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Capítulo 1 – Eixos de discussão

1.3. Campus, território universitário e universidade

1.3.1. Breve histórico

De acordo com Gelson Pinto (2009), a universidade surgiu como uma institui- ção urbana, propiciada pelo desenvolvimento urbano e cultural europeu, bem como pela expansão do uso da escrita. Nas cidades, com a possibilidade da divisão do trabalho, surgiam os ofícios. O termo universidade vem de universi- tas, palavra latina que significava, simplesmente, corporação. Era utilizado para denominar as corporações de ofício de comerciantes ou artesãos, que exerci- am o mesmo tipo de trabalho, organizados por um estatuto. Entre elas havia a

universitas de mestres e estudantes, que se associavam para obter alguma autonomia em relação aos poderes religioso e civil. Apenas posteriormente o termo universidade passou a ter o significado atual de universalidade do saber, que não tinha inicialmente.

Desde a Universidade de Bolonha (1088), considerada a mais antiga, as uni- versidades passaram por muitas transformações e assumiram diferentes confi- gurações espaciais. Ocuparam por vezes espaços em instituições religiosas e palácios, e assumiram a forma de bairros universitários, colleges integrados ao tecido urbano, campi afastados dos centros urbanos, e cidades universitárias já no século XX, resultantes da fusão dos campi americanos com a tradição euro- peia.

Esses espaços de ensino superior passaram por um longo período de transformações, de simples classes em salas alugadas a edifícios com localização e propósitos definidos. Começaram a fazer parte das cidades e inauguravam uma nova categoria de prédios urbanos (PIN- TO, 2009, p. 33).

Nos primórdios da universidade, os professores ministravam cursos em sua própria casa ou em salas alugadas, em troca de salários ou taxas pagas pelos estudantes. As salas de aula eram rudimentares, geralmente mal ventiladas e iluminadas, em edificações de barro ou madeira (Fig. 23). Na ocasião de as- sembleias e cerimônias, utilizavam-se conventos ou igrejas. A procura pelas universitas aumentou, e como forma de organizar o número crescente de estu- dantes que vinham para as cidades, as administrações locais criaram hospeda- rias para os alunos.

Segundo Pinto (2009), em contraste com a origem modesta das universidades, a partir do século XV, houve um processo de aristocratização, em que os estu- dantes mais pobres foram direcionados a cursos mais curtos. As universidades passaram a aspirar prédios próprios e requintados ou construíam instalações para isso (Fig. 24). Nas novas universidades eram previstas dotações de pré- dios que agora incluíam bibliotecas. Nessa ocasião a Faculdade de Medicina de Paris adquiriu um palácio para se instalar.

Fig. 23 Classe rudimentar na Universi- dade de Bolonha (1350s). Laurentius de

Voltolina Fonte: Wikipédia.com

Fig. 24 Gravura antiga da Universidade de Sorbonne Fon-

te: http://sopesci.com.br

Fig. 25 Vista aérea de colleges da Uni- versidade de Oxford

Fonte: https://www.oxfordna.org/colleges

Fig. 26 Vista aérea do Campus da Uni- versidade de Virginia

Fonte: http://ipma.org/virginia-road-show- agenda/

Na Inglaterra, em Oxford e Cambridge surgiram os colleges, estabelecimentos destinados muitas vezes a estudantes pobres, em regime de internato. O perí- odo foi marcado por um número inédito de estudantes que ingressou nos estu- dos. Os colleges eram inspirados nos claustros medievais e muitos deles foram implantados em edifícios religiosos. Consistiam em espaços simples, com um claustro central gramado, em forma quadrangular, que articulava os ambientes e servia para reuniões e circulação, cercado por edifícios de dois andares. A igreja tinha posição de destaque neste conjunto edificado. As construções eram em geral feitas de pedra e remetiam ao estilo gótico, como em Oxford (Fig. 25); ou às cottages, casas de campo inglesas (PINTO, 2009). Os colleges costuma- vam ficar próximos entre si e se localizavam nos limites das cidades, sem esta-

belecer um território a parte. Compunham com seus edifícios uma mescla com a cidade. “As escolas se integravam à malha urbana e constituíam elementos de seu crescimento” (PINTO, 2009, p. 34).

Os Estados Unidos herdaram a linha dos colleges ingleses, com algumas dis- tinções e inovações. Uma delas foi a criação de colleges individuais, separados entre si e com mais autonomia. Pinto (2009) afirma que mesmo sendo herdei- ras das universidades de Oxford e Cambridge principalmente, a característica mais marcante das universidades americanas é sua instalação no campo e não na cidade.

A romântica noção de uma escola na natureza, separada das forças corrup- toras da cidade, tornou-se um ideal norte-americano. [...] Esse ideal é tão forte nos EUA que mesmo as escolas localizadas nas cidades, onde a terra é mais escassa, procuram áreas que simulem de alguma forma, com muito verde, um rio ou um lago, uma espacialidade rural (PINTO, 2009, p.36-37).

Segundo Mahler (2015) a concepção dos campi, surgidos na América do Norte, tinha como objetivo a ocupação das extensas áreas colonizadas, o estabeleci- mento de vilarejos e o desenvolvimento regional. Eram, portanto espaços loca- lizados em áreas rurais, com edificações concebidas em conjunto. Pinto (2009) afirma que a própria denominação campus, campo em latim, remete a uma vi- são agrarista. Assim, a semelhança entre os modelos do college e do campus se restringe ao fechamento e especialização dos dois, características que seri- am supostamente indispensáveis à preservação do conhecimento.

Dentre os campi, o da Universidade de Virginia (Fig. 26), concebida por Tho- mas Jefferson em 1819, é emblemático, tendo sido o primeiro projeto completo de um campus universitário (MAHLER, 2015). Essa universidade nasceu da necessidade de integração entre os diversos e novos campos de conhecimen- to. Foi a primeira instituição pública sem ligação com a igreja, de modo que a biblioteca, e não mais a capela, marcava o centro do conjunto edificado. A uni- versidade, implantada em uma fazenda, tinha características antiurbanas, com terreno extenso, limites definidos, edifícios individualizados, distribuídos em uma ocupação rarefeita que evocava o bucolismo. Tinha também todos os ser- viços necessários para que o estudante se dedicasse exclusivamente aos es- tudos, modificando definitivamente a espacialidade da universidade.

O território para o ensino e aprendizado ampliava-se do prédio para o câmpus, uma grande área projetada, fechada e com regras, costu- mes e leis próprias (PINTO, 2009, p. 38).

A experiência do campus de Virginia repercutiu em outros projetos e acabou consolidando-se como modelo de campus norte-americano. Cabe aqui um pa- rêntese para a figura de Frederick Law Omsted que, de acordo com Coulson (2011 p. 13, apud MAHLER, 2015 p. 94), destacou-se no processo de consoli- dação, ao estabelecer a paisagem como componente do projeto. De acordo com Mahler (2015), a natureza, revalorizada no período pós-industrial, passou a ser uma das determinantes no planejamento de campus, e buscava-se a pro- ximidade de lagos e montanhas para sua localização. Foram projetos de Olms- ted as universidades de Berkeley, Amherst, Gallaudet College, Stanford Uni- versity e Maine (Fig. 27), entre outros (FEIN, 1972, p. 37).

Fig. 27 Ilustração de Olmsted para a University of Maine (1867) Fonte: https://www.nps.gov

Os conceitos adotados para o campus de Virginia foram disseminados não apenas nos EUA, mas ao redor do mundo industrializado, devido à expansão do ensino superior e do avanço científico e tecnológico. O modelo se consa- grou especialmente em países da América do Sul, como o Brasil, no séc. XX. "A ideia de campus estava estabelecida e passava a representar o local, por excelência, do trabalho acadêmico universitário" (PINTO, 2009, p.41).

No século XX surgem as cidades universitárias, mesclando características do campus americano com a tradição europeia urbana. Pinto (2009) chama aten- ção ao fato de que, muitas vezes, educadores, urbanistas e estudiosos utilizam as expressões campus e cidade universitária como sinônimas. E esclarece as distinções entre um e outro:

Para nós [brasileiros], cidade universitária é uma região delimitada, autôno- ma, regida pelas regras acadêmicas. Inicialmente situada nos arredores de grandes cidades, com o tempo acabava sendo envolvida por elas. Por sua vez, o câmpus universitário, apesar de se situar numa área delimitada, de- pende diretamente da infraestrutura da cidade que o cerca (PINTO, 2009, p. 17).

Pinto afirma que diante dessas características, a cidade universitária não che- gou a se concretizar de fato no Brasil, pois nunca atingiu a necessária autossu- ficiência em serviços, moradia etc. Apesar disso, alguns campi são assim cha- mados, como a Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira da Universi- dade de São Paulo.