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Breve descrição do conteúdo do Balcão de Direitos

4. AS TECNOLOGIAS SOCIAIS E O TERCEIRO SETOR

4.3. Casos sobre tecnologias sociais

4.3.2. Análise da tecnologia social – Balcão de Direitos

4.3.2.1. Breve descrição do conteúdo do Balcão de Direitos

A ideia do programa é fundamentada na universalização dos direitos para populações que historicamente são excluídas do sistema jurídico. O Balcão de Direitos construiu uma metodologia específica para legitimar suas ações no território, incluindo símbolos e as linguagens comunitárias.

Evidente que, de fato, o Poder Jurídico no Brasil, desde suas origens nunca

teve caráter “popular”, nunca foi algo que a sociedade sentisse como seu – ao

contrário do que podemos observar, por exemplo, na tradição norte- americana (...), em que vemos símbolos que assinalam que o ambiente

judicial não é “outro” lugar, mas sim um lugar pertencente à própria

comunidade local. É o que verifica-se, por exemplo, nas palavras solenes do

Juiz, que sentencia proclamando a decisão que “naquela comunidade” está

tomando, palavras que para nós chegam a parecer risíveis (MAGALHÃES, 2001, p. 155).

A democratização dos direitos civis é uma condição necessária para o pleno exercício da cidadania (MAGALHÃES, 2001). Na última constituição brasileira, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são elementos relacionados ao Estado Democrático de Direito, sendo consideradas cláusulas pétreas para garantir os direitos individuais (BRASIL, 2013c).

A origem do Balcão de Direitos remonta a 1996, quando a organização Viva Rio recebeu uma equipe de articuladores para ressaltar a necessidade da assistência jurídica em favelas.

O Balcão de Direitos é o resultado da solicitação de 25 líderes comunitários junto ao Viva Rio em 1996, onde foi ressaltada a necessidade de efetivação de projetos de assistência jurídica às áreas de favelas do Rio de Janeiro. A assistência jurídica seria, conforme demonstrado naquele momento, o mecanismo mais adequado e urgente para a constituição de uma malha de proteção legal do Estado – e paradoxalmente também ao Estado – sobre as populações desprotegidas da égide do estado democrático de direito (RIBEIRO e STROZENBERG, 2001, p. 9-10).

O funcionamento do Balcão de Direitos recai sobre um modelo dialógico e discursivo (GOMES, 2001). O intuito é aproximar advogados, estudantes de direitos e outros profissionais ligados ao ofício jurídico para indivíduos e instituições locais. Entre o mundo do Direito e os cidadãos-beneficiados surge a figura do Agente de Cidadania.

Cada núcleo do Balcão de Direitos conta com um Agente de Cidadania. Para ser um Agente de Cidadania é preciso ter liderança e ser conhecido e respeitado em sua própria comunidade. Responsáveis pela ponte entre o Balcão e os moradores, a maioria dos agentes atua no Balcão de Direitos desde a sua criação. Recebendo cursos permanente de formação – eles fazem diferentes cursos a cada mês –, os agentes não trabalham apenas na área jurídica, eles são treinados para orientar, mediar conflitos e encaminhar os moradores para os programas específicos (SORJ, 2003, p. 158).

Os serviços prestados pelo programa envolvem, principalmente, cinco linhas de abordagem: (1) orientação e encaminhamento; (2) mediação e conciliação de conflitos; (3) assistência jurídica; (4) documentação civil básica; e (5) formação em Direitos Humanos (BRASIL, 2013d).

A orientação e encaminhamento visa atender e direcionar demandas acerca dos deveres e direitos de cada cidadão. Sendo assim, os agentes do Balcão de Direitos avaliam e ajudam tais demandas conforme a legislação apropriada, podendo encaminhar notificações e processos para Defensorias Públicas, Delegacias do Trabalho, Institutos de Seguridade e outros órgãos competentes. Além disso, os agentes distribuem materiais informativos que visam promover o fortalecimento da cidadania.

A mediação e conciliação de conflitos permite que advogados e estagiários de Direito ajudem a resolver diferentes casos de desentendimento entre os membros da comunidade. Assim, são desenvolvidas “soluções pacíficas para os conflitos, visando

acordos satisfatórios entre as partes envolvidas” (BRASIL, 2013d, p. 2). O intuito é “recuperar a confiança na Justiça reduzindo, consequentemente, as práticas violentas como forma de resolução de conflitos” (BRASIL, 2013d, p. 2).

A assistência jurídica auxilia no encaminhamento de casos ao Poder Judiciário

que não obtiveram conciliação ou acordos. Com isso, “as ações são ajuizadas nas

diferentes áreas do Direito, especialmente o Direito da Família, Trabalhista, Comercial e

Previdenciário” (BRASIL, 2013d, p. 2).

A documentação civil básica orienta o acesso a Certidões de Nascimento, Certidão de Óbito, Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho, Previdência Social e Título de Eleitor. (BRASIL, 2013d). Essa orientação visa fortalecer a cidadania e, consequentemente, aumentar as taxas de sucesso para o acesso a Justiça e outras atividades, como por exemplo, o mercado formal de trabalho.

Por fim, a última linha de atuação do Balcão de Direitos é a formação em

direitos humanos a vários atores comunitários (BRASIL, 2013d). A formação também visa fortalecer o contato da população com a organização executora do Balcão de Direitos.

A tecnologia social do programa é plenamente exercida se houver a legitimação dos cidadãos e instituições da comunidade (NETO, 2001). O tradicional modelo jurídico é convertido para um padrão coloquial, sendo entendível aos indivíduos. A simbologia do território é um elemento de coesão e diálogo, ao invés de uma barreira entre a prática jurídica e a vivência comunitária.

Para que o operador jurídico atuante nesses locais possa contribuir satisfatoriamente no processo de resolução de conflitos, ele tem de operar com essas normas e valores plurais que emergem de forma bastante complexa no espaço comunitário. A metodologia jurídica tradicional tem se mostrado ineficiente para operar com essa situação de pluralidade de fontes de produção normativa e com essa complexa rede axiológica. (...) Esta concepção do direito leva a uma atividade jurisdicional extremamente verticalizada. É o magistrado que impõe a solução do caso concreto aos jurisdicionados. Para isso, no entanto, o direito passa a ter de contar de forma indispensável com a coação, a ponto de a mesma ser considerada o aspecto essencial do direito. No entanto, como os casos concretos levados ao Balcão de Direitos muitas vezes não encontram solução razoável no ordenamento jurídico estatal, não se poderá, para a resolução desses casos, contra com a forma verticalizada de solução de conflitos que caracteriza o poder judiciário (NETO, 2001, p. 83).

O Balcão de Direitos propõe um método dialógico para conceber a democratização do sistema jurídico. A estrutura vertical reveste-se sob uma aproximação horizontalizada, na qual o operador jurídico, seja advogado ou estagiário, reformula sua atitude em função os elementos culturais e axiológicos (NETO, 2001). Isso pressupõe uma inversão da lógica jurisdicional, onde o operador jurídico deve entender e interpretar o meio social e não o contrário. Para evitar o distanciamento entre referências, propõe-se a construção de uma mediação discursiva, onde cada ator intermedia o seu meio em função das demandas e problemas expostos.

Vale dizer, se a argumentação jurídica tem como objetivo promover o convencimento do jurista, mas também do homem comum, ela tem que abrir mão de justificar tecnicamente as decisões judiciais. Ela deve lançar mão de argumentos emergentes da realidade social; deve buscar satisfazer as expectativas normativas geradas espontaneamente no espaço público; deve, portanto, operar também como o senso comum. Ao contrário do positivismo jurídico, a tópica possui preocupação fundamental de se coadunar com a teoria democrática (NETO, 2001, p. 89).

Além de fortalecer o reconhecimento mútuo, a tecnologia social conduz a uma postura deliberativa, na qual os demandantes são sujeitos ativos da estrutura dialógica. O protagonismo dos atores sociais é outro fator de sucesso para promoção do direito, sendo aberto um espaço de discussão sem elementos de coação interna e externa.

Nessa função de criar um ambiente adequado ao diálogo, o Balcão assume especialmente o papel de oprimir coações físicas e morais e de equilibrar a relação entre os litigantes, facultando ambos a mesma possibilidade de participar do diálogo. Nesse sentido, a perspectiva tópico-retórica deve ser complementada com as reflexões contemporâneas levadas a efeito por outros autores vinculados à teoria da argumentação. No intuito de identificar um ambiente ideal para o diálogo, autores como Jürgen Habermas e Robert Alexy elaboram um grupo de regras balizadoras da interação discursiva. (...) Tais regras correspondem ao conceito habermasiano de situação ideal de diálogo. (...) Tais regras são as seguintes: 1) Todo o envolvido pode participar do discurso; 2) a) Todos podem questionar qualquer afirmação; b) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades; 3) Nenhum participante pode ser impedido através de uma coação interna ou externa de exercer os direitos estabelecidos em 1 e 2 (NETO, 2001, p. 91-92).