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Breve discussão sobre o mercado de trabalho brasileiro no período anterior à década de 1990

CAPÍTULO II – NOVO PADRÃO DE ACUMULAÇÃO, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE

2.1. A dinâmica macroeconômica a partir dos anos 90 e a nova configuração do mundo do trabalho

2.1.1. Breve discussão sobre o mercado de trabalho brasileiro no período anterior à década de 1990

O mercado de trabalho brasileiro é historicamente caracterizado pela heterogeneidade. A constituição de uma economia industrial complexa, diversificada e integrada no Brasil foi incapaz de superar as desigualdades gestadas desde o período colonial. Esse fenômeno, em grande parte, foi determinado pela alta velocidade da urbanização que se

processou no país, associada à manutenção de uma estrutura fundiária concentrada (OLIVEIRA, 1998:118-9). Nesse contexto, apesar do dinamismo do mercado de trabalho urbano (em especial no período compreendido entre 1950 e 1980), a rapidez do processo de migração despejou nas cidades um contingente de população que não pôde ser totalmente absorvido no mercado de trabalho formal capitalista. Conforme argumenta Tavares (1998b:88-90), essa população urbana, mesmo tendendo a ser transformada em “improdutiva” e vivendo miseravelmente, se tornou forçosamente consumidora, já que não dispunha de condições de reverter “a produção e consumo de subsistência”. Para atender a esse mercado de massas, de baixo poder de compra, multiplicaram-se nas brechas dos grandes mercados urbanos, de forma “intersticial”, “relações informais” de trabalho. Como resultado, a ampliação do assalariamento e da formalização das relações contratuais nesse período foi acompanhada da reprodução de formas de integração precárias, instáveis e sem garantias de direitos trabalhistas35. A manutenção do perfil desigual da distribuição de renda brasileira esteve, assim, estreitamente vinculada a essa configuração da estrutura ocupacional36.

Na década de 1980, as condições gerais do mercado de trabalho brasileiro agravaram- se. A orientação da política econômica norte-americana adotada a partir de 1979, com todos os seus efeitos já discutidos no capítulo anterior, acarretou uma interrupção do fluxo de crédito externo no Brasil, evidenciando as fragilidades do modelo desenvolvimentista em voga desde 1930 – fortemente dependente da absorção de recursos externos. Diante desse cenário, o padrão de acumulação comandado pela articulação dos interesses do capital externo, do Estado e do capital privado nacional foi inviabilizado.

35 Em “Crítica à razão dualista”, de 1972, Francisco de Oliveira argumenta que a persistência de formas de ocupação precárias no interior do capitalismo brasileiro contribuiu para o rebaixamento do custo da mão-de-obra em que se apoiava a nossa acumulação sendo, portanto, parte funcional do desenvolvimento moderno do país. Exemplo patente dessa organicidade refere-se à oferta ilimitada de trabalho que a mão-de-obra precarizada representa para o setor capitalista formal, o que até hoje é condição para a manutenção em níveis baixos dos salários em geral.

36 O perfil desigual da distribuição de renda brasileira se agravou consideravelmente a partir de meados dos anos 60. Apesar desse período ter sido caracterizado pela rápida expansão da produção e da produtividade, o regime militar provocou um esvaziamento político das representações populares. Com o bloqueio da ação sindical, colocou-se em prática no país uma legislação salarial definida sem participação popular e pôs-se fim à estabilidade no emprego, aumentando a insegurança no emprego e a desigualdade entre os assalariados. Esses fatores ampliaram ainda mais a diferenciação do mercado de trabalho brasileiro e o leque salarial (OLIVEIRA, 1998:120-3).

A brusca interrupção dos recursos externos, associada à reorientação da política econômica – que se voltou prioritariamente para o ajuste do balanço de pagamentos37 – condicionaram seriamente o desempenho da economia brasileira na década de 80. Nesse quadro, a resposta ao desequilíbrio das finanças públicas induziu transformações na orientação e articulação do crescimento econômico. O capital privado nacional teve seu caráter tradicionalmente conservador e patrimonialista exacerbado nesse período, às custas da deterioração do Estado (POCHMANN e MATTOSO, 1998:221).

Apesar da gravidade da crise, cujas maiores expressões foram a estagnação econômica e a inflação, a estrutura produtiva do país foi relativamente preservada38. Nesse contexto, as taxas de desemprego, que se elevaram consideravelmente na recessão dos primeiros anos da década, retornaram a níveis relativamente baixos no final da década de 1980. A sustentação do nível de emprego, contudo, dependeu basicamente da capacidade de absorção das atividades terciárias – comércio e prestação de serviços – que tradicionalmente oferecem empregos de qualidade inferior aos ofertados pela indústria. Segundo dados da Pnad, o setor terciário foi responsável pela criação de mais de três quartos do total das novas ocupações do período 1981-1989. Constatou-se, ainda, uma redução da participação das remunerações do trabalho na renda total, principalmente em razão das elevações desproporcionais dos preços dos bens e serviços, da taxa de câmbio e da taxa de juros comparativamente às variações no valor nominal dos salários (BALTAR, DEDECCA e HENRIQUE, 1996:93-5). Diante desse quadro, a piora da distribuição de renda constituiu a principal característica do período39 (DEDECCA, 2005:103).

37 Segundo Carneiro (2002:146-7), os dados macroeconômicos da década de 80 apontam uma incompatibilidade

entre a preservação do superávit comercial e o aumento do investimento, cuja origem advém tanto da ampliação das importações como da insustentabilidade do ritmo ascendente das exportações ante o crescimento sustentado da absorção doméstica. Assim, a impossibilidade da conciliação entre transferência de recursos reais para o exterior e o crescimento sustentado tem sua expressão maior no mau desempenho do investimento.

38 A elevada proteção do mercado doméstico para as empresas que operavam no país permitiu que elas se adaptassem

à redução da demanda interna. As grandes empresas, em especial, puderam compensar as menores vendas praticando maiores margens de lucro no mercado interno e redirecionando parte da produção para o mercado externo, usufruindo de grandes incentivos às exportações. Esse modo particular de adaptação das empresas contribuiu para manter praticamente intacta a estrutura produtiva nacional (BALTAR, DEDECCA E HENRIQUE, 1996:96-7).

39 Em 1980, o Coeficiente de Gini no Brasil situava-se em 0,59, tendo aumentado para 0,64 em 1989 (fonte:

Conforme enfatizam Baltar, Dedecca e Henrique (1996:91), a deterioração das condições de vida da população brasileira só não foi mais pronunciada na década de 1980 devido à presença de alguns fatores compensatórios: (i) a experiência continuada de vida urbana sob condições de redemocratização, que possibilitou uma crescente organização social e uma maior pressão sobre o Estado para que este equacionasse os graves problemas sociais; (ii) o forte aumento do emprego público, principalmente nas atividades sociais; (iii) a redução acentuada do crescimento da população, do ritmo das migrações rural-urbana e, portanto, da população urbana; e, por fim, (iv) a manutenção praticamente intacta da estrutura produtiva nacional, que não se modernizou, mas também não sofreu grandes regressões ou reestruturações. Somam-se a esses fatores a intensificação das exportações, incentivada pelo governo com o objetivo de gerar excedentes para o pagamento da dívida externa.