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4. Notas sobre os Sistemas de Inovação no Brasil e no Canadá

4.1 Brasil

A constituição do Sistema de Inovação brasileiro ocorre a partir da consolidação da industralização do país na década de 50, com as políticas de substitiuição de importação para bens de consumo duráveis, a maturação dos investimentos em infra-estrutura com os investimentos em energia e minérios com a criação de Volta Redonda. Também coincide com o início da indústria de bens de capital e com o surgimento da Petrobrás. Foi no segundo Governo Vargas (1950-1954) que foram criados o CNPq e a CAPES, juntamente com a criação do BNDES (Dalhman et Fritschak, 1993).

Em relação à demanda complexa para a criação de produtos e serviços com maior conteúdo tecnológico, as empresas estatais desempenharam um papel crucial. O surgimento da indústria de bens de capital no Brasil nos anos 60 e, particularmente, nos anos 70 foi impulsionada pelas demandas dos sistemas Telebrás e Eletrobrás, além da própria Petrobrás. Em função do elevado grau de fechamento da economia brasileira, as indústrias brasileiras se estabeleceram no mercado interno com baixa participação no mercado mundial. Apesar da constituição de um parque industrial diversificado, a demanda de parte da infra-estrutura tecnológica do país estava centrada na prestação de serviços de rotina (análises e ensaios), com pouca exigência em ciência e tecnologia. A economia fechada, com baixa exposição à competição internacional, não exigia maior diferenciação nos produtos e serviços ofertados e a necessidade de realizar inovações de processo a fim de reduzir custos. Isso explica parcialmente uma trajetória de desenvolvimento tecnológico em que a participação do setor

privado ainda é incipiente comparativamente a outros países, mesmo países de industrialização tardia.

A construção da infra-estrutura tecnológica do Brasil ocorreu no período militar (1964- 1985) com a criação de laboratórios, investimentos mais substanciais na pós-graduação, criação da EMBRAPA, EMBRAER, do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás, do Centro de Pesquisas (CENPE) da Petrobrás e Fundação Osvaldo Cruz entre outros. O período militar também se caracterizou pelos planos de desenvolvimento38, criação de órgãos formuladores de políticas de Ciência e Tecnologia e formação da estrutura de financiamento público das atividades de pesquisa e desenvolvimento. Três instituições importantes de financiamento em Ciência e Tecnologia (C&T) foram criadas nos primeiros três anos do governo militar, FUNTEC, FINAME e FINEP (Dahlman et Frischtak, 1993). A primeira política específica de C&T ocorreu a partir da criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (SNDCT) e do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O FNDCT, que hoje abriga os recursos dos fundos setoriais, estabeleceu as prioridades para o desenvolvimento de novas tecnologias. A ausência ou pouca participação de empresas privadas no investimento e desenvolvimento de atividades de P&D nas décadas de 60 e 70 impossibilitava a existência de um sistema de inovação tal como é concebido na literatura, no qual a empresa é o locus da inovação. No entanto, vale ressaltar a presença de uma característica importante para a construção de um sistema de inovação nas políticas da época, a junção da política industrial com a política de C&T. Isso foi possível com foi a criação da Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio em 1972 (Dahlman et Frischtak, 1993). As atribuições da STI eram:

a) execução de programas de P&D por meio de seus próprios institutos;

b) financiamento do desenvolvimento tecnológico em empresas públicas e privadas e para o desenvolvimento de tecnologias específicas;

c) fornecer informações tecnológicas para empresas;

d) administrar um sistema de direitos de propriedade intelectual por meio do Instituto de Propriedade Industrial (INPI);

e) agir como secretariado executivo no Conselho Nacional de Metrologia e Controle da Qualidade (CONMETRO).

De um modo geral, as políticas para o desenvolvimento tecnológico no Brasil nas décadas de 60 e 70 foram acompanhadas por políticas industriais mais amplas, presentes na

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aquisição de tecnologia estrangeira por meio de acordos de transferência, na importação de bens de capital, no investimento estrangeiro direto, na promoção da substituição de importação e na criação de uma indústria de bens de capital. Os incentivos financeiros para desenvolver P&D e aumentar as capacidades de engenharia das empresas nacionais foram focados em atividades de substituição de importação (Dahlman et. Frischtak, 1993).

Como lembra Possas (2005), o estímulo à articulação das empresas privadas com a infra-estrutura tecnológica para inovar tem a ver com ações de política econômica para sustentação de um ambiente econômico pró-competitivo e pró-inovativo. Isso não foi possível com a adoção das políticas neoliberais no Brasil, para as quais o Estado deveria se ausentar de qualquer iniciativa de coordenação entre os agentes produtivos. Como lembra Chang (2003), a política industrial pode ser vista como um mecanismo de coordenação ex ante. A opção por ela deve-se ao fato que a coordenação ex post, feita pelo mercado, possui falhas.

Um elemento importante da política de C&T, a partir dos anos 90, foi a busca de maior integração com as empresas privadas. O mecanismo de incentivo fiscal para atividades de P&D desenvolvidas dentro da empresa constitui um bom exemplo (Tabela 1).

Tabela 1 - Valor da renúncia fiscal do governo federal segundo as leis de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e capacitação tecnológica (em mil R$)

Leis Anos 8.010/90 8.032/90 8.248/91 10.176/01 8.661/93 9.532/97 8.387/91 Total 1998 98.474 6.824 1.190.280 66.484 150.102 1.512.163 1999 112.525 6.271 1.502.985 48.028 543.574 2.213.382 2000(1) 75.563 13.180 1.475.618 27.920 16.753 1.609.035 2001(2) 134.410 7.198 1.396.105 25.478 70.828 1.634.019 2002(3) 138.600 13.090 1.450.000 47.100 65.152 1.713.942 2003(3) 154.000 6.160 1.530.000 78.100 61.506 1.829.766 Fontes: MCT: Secretaria de Política de Informática, Secretaria de Política Tecnológica Empresarial e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio: Superintendência da Zona Franca de Manaus.

A maior mudança em termos de política de incentivo à inovação no Brasil ocorreu com a criação dos Fundos Setoriais em 1999. Voltados a diferentes setores da economia, os fundos foram motivados pelo processo de privatização, tendo em vista o grande peso das empresas estatais nos investimentos em P&D no Brasil. Assim, a fim de assegurar a continuidade do fluxo de recursos destinados à Política de fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil são criados os Fundos Setoriais de C&T, a partir de receitas vinculadas a fontes tais como royalties, compensação financeira e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

Em relação a gestão dos Fundos Setoriais, cabe salientar que ela é feita de maneira compartilhada com representantes do governo, da comunidade científica e do setor empresarial. Como será visto mais adiante, a criação do CT-Petro foi uma mudança institucional com grandes implicações para o incentivo à cooperação para a inovação e para a criação da Rede Petro RS. A exigência das empresas apresentarem projetos em conjunto com universidades forçou um diálogo entre universidades e empresas. A pouca cooperação entre unversidades e empresas é fenômeno internacional, mas no caso brasileiro isso é mais acentuado.

Tabela 2 - Evolução dos desembolsos dos Fundos Setoriais 2000-2001 (em milhões de R$)

Fonte: MCT

Como pode ser visto pela Tabela 2, os dois maiores problemas dos Fundos Setoriais foram o baixo percentual de execução dos recursos e, mais recentemente, o contingenciamento dos recursos. Conforme Possas (2005), mais problemático do que a pouca quantidade de recursos alocados é o contingenciamento dos recursos devido a políticas fiscais restritivas.

Nos últimos três anos, dois eventos relevantes para o Sistema de Inovação no Brasil foram o lançamento da Política Industrial pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE39) e a aprovação da Lei da Inovação40, sancionada em dezembro de 2004. Em sintonia com a lógica dos Fundos Setoriais, a Lei da Inovação menciona as parcerias entre universidades, centros tecnológicos e empresas. Além disso, a Lei, em seu Artigo 19, é explícita quanto a necessidade de estimular a inovação na empresa mediante concessão de recursos financeiros, humanos materiais ou de infra-estrutura. Ela explicita a necessidade de apoiar atividades de P&D para atender às prioridades da política industrial e tecnológica nacional.

No que diz respeito ao órgão mais importante na execução das políticas de inovação, merece destaque a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP. Por essa razão, abaixo é apresentada de forma detalhada os programas e ações da FINEP estruturados em três linhas de 39 Lançada em 2003. 40 Lei 10.973, de 2 de Dezembro de 2004. Fundo 2001 2002 2003 2004 Previsto Liquidado % de execução Previsto Liquidado % de execução Previsto Liquidado % de execução Previsto Liquidado % de execução CTPretro 151 111 73 158 75 47 91 82 90 517 74 14 Outros 497 205 41 474 240 50,6 568 482 85 84 519 --- Total 648,6 316 48 632 315,4 50 659 564 85,6 601 593 98 Cont. --- --- --- 835,8

atuação com impacto no Sistema de Inovação no Brasil. Os dados foram retirados do Relatório de Atividades FINEP 2004.

Apoio às instituições científicas e tecnológicas

Programa de Modernização da Infra-estrutura (PROINFRA) – CT-INFRA (Fundo Setorial Infra-estrutura) é a principal fonte de recursos. O objetivo do programa é a manutenção, autalização e modernização da infra-estrutura de pesquisa. Em 2004, foram contratados 169 projetos no valor de R$ 52,8 milhões.

Programa Nacional de Qualificação e Modernização dos Institutos de Pesquisa Tecnológica (MODERNIT) – tem por objetivo a reestruturação dos Institutos de Pesquisa Tecnológica (IPTs) visando as melhorias de serviços tecnológicos e atividades de P&D para atender à demanda do setor empresarial. Em 2004, foram desembolsados, por projetos aprovados, R$ 17,5 milhões.

Programa de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica (PROPESQ) – a finalidade dos projetos aprovados é criar uma massa crítica de pesquisa de qualidade nas ICTs, de forma a poder contribuir com produtos competitivos de alto teor científico e tecnológico. Em 2004, o número de projetos contratados foi de 99, no valor de R$ 115,3 milhões. Eles responderam a chamadas públicas dos fundos setoriais.

Apoio à inovação nas empresas

Programa de Incentivo à Inovação nas Empresas Brasileiras (PROINOVAÇÃO) – tem como objetivo o financiamento reembolsável a projetos de P&D, inovação e capacitação tecnológica em empresas brasileiras. Em 2004, foram contratadas 17 operações de financiamento reembolsável, no valor total de R$ 117 milhões.

Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPPE) – iniciativa conjunta entre FINEP e Fundações de Amparo à Pesquisa em diversos estados do Brasil. O objetivo é apoiar projetos de P&D, elaboração de Planos de Negócio e estudos de mercado, prioritariamente em empresas de base tecnológica. Em 2004, foram aprovados 572 projetos envolvendo 531 empresas totalizando um montante de R$ 80 milhões por parte da FINEP.

Programa Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos (PNI) – apóia o planejamento, criação e consolidação de incubadoras e parques tecnológicos. Em 2004, foi aprovado um total de 76 projetos, no valor de R$ 12,8 milhões.

Apoio à cooperação entre empresas e ICTs

Programa de Cooperação entre ICTs e Empresas (COOPERA) – tem por interesse apoiar projetos de P&D e inovação tecnológica de interesse de empresas brasileiras a serem executadas em parceria com ICTs. O setor industrial com maior participação foi o de petróleo e gás, cerca de 47% do total, em função do aporte de recursos do respectivo fundo setorial (CT-PETRO). O total de aporte financeiro da FINEP foi de R$ 52 milhões com contrapartidas das empresas de valor aproximadamente igual.

Programa de Apoio à Pesquisa e Inovação em Arranjos Produtivos Locais (PPI-APLs) – tem por objetivo apoiar atividades desenvolvidas por ICTs em cooperação com empresas, voltadas para o P&D, assistência tecnológica, prestação de serviços e solução de problemas tecnológicos destas últimas, quando inseridas em Arranjos Produtivos Locais.

Rede Brasil de Tecnologia (RBT) – é um programa estratégico do Ministério da Ciência e Tecnologia e visa o apoio a projetos conjuntos entre empresas fornecedoras e ICTS para a substituição competitiva de importações em setores selecionados. O seu objetivo é articular diferentes áreas do governo federal, instituições de pesquisa e universidades brasileiras, empresas privadas e agentes financeiros. Em 2004, foi realizada uma chamada pública visando a substituição competitiva de importações nos setores de petróleo, gás natural e energia. Foram aprovados 25 projetos com empresas fornecedoras destes setores, sendo 15 com recursos do CT-PETRO e 10 do CT-ENERG cujo valor do apoio financeiro totaliza R$ 9,9 milhões.

Apesar do reconhecimento público da importância da inovação para o desenvolvimento econômico do país e sua disseminação como uma espécie de palavra da ‘moda’ no meio empresarial, o Brasil ainda se caracteriza pelo baixo patenteamento e pouca inovatividade das empresas. No que diz respeito ao problema da coordenação entre os diferentes atores do sistema de inovação, Arbix e Mendonça (2005) advertem que a multiplicidade de atores, instrumentos, tempos de operação e regras operacionais diferentes dos agentes financeiros são capazes de transformar qualquer articulação em resultados pífios e negativos.

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