonhesa como a coluna destacada nos edifícios religiosos, os espaços com alturas ampliadas que se estendem a vários planos e as aberturas nas escadas. Além disso, os projetos são marcados pela abundância da decoração com a utilização das ordens clássicas na variação ornada, recurso comum às cenografias bibienescas (MATTEUCCI, 1999, p. 84).

O ensino na instituição estava a cargo de oito professores, quatro para cada uma das Escolas, escolhidos entre os 40 acadêmicos, que exerciam suas atividades ao longo de um ano, sem remuneração. Convergia, pelo menos em um primeiro momento, a um único ensino que era ministrado por quatro professores diferentes nas áreas de perspectiva, quadratura e arquitetura civil e militar. Somente a partir de 1804, com a fundação da nova Academia de Belas-Artes, o ensino na Academia se diversificou. Entretanto, mesmo com a diversificação, o ensino clementino permitiu o acesso dos jovens cenógrafos a muitos palácios. Segundo Lanzi (apud Matteucci, 1999, p. 81): “Não houve provavelmente uma só Corte que não tivesse convidado algum dos Bibiena a servi-la, nem nenhum outro ambiente que se coadunasse tanto aos Bibiena, como o das grandes cortes”.

O conteúdo do ensino na Academia foi sempre questionado por Marsigli que via a necessidade de um curso de arquitetura mais consistente que incluísse, inicialmente, o estudo da geometria e da aritmética e, posterior, desenho de plantas, com auxílio das representações dos mais importantes monumentos dos mundos antigo e moderno. Além disso, os alunos deveriam conhecer a prática dos mestres-de-obras, os materiais e técnicas construtivas como também a perspectiva. Confirmando suas idéias, Marsigli dotou a biblioteca do Instituto de várias edições dos textos de Vitrúvio, Sérlio e Scamozzi.

Os melhores alunos da Academia eram recompensados com prêmios em reconhecimento aos trabalhos desenvolvidos durante o ano letivo36. Esses prêmios eram

36 O ano letivo era desenvolvido em dois períodos: de novembro à época da Páscoa, quando funcionava a Escola de

Arquitetura, e de junho a agosto, quando funcionava a Escola do Nu. No período entre a Páscoa e o mês de junho, os alunos podiam frequentar a Galeria das Estátuas no Instituto (MENDONÇA, 2003a, p. 56).

entregues todos os anos em uma cerimônia solene e davam a oportunidade aos vencedores, de fazer parte da instituição, como membro efetivo ou honorário. A recompensa vinha através dos prêmios Marsigli, de primeira e segunda classes, e o prêmio Fiori. O prêmio Marsigli, instituído em 1727, consistia em medalhas entregues aos seis melhores trabalhos da Academia e o Fiori, criado em 1743, reconhecia o mérito e a assiduidade de 12 estudantes. Em 1787, foi instituído o prêmio Curlandese, que consistia em uma medalha de ouro, atribuída, rotativamente, a um pintor, escultor, arquiteto ou gravador.

Em meados do século XVIII, a Academia modificou sua postura quanto ao acesso de arquitetos civis, os chamados arquitetos construtores37, e quanto ao conteúdo do curso de arquitetura. Em 1747, foram admitidos, como acadêmicos, dois dos mais importantes arquitetos em atividade em Bolonha e proximidades: Carlo Francesco Dotti e Alfonso Torreggiani, embora não lhes tenha sido destinado nenhum cargo didático.

Na década de 50, ocorreu o primeiro trabalho realizado conjuntamente entre a Academia e o Instituto: a consulta sobre o projeto de Antonio Galli Bibiena para o novo teatro de Bolonha que contou com a participação de arquitetos construtores, arquitetos cenógrafos, pintores e matemáticos, que se pronunciaram sobre diversos aspectos do projeto, sobre os materiais a serem utilizados e sobre suas características acústicas.

As novas diretrizes da Academia foram confirmadas em 1760, com a nova redação do estatuto, cuja publicação ocorreu somente em 1786. No novo documento, foram delimitados os ensinos da pintura, que incluía também a representação de arquitetura e perspectiva, e da arquitetura, que abrangia não só a arquitetura civil, mas também a militar.

Importante papel desempenhou a Academia quando se aliou a outras instituições congêneres italianas e estrangeiras, aceitando como “acadêmicos de mérito” artistas, homens de cultura e estadistas.

A Academia foi ainda responsável pela proteção do patrimônio artístico a partir de 1749 pelo édito de Dória, dessa forma coube a ela guardar as obras de arte das ordens religiosas após sua extinção por decreto napoleônico.

37 A exclusão inicial dos arquitetos construtores pela Academia é justificada, em parte, por Zanotti, pela ausência de