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2.4 OS COMPONENTES CONSTITUTIVOS DA EDUCAÇÃO POPULAR

2.4.4 Participação

A educação popular é entendida como um processo dialético, transformador e participativo. Essa concepção de educação prioriza a reorientação da vida social dos grupos populares. A dimensão política humanística dessas práticas educativas desenvolvidas no interior de empreendimentos econômicos solidários populares estimula a transformação da realidade por meio da leitura crítica e consciente do mundo. Tais ações estão voltadas à conquista coletiva da igualdade, da liberdade e da justiça.

A participação torna-se a mola propulsora da dinâmica educativa, objetivando assegurar a conscientização de grupos populares para a elaboração de alternativas que busquem resgatar direitos que lhe foram negados. Todavia, deve-se ter cuidado ao tratar dessa categoria, pois,

como lembra Bordenave (2007), a participação pode ser adaptadora, visando apenas o melhoramento de uma situação específica, ou ser integradora, com intenção de transformação, visando à modificação das estruturas econômicas e sociais. Portanto, a participação “pode se implantar tanto com objetivos de libertação e igualdade como para a manutenção de uma situação de controle de muitos por alguns” (BORDENAVE, 2007, p.12).

É necessário fazer um exercício de repensar a participação (BRANDÃO, 2001). A participação é uma categoria que precisa ser analisada com ponderação, considerando-se as qualidades de participação, reconhecendo e apreendendo os diversos fatores que interferem na sua determinação.

Segundo Peruzzo (1998, p.73) “o termo participação chegou a tornar-se um modismo [...] podendo significar desde o mero assistir até o pleno tomar parte ativamente”. Nesse sentido, Gohn (2004, p. 24) defende que “a participação deve ser ativa, considerando a experiência de cada cidadão que nela se insere e não tratá-los como corpos amorfos a serem enquadrados em estruturas prévias”.

A participação que interessa na perspectiva da educação popular é aquela que ocorre quando os grupos populares se percebem e se fazem perceber como sujeitos históricos e exigem o devido respeito ao seu ser, e ao seu vir a ser. A participação passiva que se estabelece quando a população se limita passivamente a receber benefícios, não promove a libertação dos humanos. Muito pelo contrário, favorece o status quo, impossibilitando a tomada de consciência da realidade.

Participar deve significar lutar para que o Estado cumpra seu dever. Jara (1998) ressalta que participar é tomar parte nas decisões e não apenas ser informado, consultado ou receber parte de algum recurso. Para ele, decidir é ter poder.

Ainda na concepção de Jara (1998), as possibilidades de mudança social de comunidades pobres, seja no campo ou na cidade, partem da geração de energias políticas e da construção de uma base mínima de poder. O autor ressalta que os processos sociais são determinados pelas percepções, representações, atitudes e sentimentos da comunidade. Portanto, as transformações sociais estão subordinadas ao empoderamento das pessoas e dos grupos de pessoas, no sentido de controlar suas próprias vidas, desempenhando o papel de sujeitos e não de objetos, capazes de definir suas próprias agendas e tomarem decisões.

Isso só será possível pela via da participação ativa. As pessoas que participam passivamente não conseguem assegurar seus direitos. Os indivíduos que vivem em comunidades pobres não são capazes de combater a pobreza partindo da passividade. Daí a

necessidade da educação popular como espaço de encorajamento e fortalecimento desses sujeitos.

Brandão (2001) diz que o desafio da participação é saber a que tipo de poder ela serve e, portanto, a que projeto político de “desenvolvimento” ou de transformação ela aponta. Para ele, a ideia de participação em si mesma não serve para sustentar projetos de educação popular, visto que a participação “é uma categoria ambígua e sujeita a ser proposta como base de ações de educação tanto como um meio de fortalecimento de saber-poder popular, tanto quanto como fundamento de programas pedagógicos de simples manipulação” (BRANDÃO, 2001, p. 117).

O autor não tem dúvida de que:

Muitas práticas de trabalho popular desenvolvidas por grupos de mediação ajudam muito no surgimento ou o fortalecimento de grupos e modos de participação popular orgânica. Modos de participação política em que a classe na comunidade explicita os seus interesses, define os seus caminhos enfrenta as suas próprias divisões, os seus impasses, e estabelece as suas metas. Modos de participação que, superando as formas tradicionais defasadas de vida e representação da vida comunitária, resistem aos esforços de modernização dos programas manipuladores, e coexistem com aqueles que colocam a educação, por exemplo, como um trabalho a serviço dos movimentos populares (BRANDÃO, p. 116, grifo do autor).

No capitalismo, o trabalho assalariado e as formas de precarização de trabalho revelam- se como experiências de despoderamento e de incremento da tendência do sistema a dividir o mundo entre poderosos e submissos (ARRUDA, 2009). A educação popular, ao propor a reinvenção de novas relações humanas, pode ser um importante instrumento nos processos de libertação desses sujeitos e de toda sociedade. Isto acontece porque a educação popular “propõe-se desvendar com o trabalhador os mecanismos e a lógica deste processo alienador e desagregador, como ponto de partida para a criação de uma nova lógica” (ARRUDA, 2009, p. 66), que seja integradora, autonomizadora, colaborativa e solidária.

No cenário atual, a educação popular retoma valor e sentido, porque é necessário recuperar o poder da educação como um instrumento de transformação social. Esse novo cenário requer uma revisão profunda do sentido e método que tem caracterizado a educação popular para que ela seja utilizada como estratégia de construção da participação popular para reorientação da vida social. Pela via da educação popular, os humanos e os grupos são trabalhados pedagogicamente para serem capazes de analisar criticamente a realidade e aperfeiçoar as estratégias de luta e de enfrentamento. Assim, a superação de um dado problema social acontece com a ampliação dos esforços de interação cultural e de negociação

entre os diversos sujeitos envolvidos para construir de forma compartilhada o conhecimento e a organização política. Isto é possível mediante as práticas pedagógicas desenvolvidas pela educação popular.