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Bom governo: apontamentos quanto à sua definição e à sua consideração como um direito fundamental

4 ÉTICA PÚBLICA E BOM GOVERNO: uma fórmula contra a corrupção no Brasil

4.2 Bom governo: apontamentos quanto à sua definição e à sua consideração como um direito fundamental

O Bom Governo, ou a boa administração, é aquele que é baseado em eficientes códigos de ética pública e que atende aos direitos fundamentais sociais previstos na Constituição.

Ressalta-se, no primeiro momento da abordagem, que não é absolutamente claro e preciso o entendimento do que vem a ser o Bom Governo, ou para os que preferem a denominação de Boa Administração. Para Mileski (2015, p. 149), estes designativos permitem a formação de múltiplas concepções, perspectivas, como também de vários significados. Podem envolver aspectos estruturais e de organização e até exigências pessoais e subjetivas dos representantes políticos e dos servidores públicos. Pode envolver, inclusive, uma relação direta com a teoria do Estado e sua organização.

O que parece ser consenso, dentre os vários instrumentos jurídicos e autores, na presente, usa-se especificamente, os ensinamentos de Freitas (2007, p. 20) de que a boa administração abriga, em seu conceito, o direito a uma administração pública que seja transparente, com base no princípio da publicidade. Ela também deverá ser dialógica, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. Deverá ser imparcial, onde não pode ser praticada qualquer espécie de discriminação. Da mesma forma, necessariamente, deverá ser proba, impedindo condutas que não são consideradas éticas. Finalmente, deverá respeitar a legalidade, e que seja eficiente e eficaz, além de ser econômica e teleologicamente responsável.

Boa administração Pública poderia ser definida então, complementando a definição aqui adotada, nos ensinamentos de Muñoz (2012, p.155-156), como aquela que dirige as instituições públicas, com critérios mínimos, chamados de bom governo ou boa administração. As instituições públicas fazem parte da soberania popular, de onde procedem todos os poderes do Estado, e devem estar voltadas ao serviço geral, sendo seu objetivo o de atender às necessidades coletivas. A função constitucional da Administração Pública está centrada justamente no intuito de alcançar o interesse geral. A boa administração de instituições públicas é um direito do cidadão, de natureza fundamental.

Lopes (2011, p. 17-18) cita um documento chamado Governance and Development (Governança e Desenvolvimento), de 1992, onde Banco Mundial, numa definição considerada relativamente vaga, assumia a governança como sendo a maneira como o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um País. Essa definição foi considerada minimalista, mas que entendia o conceito numa perspectiva dinâmica, trazendo critérios para um bom governo. Identificou como critérios mínimos de bom governo e que deveriam ser respeitados pelos Estados: a responsabilidade, a transparência, o Estado de Direito e a pluralidade de atores que intervêm no sistema e que conduzem os assuntos da “coisa pública”.

Eles formam um conjunto de corolários que têm sido mantidos e utilizados nas políticas que são suportadas pelo Banco Mundial, e foram, ao longo dos anos, apurados e especificados. O Banco Mundial assumiu como matriz básica o conceito de governance (governança), traçando o conjunto de procedimentos e de instituições mediante as quais se exerce a autoridade num país em prol do bem comum.

Também é necessário abordar a importância de outro documento internacional, batizado de Declaração do Milênio das Nações Unidas, que foi aprovada na Cimeira do Milênio – realizada de 6 a 8 de setembro de 2000, em Nova Iorque. Este é um documento, considerado estratégico e histórico para o novo século, que reflete as preocupações e as intenções de 147 chefes de Estado e de governo de 191 países, que participaram daquela que foi considerada a maior reunião já realizada de dirigentes mundiais. Na declaração que trata de valores e princípios, os dirigentes mundiais deram indicações que confiam na Organização das Nações Unidas para o estabelecimento de um mundo que seja mais pacífico, mais próspero e mais justo.

No referido documento, as nações reconheceram que o principal desafio no século XXI será o de conseguir que a globalização venha a oferecer uma força considerada positiva para todos os povos no mundo. Ressalta Mileski (2015, p. 159- 161) que os esforços para isso deverão incluir a adoção de políticas e de medidas, em nível mundial, que correspondam às necessidades dos países em desenvolvimento e das economias em transição e que sejam formuladas e aplicadas em sua participação efetiva. Eles consideraram que determinados valores fundamentais são essenciais para as relações internacionais no século XXI, quais sejam: a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a tolerância, o respeito pela natureza, a responsabilidade comum.

Traduzindo concretamente essas aspirações, foram estabelecidos vários objetivos a serem buscados pelas nações: a) a paz, segurança e desarmamento; b) o desenvolvimento e a erradicação da pobreza; c) a proteção do ambiente comum;

d) os direitos humanos, a democracia e a boa governança; e) a proteção dos grupos considerados vulneráveis; f) resposta às necessidades especiais da África; e, g) reforço às Nações Unidas. Para se pôr em prática todos esses objetivos da Declaração das Nações Unidas, levando-se em conta os valores e os princípios que foram ali estabelecidos, são fundamentais: a qualificação e o preparo do pessoal, dos governos, como também da Administração Pública, para que sejam realizadas e colocadas em prática as reformas destinadas ao desenvolvimento estrutural, econômico e social dos países.

A Comissão das Comunidades Europeias, em fevereiro de 2000, perante o Parlamento Europeu, deu início ao seu mandato, assinalando quatro compromissos que demonstram a dimensão política da integração europeia. Mileski (2015, p. 163-164) ressalta que são quatro os objetivos estratégicos: a) promover novas formas de governança europeia; b) estabilizar o continente e fortalecer a voz da Europa no mundo; c) criar uma nova agenda econômica e social; d) melhorar a qualidade de vida para todos. E, no que diz respeito ao estabelecimento de uma nova Governança Europeia, destacando a atualidade e a exemplaridade do projeto democrático em que a União Europeia está ligada desde as suas origens, a Comissão das Comunidades Europeias publicou, no ano de 2001, o Livro Branco sobre Governança Europeia, com a finalidade de estabelecer um programa de trabalho. Constituiu-se de um plano metodológico, e é destinado a efetuar um processo que seja dinâmico de intercâmbios, que seja aberto e interativo, e cujo ritmo o Colégio de Comissários terá de ir avaliando, no que diz respeito ao alcance político de suas propostas, diante das numerosas situações que surgiram, e sobre o futuro da Europa.

Explica Addink (2014, p. 3) que o Livro Branco da União Europeia trouxe Cinco Princípios, em que deve se basear o Bom Governo: abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência. Cada princípio é considerado muito importante para o estabelecimento de um Bom Governo e que este seja considerado democrático. Estão na base da democracia e do Estado de direito nos Estados-Membros, mas aplicam-se a todos os níveis de governo, tanto global, como europeu, nacional, regional e local.52 Ressalta o referido ( 2014, p. 23) que Bom Governo é

52 In his book Administrative Law, Endicott distinguished two principles of the constitution: good

parte do conceito do Estado Moderno. É considerado um conceito novo e tem sido desenvolvido simultaneamente com conceitos e estudos de Estado de direito e com a democracia. Ele também é um processo de reavaliação contínua de legitimidade, onde vários princípios de Bom Governo são adotados como padrão, quais sejam:

transparência, participação, eficácia, responsabilidade e direitos humanos. Esses princípios são articulados como uma reação ao mau funcionamento das instituições do Estado.53

O direito ao Bom Governo é considerado um direito fundamental, que traz consigo a centralidade da pessoa no regime jurídico da Administração Pública. Para Muñoz (2012, p. 158- 175), são os cidadãos que ocupam o centro do sistema do governo e da administração de instituições públicas. Eles têm direito a essa posição central porque constituem sua justificação. Atualmente a promoção dos direitos e das liberdades dos cidadãos é considerada a principal tarefa dos poderes públicos.

E a existência positiva desse direito fundamental à boa administração parte da Recomendação nº R (80) 2, adotada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa, em 11 de março de 1980, relativa ao exercício de poderes discricionários pelas autoridades administrativas, assim como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal de Primeira Instância.

Addink (2014, p. 26) observa que na França, por exemplo, tem ocorrido uma inter-relação entre a legislação nacional e europeia sobre o papel do Bom Governo como um direito fundamental. No que diz respeito à relação entre Bom Governo e a democracia, considera-se que ambos têm um interesse comum nos princípios da transparência e da participação. Quatro tipos de participação ilustram essa inter-relação: iniciativa do cidadão, o papel do cidadão, a participação em sua comunidade e o referendo.54

government and responsible government. He writes that the ‘[g]overnment is [an] organized action on behalf of the community. Good government acts justly on behalf of the community, and makes the community a good community […]. The principles of good government include efficiency and compassion. They include the duty to pay attention to everything that is necessary for government to serve a community well […] The first constitutional principle of administrative law is that good government requires responsible government’.

53Good governance is part of the concept of the modern state. Good governance is rather new and has developed concurrently with and subsequently to the rule of law and democracy. Good governance is also a process; a process of continual rethinking of legitimacy in which several principles set the standard. These principles of good governance are properness, transparency, participation, effectiveness, accountability, and human rights. These principles are articulated as a reaction on malfunctioning of the state’s institutions.

54 In France we have seen the interrelation between the national and European law on the role of good governance as a fundamental right. This is especially interesting as the right to good administration and good governance is embraced in the European context. As to the relation between good governance and democracy, both have an interest in the principles of transparency and participation.

Four types of participation illustrate this interrelationship, namely the citizen’s initiative, the citizen’s

O direito fundamental à boa administração pública, conceito que é formulado, sob inspiração do art. 41 da Carta dos Direitos Fundamentais de Nice, é norma implícita de direta e imediata eficácia em nosso sistema constitucional. Para Freitas (2007, p. 07), ela traz pressupostos contra a discricionariedade exercida fora ou além dos limites, inclusive de maneira extremada ou deficiente. Assim, o Bom Governo, que é um princípio geral do direito e do referido artigo 41, deve ser visto como a etapa final na conclusão de direitos e obrigações fundamentais dos seres humanos. Complementa Addink (2014, p. 25) que a formalização de um direito a um Bom Governo garante a modernização do direito administrativo e administração por meios legais.55

Seguindo este raciocínio, pode-se argumentar que, se o cidadão é a figura central do aparato público, então é lógico que ele tenha direito que este aparato facilite o desenvolvimento equilibrado e solidário de sua personalidade e de sua liberdade. A razão e o sentido da Administração na democracia residem na disposição a serviço objetivo das pessoas.

Complementa Muñoz (2012, p. 159-169) que o reconhecimento no âmbito europeu do direito fundamental à boa administração significa um lembrete permanente às Administrações Públicas de que sua atuação deve se realizar, observando determinadas disposições ou padrões que tenham como principal elemento a posição central dos cidadãos. Será essa posição que irá ajudar a eliminar da práxis administrativa toda a ordem de disfunções que definem a má administração.

Nesta linha de raciocínio e conforme os argumentos explicitados acima, afirma-se que prevenir e combater a corrupção é também uma das formas de garantir a boa administração e o Bom Governo, considerado um direito fundamental. Lopes (2011, p. 24-25) explica que, nesta perspectiva de Bom Governo, que decorre de vários instrumentos internacionais ou do Banco Mundial, ou da União Europeia, é atualmente inevitável a abordagem da questão da corrupção, que justamente é compreendida como sendo um prejuízo ao conceito abordado, de que as pessoas são a causa de existir da administração pública e que ele existe para a realização,

panel, community level participation, and the referendum.

55Good governance is according to M. Runavot a general principle of law and article 41 of the EU Charter on fundamental rights should be seen as the final step in the completion of fundamental rights and obligations of human beings. Seiller speaks about the process of subjectivication of administrative litigation. Important in this discussion is to understand the legal autonomic character of good governance in the state which will be operated by the instrument of administrative citizenship. The formalisation of a right to good governance assures the modernisation of administrative law and the administration by legal means.

mais uma vez lembrando, do desenvolvimento equilibrado e solidário de sua personalidade e de sua liberdade. Ou seja, a razão e o sentido da Administração estão na disposição a serviço objetivo das pessoas. E a corrupção, justamente, traz prejuízos a isso.

O que se objetiva sempre, é que a administração pública promova, para todos e, nas palavras de Mileski (2015, p.136), as condições que todos os cidadãos, sem exceção, possam exercer com maior qualidade as suas liberdades adotando critérios de eficiência e de eficácia.

O direito fundamental à boa administração pública, é entendido como direito à administração eficiente e eficaz, que seja proporcional e cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A Administração Pública tem o dever de observar, nas relações administrativas, a totalidade dos princípios constitucionais. Assim, lembra Freitas (2007, p. 21- 96) que as escolhas administrativas, para serem consideradas legítimas, deverão ser pautadas em critérios éticos de Bom Governo, colocando as pessoas no centro de suas decisões, para dar condições que elas alcancem seus direitos e exerçam suas liberdades. Estas escolhas serão consideradas legítimas se forem sistematicamente eficazes, motivadas, proporcionais, transparentes, imparciais, respeitadoras da participação social, da moralidade e da plena responsabilidade.

É evidente que práticas de corrupção atrapalham esta equação e disposição estabelecida para que ocorra o Bom Governo, pois alteram a exigida transparência que deve existir na administração pública, e trazem desconfiança com relação à administração como um todo. A confiança, como elemento básico, de primeira necessidade em todas as relações sociais, acaba ficando extremamente fragilizada diante de práticas corruptivas.

Argumenta Bautista (2009, p. 76) que a confiança no governo é vital em qualquer sociedade, especialmente quando os cidadãos esperam que os funcionários públicos sirvam à pluralidade de interesses com equidade e que ajam gerindo os recursos de forma correta. Assim, a ética torna-se o indispensável apoio para garantir essa confiança.56

56 La confianza en el gobierno es vital en cualquier sociedad, sobre todo cuando los ciudadanos esperan que los servidores públicos sirvan a la pluralidad de intereses con equidad y administren los recursos de forma correcta. Así, la ética se torna en el soporte indispensable para garantizar esta confianza.

Neste raciocínio, conforme Cortina (1998, p. 100-101), será preciso fazer da necessidade uma virtude e multiplicar as condutas confiáveis, de forma inteligente, no trabalho com a coisa pública, na economia, no Estado e nas relações sociais cotidianas. Também nas atividades profissionais, nas organizações e nas instituições é preciso ter convicções e hábitos que sejam éticos, sem os quais faltará o principal ingrediente da credibilidade e da confiança. 57

As normas que sustentam o regime da função pública dizem respeito à transparência, à dedicação plena, à imparcialidade e à eficácia. Para Muñoz (2012, p. 69), é necessário que os poderes públicos ofereçam aos cidadãos o compromisso de que todos os ocupantes de altos cargos, no exercício de suas funções, hão de cumprir não só as obrigações previstas nas leis, mas também que, além disso, sua atuação será inspirada e será igualmente guiada por princípios éticos e de boa conduta, que formam um código do bom governo.

Prevenir e combater a corrupção é também uma das formas de garantir a boa administração, e, conforme analisado, o Bom Governo, que é considerado um direito fundamental. Quando a administração pública funciona com probidade, respeitando os demais deveres e princípios legais, ela atende melhor ao interesse das pessoas, manifestando-se como sendo o Bom Governo, que contempla os direitos Fundamentais sociais do cidadão.

4.3 A importância da ética pública e da moralidade administrativa enquanto

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