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1.2 A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA: Caminhos que se Descortinam

1.2.2 Breve Histórico da Economia Popular Solidária

Os escritos de Singer (2002) mostram que a economia popular solidária surgiu pouco depois do capitalismo industrial, como resposta à terrível condição de empobrecimento dos artesãos, consequência da difusão de maquinário e da organização fabril da produção. Naquele período, no interior das fábricas, o proletariado sofria com a exploração do trabalho que não tinha limites legais. De crianças a adultos, todos eram submetidos às longas jornadas de trabalho, provocando enfraquecimento físico e a elevada morbidade e mortalidade. Cabe salientar que essa exploração da força de trabalho ameaçava, inclusive, a reprodução biológica do proletariado.

Após um longo ciclo de guerras, provocado pela Revolução Francesa, a economia da Grã-Bretanha entrou em profunda depressão, provocando o desemprego daqueles trabalhadores envolvidos com a produção bélica e, consequentemente, agravando a situação de fome e miséria da classe proletária. O industrial Robert Owen24, preocupado com esse cenário de crise e disposto a conter a pobreza, dando condições aos desempregados de sobreviverem sem a dependência do assistencialismo promovido pelas paróquias, propôs a criação das “aldeias cooperativas”. Na concepção dele, essas aldeias possibilitariam a vida em comunidade, promoveriam a produção coletiva e a troca das mercadorias produzidas com outras cooperativas. Como ressalta Melo Neto (2004), o industrial tentava acabar com a fome, buscando uma mudança social, reorganizando a empresa capitalista e procurando acabar com o lucro.

24 Singer entende que Robert Owen, Charles Fourier e Saint-Simon foram os clássicos do Socialismo Utópico.

E destaca Owen como grande protagonista dos movimentos sociais e políticos da Grã-Bretanha no início do século XIX (SINGER, 2002, p.38).

As ideias de Owen não foram acatadas pelo governo britânico, então o industrial dirigiu-se aos Estados Unidos, onde estabeleceu, em 1825, uma aldeia cooperativa que, segundo Singer (2002), logo sofreu sucessivas cisões. Em 1829, Owen desiste de sua criação e volta à Inglaterra.

Ainda no início do século XIX, as ideias de Owen começam a ser postas em prática por seus discípulos, que desenvolvem as sociedades cooperativas por toda parte. Essas experiências estiveram permeadas de significativas lutas contra aquela situação de vida, procurando a organização dos trabalhadores. A criação dessas aldeias significou o começo de uma luta política profunda contra o capitalismo, que foi exteriorizada, especialmente, com o movimento de sindicatos e cooperativas. A partir desse momento, os trabalhadores começam a fazer descobertas fundamentais e percebem que é importante “se reunirem em organismos políticos que possibilitassem, de forma coletiva, superar as lutas internas dos operários, de modo a poderem enfrentar a organização dos compradores de sua força de trabalho” (MELO NETO, 2004, p. 90).

Sobre essas cooperativas “operárias”, Singer (1998, p. 94) comenta:

Essas cooperativas, que podemos chamar de „operárias‟, surgem da luta de classes e muitas vezes foram criadas para enfrentar e eliminar a empresa capitalista de mercado. A ideia era ingênua, mas empolgou os trabalhadores britânicos durante as jornadas quase revolucionárias dos anos 1820 e 1830 [...].

O autor assevera que a criação dessas cooperativas ligadas à luta de classe, encabeçada pelos sindicatos, conferia uma radicalidade muito maior a essa luta. Desde então, “a estratégia de organização da produção pela via do cooperativismo foi utilizada pelos trabalhadores não para melhorar a situação dos assalariados, mas para eliminar o assalariamento e substituí-lo pela autogestão” (POLI, 2006, p. 119).

Contudo, tais cooperativas operárias lideradas pelo sindicalismo inglês não sobreviveram por muito tempo. Como assegura Lechat (2006, p. 5): “após vários êxitos e avanços democráticos, foram extintas pela feroz reação da classe patronal e pela declarada hostilidade do governo”.

Em 1844, na Inglaterra, especificamente em Rochdale-Manchester, nasceu a Society of Equitable Pioneers, primeira cooperativa de consumo, decorrente de uma greve derrotada de 27 tecelões. Esses operários criaram a cooperativa como forma de defesa econômica no contexto do capitalismo concorrencial. A famosa cooperativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale, considerada a mãe de todas as cooperativas, estabeleceu uma carta de princípios

que até hoje inspira o cooperativismo e sua legislação e é provavelmente a experiência mais exemplar, na medida em que é a primeira a ser gerida para combinar ideal social e gestão de custos (DUBEUX, 2004).

É importante lembrar que, a partir dos anos de 1870, o mundo do trabalho começou a passar por transformações, como aumento salarial nas fases de alta do ciclo de conjuntura e início do reconhecimento do direito de organização sindical e do direito à greve. Essas transformações fizeram com que os trabalhadores fossem perdendo o interesse pela autogestão, visto que “„o emprego assalariado dos operários passou a ser condição social invejável‟, bem como condição de cidadania e „objeto de desejo da grande massa dos excluídos‟” (CULTI, 2006, p. 34).

Esse interesse pelo assalariamento perdurou por muito tempo, intensificando-se depois da Segunda Guerra Mundial, com a redução dos índices de desemprego e implantação de políticas econômicas e sociais durante o período denominado “anos dourados” do capitalismo. Todavia, a partir da segunda metade da década de 70 do século XX, como apresentado no início deste capítulo, a situação mudou. O capitalismo passou por uma nova crise, trazendo como consequências altas taxas de desemprego, a falência de empresas, a precarização do trabalho e a perda dos direitos conquistados. Singer (2002, p. 110-111) descreve bem esse cenário:

Tudo isso mudou radicalmente a partir da segunda metade dos anos 70, quando o desemprego em massa começou o seu retorno. Nas décadas seguintes grande parte da produção industrial mundial foi transferida para países em que as conquistas do movimento operário nunca se realizaram. O que provocou a desindustrialização dos países centrais e mesmo países semi- desenvolvidos [sic] como o Brasil, eliminando muitos milhões de postos de trabalho formal. Ter emprego em que seja possível gozar de direitos legais e fazer carreira passou a ser um privilégio de uma minoria. Os sindicatos se debilitaram pela perda de grande parte da sua base social e consequentemente de sua capacidade de ampliar os direitos dos assalariados. Na realidade, pela pressão do desemprego em massa, a situação dos trabalhadores que continuaram empregados também piorou: muitos foram obrigados a aceitar a „flexibilização‟ de seus direitos e a redução de salários diretos e indiretos. Sobretudo a instabilidade no emprego se agravou e a competição entre os trabalhadores dentro das empresas para escapar da demissão deve ter se intensificado.

É nesse quadro de crise que a economia popular solidária ressurge em grande parte dos países. Na compreensão de Singer, a economia solidária é reinventada, transformando-se num novo cooperativismo, que passa a assumir as seguintes características: “a volta aos princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a

insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento” (SINGER, 2002, p. 111, grifo do autor).

Na primeira metade da década de 1980, houve a criação em massa de cooperativas de trabalhadores em toda a Europa. Os diversos movimentos sociais e étnicos desempenharam papel importante nesse ressurgimento e releitura da economia popular solidária, pois trouxeram uma nova compreensão do social e da sua relação com o econômico, bem como, da relação do homem com o meio ambiente.

Em síntese, as altas taxas de desemprego, a redução e a perda de direitos conquistados pelos trabalhadores, a precarização do trabalho e o crescente quadro de miserabilidade têm oportunizado o reflorescimento da economia popular solidária em todo o mundo. No Brasil, esse cenário não é diferente: a economia popular solidária tem crescido intensamente e vem apresentando-se em variadas formas.