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2. Inovação, redes de inovação e o papel do capital social

2.1 Inovação

Mesmo que Marx e Schumpeter tenham identificado o papel chave da inovação no desenvolvimento econômico, é a partir dos anos 80 que ela passa a ser tratada como o principal fator de competitividade e gerenciada de maneira sistemática envolvendo as diferentes funções das empresas. Na literatura, o surgimento de trabalhos mais sistemáticos também ocorre a partir dos anos 80 com os economistas que se dedicaram ao estudo da mudança tecnológica (Dosi, 1982; Nelson et Winter, 1982; Perez, 1988; Von Hippel, 1988; Freeman, 1982; Pavitt, 1984).

O tema da inovação é transversal a áreas como marketing, recursos humanos e produção. O lugar de proeminência do processo de inovação dentro das empresas nas últimas décadas é impulsionado por uma sociedade cada vez mais complexa na qual as necessidades de consumo se tornam diversificadas. Em que pese os consumidores serem muitas vezes “educados” para a aceitação da inovação (Schumpeter,1952), as mudanças freqüentes nos hábitos de consumo e nas formas de organização social já são parte integrante da reprodução social. Isso faz com que, no capitalismo, a inovação se institucionalize como um incentivo econômico central. Um corolário do caráter pervasivo da inovação no capitalismo contemporâneo é o lugar de destaque que ela ocupa nas políticas públicas e nos debates políticos sobre desenvolvimento econômico, especialmente nos países ricos.

A partir da revolução tecnocientífica da segunda metade do século XX, as colocações de Schumpeter (1982; 1952) de que a essência do capitalismo não está no equilíbrio, mas precisamente na partida do estado de equilíbrio e de que um capitalismo estacionário é uma contradição em termos são cada vez mais corroboradas pela dinâmica tanto das modernas economias capitalistas quanto dos países em processo de industrialização. Mesmo setores tradicionais da economia, como a agricultura, tornam-se cada vez mais dependentes da tecnologia.

Para Schumpeter, as atividades inovadoras são o principal motor da atividade econômica, pois elas explicam como o sistema capitalista desenvolve suas forças produtivas14. Um elemento crucial para entender a dinâmica capitalista é o da ‘destruição criativa’ que mostra como a estrutura econômica do capitalismo se revoluciona desde dentro, destruindo a

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Entendidas em sentido marxista, as forças produtivas de uma dada sociedade constituem a combinação da ciência, técnica, instrumentos de produção e trabalho humano. Elas definem as distintas épocas econômicas.

antiga estrutura e criando uma nova (Schumpeter, 1952). É a destruição criativa que permite que a lei dos retornos decrescentes de Ricardo15 seja interrompida, ao se criar uma nova curva de custo marginal no processo de produção.

Schumpeter (1982) define o desenvolvimento pela execução de novas combinações. Essas novas combinações se expressam em cinco situações chave: (1) a introdução de um novo bem com o qual os consumidores ainda não estão familiarizados ou de um novo tipo de bem já existente, (2) a introdução de um novo método de produção ainda não testado, baseado em uma descoberta cientificamente nova, (3) a abertura de um novo mercado, (4) a conquista de uma nova fonte de suprimento de matérias primas e demais insumos e (5) a execução da nova organização de qualquer indústria.

Neste sentido, uma inovação de produto é considerada bem sucedida quando pode ser vendida para os consumidores em uma quantidade e a um preço que proporcione lucro (Nelson, 1987). Da mesma forma, uma inovação de processo é considerada bem sucedida se ela possibilitar custos de produção mais baixos ou a operação mais rentável da firma. As cinco possibilidades de novas combinações abertas por Schumpeter são suficientemente amplas para abarcar as inovações organizacionais responsáveis por substanciais ganhos na competitividade das empresas. Parece ser o caso das redes de produção que integram diferentes empresas envolvidas no processo de produção de um determinado bem ou serviço.

O produtor, muitas vezes, inicia a mudança econômica, sendo os consumidores educados por ele (Schumpeter, 1952). Mesmo que exista um nexo de identificação de demanda e produção de um bem, isso não é determinante para o processo de inovação tecnológica, a não ser pelo fato de que demandas complexas contribuem para a busca de novos conhecimentos condensados em novas habilidades e rotinas na solução dos problemas, a exemplo das demandas governamentais para o desenvolvimento de sistemas de informação ou na área de defesa. A história do desenvolvimento capitalista mostra que, na maioria das vezes, os consumidores até resistiram à introdução de novas mercadorias (Rosenberg, 1994). Nas palavras de Schumpeter (1982; p. 48), “as inovações no sistema econômico não ocorrem de tal forma que primeiramente as novas necessidades surgem espontaneamente nos consumidores e então o aparato produtivo movimenta-se por essa pressão. É o produtor de um modo geral que inicia a mudança econômica e os consumidores são educados por ele...ensinados a querer novas coisas”.

Segundo Dosi (1982), a inovação possui quatro características fundamentais:

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Conforme a lei dos retornos decrescentes, a partir de determinada quantidade produzida, o custo de produzir a última unidade (custo marginal) tende a se elevar, fazendo com que os retornos sejam menores.

a) Incerteza – existência de problemas tecnoeconômicos cujas soluções são desconhecidas. Caso não houvesse incerteza, não seria uma inovação.

b) Crescente dependência das novas oportunidades tecnológicas no conhecimento científico (science-based). Isso é particularmente verdadeiro no caso das economias intensivas em conhecimento.

c) Crescente formalização das atividades de pesquisa e desenvolvimento e sua execução no interior de empresas de manufatura integradas.

d) O learn by doing – aprendizado por meio de atividades informais de solução de problemas de produção e esforços para satisfazer as necessidades dos clientes.

Com o mesmo tipo de argumento, Nelson e Winter (1982) afirmam que a própria natureza da inovação a que se chega não é inteiramente previsível no início da tentativa que culmina na inovação. A incerteza pode ser reduzida, mas não eliminada do processo de inovação.

Por outro lado, as colocações de Schumpeter nos anos 40, em sua obra Capitalism,

Socialism and Democracy aponta que o surgimento dos departamentos de P&D nas grandes

corporações tornou o processo de desenvolvimento de novos produtos e novas tecnologias um processo rotineiro e burocratizado. Isso contrasta com o empresário empreendedor onde a incerteza era algo muito mais presente. Assim, a característica da incerteza colocada por Dosi (1982) deve ser relativizada em determinados setores da economia. Ademais, a crescente formalização das atividades de P&D pode ser algo contraditório com a incerteza.

Já a crescente dependência do conhecimento científico das novas oportunidades tecnológicas contrasta com a importância do aprender fazendo (learn-by-doing). De um modo geral, o conhecimento científico está associado ao ‘aprendizado antes de fazer’ é muitas vezes codificado e formalizado, podendo ser transmitido por outros meios que não a socialização. Neste sentido, ainda que a inovação esteja mais calcada no conhecimento científico, cabe esclarecer que o ‘aprender fazendo’, por meio de tentativa e erro, e produzindo um conhecimento em grande medida tácito, desempenha papel importante nos estágios iniciais do desenvolvimento de uma indústria, antes dos padrões terem sido estabelecidos e o design dominante ter sido fixado (Dunning, 2000).

Ainda segundo Dosi, constituem elementos importantes para o processo de inovação, as condições de contexto e as interdependências não-comercializáveis. As condições de contexto se referem às experiências e habilidades incorporadas em pessoas e organizações, às capacidades e memórias que extravasam de uma atividade econômica ou de uma empresa para outra (knowledge spillover).

O contexto pode ser definido como uma situação mutuamente constituída (a partir de ações e interpretações mútuas dos agentes), em constante mutação, que emerge por meio da interação dos indivíduos. A solução de problemas complexos não-estruturados exige a emergência e manutenção de um contexto (Augier, Sharing et Morten, 2001). Por sua vez, a emergência desse contexto é facilitada por uma linguagem e experiências partilhadas. Daí a necessidade dos agentes possuirem um grau de comunalidade no tempo e no espaço antes da solução do problema.

Por interdependências não-comercializáveis, entende-se um conjunto de externalidades tecnológicas que podem constituir um ativo coletivo de grupos de empresas dentro de regiões e países. Estas interdependências podem ser desenvolvidas a partir de sistemas auto- organizados como o Vale do Silício ou podem ser resultado de estratégias explícitas de instituições públicas e privadas a exemplo dos parques tecnológicos (science parks).

A relevância das interdependências não-comercializáveis no atual processo de inovação aponta para a superação do chamado modelo linear de inovação. O modelo linear de inovação, comum nos anos 50, via o processo de inovação de maneira unidirecional, seja pelo

technology push ou pelo market pull (Amable, Barré et Boyer, 1997). Na visão linear, o

processo ocorre do desenvolvimento tecnológico com origem na pesquisa básica ao produto ou da demanda induzindo o desenvolvimento tecnológico pela solicitação de determinados produtos e equipamentos.

A inovação tecnológica seria a aplicação de conhecimento científico ao desenho, produção e comercialização dos produtos. Este modelo exagera o papel da ciência básica e subestima a necessidade de interação contínua e de retroalimentação.

Para finalizar a definição e caracterização de inovação, é oportuno recuperar definições presentes no Manual de Oslo. Sobretudo, porque esse é o documento que baliza a grande maioria dos estudos de inovação realizados no mundo. Tanto a Pesquisa Industrial Inovação Tecnológica (PINTEC) realizada no Brasil pelo IBGE quanto a Survey of Innovation realizado no Canadá pelo Statscan valem-se das recomendações do Manual de Oslo.

Para o Manual de Oslo, terceira edição 2005, a inovação pode ser definida como:

“the implementation of a new or significantly improved product (good or service), or process, a new marketing method, or a new organisational method in business practices, workplace organisation or external relations” (Oslo Manual, 2005)

O mais importante desta definição é poder incluir diversos tipos de inovação e não apenas as de novos produtos e serviços. Depreende-se desta definição quatro tipos de inovação: produto, processo, comercialização e organizacional.

Inovação de produto: é a introdução de um bem ou serviço novo ou significativamente

melhorado em relação às suas características ou usos pretendidos.

Inovação de processo: é a implementação de um processo de produção novo ou

significativamente melhorado. Inclui mudanças em técnicas, equipamento e/ou software.

Inovação em comercialização: é a implementação de um novo método de

comercialização envolvendo mudanças significativas no desenho ou embalagem do produto, posicionamento, promoção e precificação.

Inovação organizacional: é a implementação de um novo método organizacional nas

práticas de negócio da empresa, na sua organização do trabalho ou nas suas relações externas. As relações externas da empresa serem consideradas parte da inovação organizacional é algo novo na edição de 2005 do Manual. Na edição de 2004, a inovação organizacional, que nem era incluída nas edições anteriores, foi definida como “introdução de estruturas organizacionais significativamente alteradas, implantação de técnicas de gerenciamento avançadas e implantação de orientações estratégicas novas ou substancialmente alteradas” (Manual de Oslo, 2004; p. 62). Novos métodos nas relações externas da empresa implicam a implementação de novas formas de organizar relações com outras empresas ou instituições públicas tais como o estabelecimento de tipos de colaboração com organizações de pesquisa ou clientes.

Enfatizando os benefícios das ligações das empresas com outras empresas e organizações para a inovação, a terceira edição do Manual de Oslo chama atenção para o fato que a confiança, valores e normas podem ter um impacto importante no funcionamento das relações externas e na troca de conhecimento dentro da empresa. Assim, “a construção do capital social pode ser parte vital das estratégias de inovação de uma empresa” (Oslo Manual, 2005, p. 78).

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