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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. MODELOS DE PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA NO TRATAMENTO DA OBESIDADE

2.3 A BORDAGEM C OGNITIVA DE A ARON B ECK

Os trabalhos pioneiros realizados por Beck na década de 60 vieram moldar o desenvolvimento das terapias cognitivas da actualidade, imprimindo-lhe a fundamentação empírica e conceptual de que carecia, até ai, o movimento cognitivo em psicoterapia.

Para Aaron Beck, o indivíduo é visto como um processador de informação. O confronto com a realidade envolve uma permanente e contínua selecção, armazenamento e procura de informação. Este autor reconheceu que as cognições não se limitam à superficialidade do diálogo interno ou das verbalizações cobertas. Pelo contrário, as cognições são vistas como estando organizadas em esquemas. Estes esquemas constituem as unidades estruturais mais básicas do funcionamento cognitivo e são eles que definem os modos específicos de construção da realidade. Os erros cognitivos, expressos nos pensamentos automáticos, são o resultado da activação de determinados esquemas cognitivos, isto é, de organizações estruturais cognitivas mais profundas, estáveis e mesmo inconscientes (Beck, 1986).

Beck considera que as disfunções psicológicas são expressas na forma de distorções sistemáticas do processamento. Diferentes disfunções psicológicas são caracterizadas pela organização de diferentes esquemas cognitivos e, consequentemente, por distorções específicas no processamento da informação. São exemplo destes erros sistemáticos de processamento de informação a: inferência arbitrária em que a pessoa formula conclusões na ausência de evidência; abstracção selectiva que implica abstrair um detalhe do seu contexto, ignorando as suas características mais importantes; sobregeneralização consiste na generalização das conclusões de diversas situações com base num acontecimento isolado; maximização/minimização corresponde à distorção do grau de importância de um acontecimento por sobrevalorização ou subvalorização;

personalização onde ocorre atribuição pessoal inapropriada de acontecimentos externos; pensamento dicotómico/absolutista, isto é, avaliação dos dados de experiência em termos de categorias mutuamente exclusivas (Joyce-Moniz, 2005, p.78).

As distorções cognitivas mais comuns em pacientes com excesso de peso são (Andrade, 1997):

• Abstração Seletiva: consiste em prestar atenção e dar mais valor às informações que confirmem suas suposições. Por exemplo: “Ter comido este

bolo indica que não sou capaz de controlar o meu comportamento”.

• Pensamento tudo ou nada: consiste em pensar em termos absolutistas extremos, como, por exemplo, dividir os alimentos em duas categorias únicas: as comidas permitidas e as proibidas. Ingerir algo considerado proibido poderá gerar uma interpretação de fracasso, tornando qualquer tentativa de controlo subsequente mais difícil: “Já comi o bolo, por isso perdida por 100 perdida por

1000”.

• Pensamento supersticioso: consiste em acreditar que há relação de causa e efeito entre eventos não contingentes. Por exemplo: “Ir ao centro comercial

implica ir comer ao McDonald’s”.

De acordo com Beck “Se os pensamentos não são modificados, não ocorre

melhoramento. Se as crenças são alteradas os sintomas também o são. Os pensamentos cognitivos funcionam como uma unidade operacional. O que significa que os nossos pensamentos e crenças afectam o nosso comportamento e acções subsequentes.”

Tendo por base esses pressupostos, a utilização das estratégias cognitivas na intervenção para a obesidade incide na análise e modificação de comportamentos indesejáveis associados ao estilo de vida do paciente. A reestruturação cognitiva é frequentemente utilizada neste contexto e consiste em modificar o sistema de crenças dos pacientes, isto é, identifica e corrige as crenças e pensamentos disfuncionais em relação ao peso, à alimentação e ao exercício físico.

Esta metodologia é importante na resolução de situações de ambivalência e resistência à mudança de comportamento. As verbalizações seguintes tornam evidentes alguns desses problemas: “Agora não tenho tempo para fazer caminhadas”; “Chateia-me trazer

daquilo”; “(…) outras vezes penso é a minha vida. A minha avó diz: a magra não chego de gorda não passo. Quem quiser não olha. Sou assim, quem gosta, gosta assim.”; “Se não consigo agradar a ninguém para quê fazer esforço. Se corre tudo mal e se não consigo agradar a ninguém se não cativo ninguém então porque tenho de fazer isto?”.

Neste contexto procura-se explorar e resolver os pensamentos disfuncionais inerentes às situações de ambivalência e de resistência. Frequentemente está associada a alteração dos comportamentos alimentares a necessidades especiais ou mais grave ainda, a uma dependência para o resto da vida. Nesse caso é importante ajudar o doente a compreender que uma alimentação adequada é possível em praticamente todas as situações. Utilizando como exemplo o bar da faculdade, pode-se salientar que embora os bolos sejam os primeiros a ser percepcionados por estarem mais expostos, existem frequentemente iogurtes, fruta ou pão. O consumo destes alimentos em detrimento dos mais calóricos tornar-se-á um hábito, deixando de ser sentido como uma restrição. O estabelecimento de objectivos/metas é também frequentemente uma das causas à não adesão ou desistência e está relacionado com a exigência irrealista dos objectivos pré- estabelecidos. Estabelecer etapas irreais contribui para a desmotivação ou decepção quando é percepcionada a impossibilidade de as atingir. É fundamental ajudar os indivíduos a compreender que a perda de peso não é uma situação de tudo ou nada, isto é, perder peso lentamente não significa “maus” resultados pelo contrário conduzirá a resultados mais duradouros. Por essa razão, estabelecer pequenas etapas para períodos de tempo mais curtos que possam ser atingidas com o cumprimento do programa parece ser um objectivo mais adequado para perda de peso e manutenção da perda de peso. Por exemplo perder 0,5 kg por semana será um bom objectivo mas querer perder 5 kg numa semana, já poderá ser um objectivo muito pretensioso com pouca probabilidade de acontecer.

Muitos ou quase todos os estudos de intervenção cognitiva na obesidade utilizam os princípios de Beck para o tratamento da obesidade, são exemplo disso, os estudos de Fabricatore (2007) e de Grave et al (2011). Tal como as intervenções comportamentais, também as intervenções cognitivas ou cognitivo-comportamentais têm mostrado resultados satisfatórios a curto prazo, no entanto, os resultados a longo prazo são pobres apresentando frequentemente ganhos significativos de peso perdido (Jones, Wilson & Wadden, 2007).

3. MODELOS DE SIGNIFICAÇÕES DA DOENÇA NO TRATAMENTO DA