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A evolução institucional e a operação das políticas públicas de auto-ocupação: o caso do

CAPÍTULO II – NOVO PADRÃO DE ACUMULAÇÃO, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE

2.2. A arquitetura do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda e as políticas de auto-ocupação

2.2.2. A evolução institucional e a operação das políticas públicas de auto-ocupação: o caso do

Algumas experiências localizadas de políticas de incentivo à auto-ocupação vinham sendo adotadas no país antes da década de 1990. Desde os anos 70, começaram a florescer em certas localidades organizações não-governamentais – ONGs sem fins lucrativos com o apoio de organismos técnicos e financiadores internacionais. Segundo Mezerra e Guimarães (2003:60), em publicação da OIT, esse movimento prosseguiu ao longo dos anos 80, mas até o final dessa década apenas 15 organizações de microcrédito, aproximadamente, operavam no Brasil.

Além do reduzido número de instituições de microcrédito, suas ações não se articulavam entre si, muito menos ao SPETR. Dessa forma, apenas a partir de 1994, quando foi criado o Proger, é que se iniciou o processo de constituição de condições jurídico-institucionais para que o governo federal pudesse coordenar programas nacionais de estímulo à auto-ocupação. Além de oferecer funding para o microcrédito por intermédio dessa política, o Estado preocupou- se em instituir um marco regulatório próprio, definindo, assim, a amplitude e o conteúdo dos programas de incentivo à auto-ocupação no Brasil. Desde esse momento, proliferaram instituições públicas e privadas com o objetivo de conceder pequenos empréstimos produtivos a

“empreendedores populares”.

Conforme já destacado, o Proger foi efetivado em 1995, tendo como agentes financeiros, inicialmente, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste – BNB. Posteriormente, foram incluídos a Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, o próprio BNDES, a Caixa Econômica Federal e, mais recentemente, o Banco da Amazônia – Basa, todas instituições públicas de crédito. A operacionalização do programa ocorre via “depósitos especiais” de recursos dos FAT nas instituições financeiras, que devem conceder crédito aos tomadores finais e remunerar os recursos do FAT segundo o seguinte critério: no caso de permanência dos recursos na instituição, esse eventual saldo sem aplicação deve ser remunerado ao FAT pela Selic; a partir do desembolso do empréstimo ao tomador final, o saldo passa a ser remunerado pela TJLP.

Nos primeiros anos de operação do Programa, verificou-se um número de operações de crédito muito abaixo do que se esperava. Conforme apresentado no Gráfico 2.7 da seção anterior, no ano de 1995, foram realizadas apenas 92,2 mil operações no âmbito dos Programas de Geração de Emprego e Renda, tendo esse valor se elevado para 252,7 mil e 493,3 mil nos dois anos seguintes. Além do baixo número de operações, observou-se também que a expansão do Programa à área rural, tanto pela criação do Proger Rural, quanto pela inclusão do Pronaf, absorveu parte considerável dos depósitos especiais alocados nas instituições oficiais. Entre 1995 e 1997, apenas 13% do total aplicado nos Programas de Geração de Emprego e Renda destinaram-se ao Proger Urbano, concebido para ser o “carro-chefe” dessa nova política.

As linhas de financiamento rural, na verdade, eram bastante semelhantes aos programas de crédito agrícola mais tradicionais, que historicamente já vinham sendo oferecidos pelo Banco do Brasil, com seus recursos próprios. Em geral, portanto, elas não garantiam a oferta de crédito aos setores normalmente excluídos do mercado financeiro, nem a seleção de setores geradores de emprego, visto que essas unidades produtivas já vinham se beneficiando do crédito rural há mais tempo e sua capacidade de gerar empregos é sabidamente mais baixa que a dos empreendimentos urbanos (GUIMARÃES, 1998:204). A destinação de maior parte dos recursos do FAT para o custeio agrícola estava certamente associada à existência prévia de tecnologia de concessão de crédito a esse público.

Uma das principais razões levantadas na época para o reduzido número de operações do Proger Urbano era a de que, na prática, as instituições financeiras criavam muitos entraves à liberação dos empréstimos, o que acabava prejudicando os pequenos tomadores, justamente aqueles que deveriam ser beneficiados pelo programa. A criação do Proger tinha como premissa facilitar o acesso ao crédito para grupos que, até então, tinham pouco ou nenhum contato com o sistema bancário tradicional. Juntamente com os recursos, os beneficiários deveriam receber assistência técnica e gerencial como forma de instrumentalizar a gestão dos negócios e garantir retorno financeiro à atividade. A disponibilidade dos recursos do FAT, entretanto, não mudou substancialmente a sistemática de operação das instituições financeiras. Na maioria das vezes, os pretendentes ao crédito tinham que se adequar às exigências tradicionais de garantias dos bancos, e a assistência técnica e gerencial era quase inexistente. Segundo o relatório de avaliação do IBASE, contratado pelo MTE para analisar os três primeiros anos de existência do Programa:

Uma questão crucial para a continuidade e desenvolvimento do Proger é o modo como os beneficiários se relacionam com os agentes financeiros. Sem normas operacionais claras e, sobretudo, sem atuação em parceria com os governos, comissões e diferentes atores locais, o potencial público do programa vira somente uma fração dos tradicionais clientes dos bancos. Há necessidade de formatação de normas bancárias que se adéqüem à realização de operações de crédito de menor valor que as usuais do sistema bancário. Como uma política pública, o Proger deve ser gerido na busca do maior interesse público, diferenciado das tradicionais linhas de crédito para clientes (IBASE, 1999:83).

Em função dessa ausência de controle sobre a operacionalização dos recursos do Proger, boa parte dos recursos do programa foi destinada a empreendimentos de médio porte. O elevado valor médio dos recursos emprestados pelo programa nesses primeiros anos – R$4.634, no caso do Banco do Brasil, e R$ 10.141,00, no caso da Caixa Econômica Federal (MTB, 1999) – sugere que os beneficiários desses empréstimos dificilmente eram pequenos empreendimentos, artesãos ou cooperativas populares, reais destinatários dos recursos do FAT78.

A partir dessas constatações, algumas medidas foram tomadas pelo MTE visando redirecionar os critérios de uso dos recursos do FAT no âmbito dos Programas de Geração de Emprego e Renda. A instituição do Fundo de Aval para o Programa de Geração de Emprego e Renda – Funproger, em 1999, foi o mais importante instrumento criado. Naquele momento, foi compreendido pelo Ministério do Trabalho que as exigências de garantias pelos agentes financeiros desviava o programa dos seus objetivos, criando entraves à concessão de recursos aos pequenos empreendedores. Acreditava-se, dessa forma, que a distribuição do risco entre o Banco, o beneficiário e um Fundo de Aval tornaria as concessões de crédito menos seletivas, ampliando o programa para os grupos mais pobres:

Um dos problemas de focalização do Proger é que as exigências de garantias pelos agentes financeiros desfoca o programa dos grupos localizados na base da pirâmide social. Os Bancos, ao assumirem o risco sozinhos, são seletivos na concessão de crédito, excluindo muitos dos demandantes mais necessitados. A distribuição do risco entre o Banco, o beneficiário e um Fundo de Aval ampliaria o programa para os grupos mais pobres da população (MTE, 1998a: 23).

Acreditava-se, assim, que o descompasso entre os objetivos sociais do Proger e as exigências dos bancos, que operam segundo critérios puramente econômicos, poderia ser superado com a instituição desse mecanismo. O Fundo de Aval, todavia, apenas desonerou os bancos da tarefa de melhorar suas tecnologias de crédito para pequenos empreendedores, transferindo parte do risco das operações para o FAT.

78 A exceção a essa regra ficou a cargo no Banco do Nordeste, que sempre teve sua forma de atuação mais de acordo

com os princípios do Proger (AZEREDO, 1998:146). Essa instituição financeira, desde o início das operações do Proger, disponibilizou funcionários para atuarem como agentes comunitários de crédito e flexibilizou as exigências formais e as garantias para a concessão do crédito, desenvolvendo uma tecnologia própria para a operacionalização desse programa.

Esse instrumento, por outro lado, favoreceu realmente a expansão do número de operações de crédito no âmbito do Proger Urbano nos anos 2000, conforme aponta o Gráfico 2.9. Entretanto, isso não significa que o problema tenha sido resolvido. A dificuldade de acesso aos empréstimos pelos pequenos tomadores persistiu. Isso porque apesar do surgimento do Funproger, que, na prática, reduz o risco de crédito das instituições financeiras que operam esses depósitos especiais remunerados do FAT, a decisão final sobre o direcionamento das operações de crédito continua a ser uma atribuição de exclusiva responsabilidade das instituições financeiras, fato que se mantém como limite a uma utilização mais efetiva dessa fonte de recursos como política pública de garantia de acesso ao crédito aos pequenos empreendedores.

Gráfico 2.9 – Evolução do número de operações e valor total dos empréstimos realizados no âmbito do Proger Urbano * (Brasil: 1995-2005)

0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000

Número de Operações em milhares Valores anuais em R$ milhões de cada ano

Fonte: CGER/MTE

* Inclusive FAT Empreendedor Popular e Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO. Elaboração própria.

Outro redirecionamento dado às políticas de estímulo à auto-ocupação nessa época refere-se ao revigoramento do Programa de Crédito Produtivo Popular – PCPP, do BNDES. Embora lançado em 1996, o programa tentou ampliar ostensivamente sua política de apoio aos

microempreendedores no início do ano 2000. A intenção era superar o problema da natureza do agente financeiro estimulando a constituição de uma rede de instituições públicas ou privadas apta a fornecer crédito a pequenos empreendedores. Esse modelo, entretanto, não conseguiu enfrentar com sucesso o desafio de desenvolver uma tecnologia de crédito que compatibilizasse agilidade na concessão com custos compatíveis. Além disso, a capacidade do BNDES controlar as instituições era limitada, tornando-se clara a flexibilidade do programa quanto aos critérios de enquadramento dos tomadores finais, às taxas, aos prazos e demais condições das operações. Nesse contexto, o Programa operou até 2003, e havia financiado, até então, apenas 416,5 mil empreendimentos.

Em 2002, foi criado um novo programa de microcrédito com recursos do FAT, o FAT Empreendedor Popular, que também buscou expandir a capacidade de financiamento de pequenos empreendimentos no Brasil. A principal lacuna que este programa objetivou preencher refere-se ao financiamento de operações de capital de giro, pois o diagnóstico do MTE, nesta ocasião, era que o financiamento exclusivo a investimentos em capital fixo retirava muitos empreendedores populares do universo de beneficiários. O FAT Empreendedor Popular foi criado, assim, como parte do Proger Urbano.

Em julho de 2003, novos mecanismos foram criados com o objetivo de facilitar o acesso aos produtos financeiros à população excluída do mercado de crédito tradicional. Naquela ocasião, resolveu-se conceder crédito aos microempreendedores e à população de baixa renda no valor de até R$1.000 para investimento e R$600 para consumo, à taxa máxima de 2% ao mês, tendo por fonte 2% dos depósitos à vista captados pelas instituições financeiras, conforme autorização da Lei nº 10.735/2003. A política de microcrédito do Governo Federal passou, então, a abranger bancos comerciais e bancos múltiplos com carteira comercial, além das instituições públicas de crédito que já operavam o Proger. Os recursos não aplicados nos termos desta Lei passaram a ser recolhidos ao Banco Central do Brasil, sem remuneração. Pela primeira vez, portanto, o Governo Federal definiu regras mais rígidas sobre a alocação dos recursos direcionados ao microcrédito.

Após o primeiro ano de execução, entretanto, o Governo Federal diagnosticou que o microcrédito no Brasil ainda apresentava um volume muito abaixo do potencial existente e, além disso, estava sendo direcionado essencialmente às demandas de consumo (em mais de 95% das operações), e não às demandas de crédito produtivo. Segundo documento do Ministério da Fazenda, o microcrédito, dessa forma, “ainda não estava atendendo em sua plenitude a sua finalidade de prover recursos aos microempreendedores que não têm acesso às linhas de crédito do sistema financeiro convencional, de modo a propiciar-lhes as mínimas condições para o incremento de seus empreendimentos, normalmente situados na informalidade” (MF, 2004:62).

Portanto, ainda na direção de tentar expandir as linhas de crédito com recursos dos depósitos especiais remunerados do FAT, mas incluindo também a fonte de recursos dos 2% dos depósitos à vista das instituições financeiras, foi criado, em 2004, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO79, instituído com o objetivo declarado de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares. A fundação desse programa fez parte da agenda social do Governo Lula, que prometeu priorizar a inclusão social por meio do estímulo à auto-ocupação no seu governo.

A operação do PNMPO com recursos do FAT ficou a cargo das instituições financeiras oficiais que já operavam o Proger. Bancos comerciais e bancos múltiplos com carteira especial continuaram operando com a parcela dos recursos de depósitos à vista. A novidade em relação ao Programa foi que sua execução contou também com as ONGs, suprindo em parte a lacuna deixada pela extinção do PCPP. Na verdade, assumiu-se que os agentes financeiros operadores do Proger jamais ofereceram assistência técnica e gerencial de forma sistemática aos beneficiários do programa. Esse tipo de serviço, denominado pelo programa “microcrédito orientado”, passou a ser obrigatório apenas no âmbito do PNMPO, executado por intermédio das Instituições de Microcrédito Produtivo Orientado - IMPO: ONGs com certificado do Ministério da Justiça para operarem microcrédito (Organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP), cooperativas de crédito, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor - SCM e agências de fomento80. As instituições financeiras foram também autorizadas a operar

79 O programa foi instituído pela Lei nº 11.110, de 25 de abril de 2005.

80 Para atuar como IMPO no PNMPO, a instituição deve se cadastrar, firmar termo de compromisso e obter

diretamente com o microempreendedor, desde que constituíssem estrutura própria para a operação (MF, 2004:61-63).

Assim, a exigência do agente de crédito na relação que se estabelece entre o MTE e os microempreendedores de baixa renda é provavelmente o aspecto mais evidente a diferenciar esse tipo de programa do conjunto de iniciativas existentes até então. Os beneficiários desse programa foram também bem definidos: microempreendedores com renda bruta anual de até R$60 mil/ano ou R$5 mil/mês, podendo o crédito produtivo ao microempreendedor chegar a até R$5 mil. Além disso, foi estabelecido que a taxa de juros para o tomador final seria de, no máximo, 2% ao mês.

As demais linhas do Proger passaram a fazer parte de um projeto de “bancarização” – como ficaram conhecidas as modalidades de concessão de microcrédito popular de natureza não assistida pelos agentes executores. Nesses casos, portanto, inexiste a obrigatoriedade do agente de crédito.

Já no final de 2004, contudo, percebeu-se que o volume de crédito emprestado no âmbito do PNMPO continuava abaixo das expectativas do Governo Federal. As instituições financeiras privadas, em especial, acabaram recolhendo parte considerável dos 2% dos depósitos à vista ao Banco Central, sem qualquer remuneração. Segundo Madi e Gonçalves:

[...] banks did not achieve the microcredit goals and they have preferred to compulsory collect those resources at the Brazilian Central Bank. The private retail banks consider that the lack of real guarantees and the cost of deposits are incompatible with the charge of a monthly interest rate of 2% in microcredit loans, such as the government policy established. In this way, the evidences signalize that private banks are not interested in the operations of regulated microcredit because their perception is of low return, given high levels of risk and costs of transactions (MADI e GONÇALVES, 2005:15).

A fim de induzir a expansão do microcrédito produtivo, o Conselho Monetário Nacional – CMN, nos termos da Resolução nº 3.229/2004, autorizou as instituições de microcrédito a cobrarem taxas superiores a 2% ao mês, mas limitada a 4% ao mês, desde que os

recursos fossem direcionados ao crédito produtivo orientado. A taxa máxima de 2% ao mês passou a valer para as demais linhas do Proger, desobrigadas a prestarem assistência aos beneficiários do programa.

Em novembro de 2006, novas medidas do Governo objetivaram flexibilizar os critérios para que as instituições financeiras pudessem elevar o número de operações no âmbito do Proger. Em outubro, os bancos deveriam ofertar nessa modalidade R$ 1,6 bilhão. No entanto, as aplicações somaram apenas R$ 986 milhões. Ou seja, apenas 58% do total foi emprestado. Nesse contexto, as operações de crédito com pessoas físicas passaram de R$ 600 para R$ 1.000. No caso das operações para empreendimentos produtivos, o limite foi elevado para R$ 3 mil. O CMN decidiu também dobrar o limite do microcrédito orientado, que passou para R$ 10 mil com taxa de abertura de crédito de 3% (Esta decisão ratifica a Resolução nº 511, do Codefat).

Portanto, a contínua tentativa do Estado em expandir as linhas de crédito ao pequeno empreendedor e flexibilizar os critérios de aplicação de recursos do FAT reflete dificuldades intrínsecas à arquitetura dos Programas de Geração de Emprego e Renda. Enquanto o poder de decisão da concessão de crédito for exclusivamente das instituições financeiras, acredita-se que os resultados desses programas continuarão muito tímidos no que diz respeito à criação de uma rede de microcrédito no país que atinja, de fato, seu público-alvo. A utilização de canais privados para a implementação de uma política pública submete seus resultados a uma lógica de valorização do capital. Madi e Gonçalves, atentos a esse problema, enfatizam:

[...] microcredit is oriented to capital valorization: the accumulation of private wealth is its finality. In the process of banking inclusion, credit is oriented by economic objectives (MADI e GONÇALVES, 2005:14).

Nesse sentido, a baixa difusão das operações de microcrédito no Brasil é fruto do desinteresse de bancos públicos e privados atuarem com a população excluída do mercado de crédito tradicional. Esses bancos, indiferenciadamente, atuam sob uma lógica de mercado, inseridos em um contexto de financeirização acentuada, marcado por altas taxas de lucratividade e liquidez. De fato, as altas taxas de juros do país contribuem para um cenário em que bancos ganham excelente rentabilidade emprestando ao governo recursos tomados de agentes privados.

Evidentemente, essa situação alimenta o desinteresse dos bancos em emprestar recursos ao setor privado, principalmente aos pequenos empreendedores. Sob a ótica dos agentes financeiros, os beneficiários desses programas – transfigurados em clientes bancários – realizam operações de baixos retornos, elevados riscos e altos custos de transação. Ou seja, não consomem produtos e serviços bancários que representem importante fonte de rentabilidade. Conforme destacam Gonçalves e Madi (2006), enquanto portifólios especulativos e de curto-prazo predominam no sistema bancário, o microcrédito é apenas uma parte da estratégia de segmentação para atingir a inclusão bancária.

Sob essa perspectiva, o que se observou no país foi que os vários programas que ganharam corpo desde 1995 não conseguiram estabelecer uma definição clara do seu público- alvo, sendo bastante questionável a capacidade de eles atingirem um universo significativo de pequenos empreendimentos. Na verdade, as características que assumiram a oferta de microcrédito pelas instituições de microfinanças brasileiras aproximaram-se do modus operandi das instituições bancárias tradicionais. De forma geral, todas elas operam com taxas de juros, sistemas de garantias e destinações das aplicações que seguem a lógica do sistema bancário tradicional (BOTELHO e RIBEIRO, 2006).

Dessa forma, a trajetória institucional do Proger revela as dificuldades de operacionalização de um programa de cunho social que utiliza canais de implementação que seguem uma lógica privada. O desinteresse das instituições financeiras em operarem com programas voltados a clientelas normalmente excluídas do mercado de crédito é nítido. Os limites à implementação de políticas públicas que passam por decisões privadas – que têm como única finalidade a acumulação de riqueza privada – não devem ser ignorados. Eles obstaculizam sobremaneira o caráter social dessas ações.