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Breve histórico do controle de constitucionalidade no Brasil

“Todo homem tem direito de pensar o que quiser, todo homem tem direito de amar a quem quiser, todo homem tem direito de viver como quiser, todo homem tem direito de morrer quando quiser” (A Lei, Raul Seixas.)

As constituições surgiram com o intuito de limitar o poder do Estado. Nos primórdios no século XVIII e XIX, as cartas constitucionais possuíam ideais liberais, tais como os explanados na canção de Raul Seixas, e era regida pela burguesia que se preocupava com a instituição dos direitos de primeira geração, como: direito a

liberdade, direito a propriedade, liberdade de expressão entre outros, sobressaindo os direitos patrimoniais.

Com a evolução das sociedades e dos modelos sociais, a constituição passou a preocupar-se com os direitos e garantias ligados ao homem, a ser dirigente, estabelecer competências e tornar-se a Lei Maior de um país, sendo hierarquicamente superior aos demais textos normativos.

Percebe-se tal característica quando o próprio texto constitucional estabelece um procedimento distinto e mais complexo que os demais para a edição e modificações em seu corpo, nascendo um novo aspecto das Constituições: a rigidez constitucional.

No Brasil, a maioria doutrinária defende que a Carta Magna de 1988 é rígida, em razão do procedimento mais complexo na edição de emendas; entretanto, para parte da doutrina, a Constituição de 88 é considerada super-rígida pela adição de cláusulas pétreas disciplinadas no art. art. 60 § 4°, que limita a atuação do poder reformador. Somam-se a isso as regras para a edição de emendas do mesmo artigo e seus incisos, sendo necessário um rol mínimo para sua propositura e legitimados especificados no próprio texto da constituição.

Deste modo, a Constituição se estabelece como a lei das leis, a Carta Superior, sendo, ao mesmo tempo, reguladora do poder do Estado e base para seu controle; da mesma forma que pode ser modificada por este, com as proposições e limites do seu próprio texto.

Nessa esteira, disserta Dimoulis e Lunardi (2016 p. 23):

Isso Indica que a Constituição encontra-se em uma zona permanente de tensão. Os conflitos de interesses e opiniões são múltiplos e incessantes.

Os titulares de direitos fundamentais disputam espaços de atuação, encontrando-se em continuo conflito. […] os conflitos são resolvidos por autoridades estatais que restringem ou suspendem certos direitos para proteger outros.

Neste sentido, é necessária uma corte constitucional para gerir e decidir esses conflitos para se revestir de guardião constitucional. No Brasil, o defensor e guarda da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102 caput da CRFB/88.

A jurisdição constitucional atua com diferentes instrumentos, como os remédios constitucionais, o controle de constitucionalidade, a edição de súmulas,

precedentes e recursos; entretanto, este trabalho irá cuidar de apenas um destes instrumentos de atuação da jurisdição: o controle de constitucionalidade.

De acordo com Dimoulis e Lunardi (2016), mantendo a ideia de confiar ao poder judiciário o controle de constitucionalidade, foi necessária a criação de uma corte constitucional, seguindo o modelo austríaco, concentrando o poder de controle de constitucionalidade em uma única autoridade.

O modelo americano, por muitos anos, influenciou diretamente as decisões judiciais de controle de constitucionalidade no país, principalmente na aplicação da teoria das questões políticas, importada do direito americano e traduzida para o português pelo eminente Rui Barbosa. A referida teoria dispõe que, no momento em que o Supremo discute questões políticas em torno das leis e dos atos normativos, ele irá além de suas funções.

Na didática de Elival de Ramos (2015) a teoria extremava o campo de atuação jurisdicional pelo poder judiciário, sendo vedada a discussão sobre questões políticas ou puramente políticas em respeito à separação de poderes.

Nessa esteira, já se percebe aqui a influência do direito americano nas cortes brasileiras. Para Dimoulis e Lunardi (2016), a teoria das questões políticas não foi bem aplicada no Brasil. Esta também é uma crítica de Lênio Streck (2017);

para o autor, no Brasil, as teorias hermenêuticas ganham outros vieses e necessitam de uma melhor aplicação.

Nas palavras de Dimoulis e Lunardi apud Tavares (2016, p. 69), o controle de constitucionalidade se define como um “juízo relacional que procura estabelecer uma comparação valorativamente relevante entre dois elementos tendo como parâmetro a Constituição”.

Nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010), as expressões constitucionalidade e inconstitucionalidade não traduzem apenas uma afronta aos ditames constitucionais pelo poder público, mas estes conceitos diferenciam-se entre si pela sanção que será dada nos casos concretos.

Para os referidos autores, se não houver sanção aos atos ou omissões de pessoas jurídicas de direito público contra a constituição, a decisão que há a declarar terá apenas um caráter de censura ou critica, retirando a sua obrigatoriedade do quantum decidido.

Ainda sobre o tema, dissertam Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 1158):

[...] Finalmente cumpre advertir que os conceitos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade não abrangem, tradicionalmente, toda conformidade ou desconformidade com a constituição, referindo-se a atos, propriamente, a atos ou omissões dos Poderes Públicos.

Nesse sentido, o controle de constitucionalidade existe para que haja um controle necessário do Estado dentro de suas funções e competências atribuídas pela Lei Máxima, que é a Constituição; sendo, nos estados modernos, direcionados a um tribunal constitucional que sancionará (no sentido de sanção) os atos ou omissões contra a Lei Maior. No Brasil, há dois modelos de controle de constitucionalidade: o concreto e o abstrato.

Para iniciar a análise do constitucionalismo brasileiro, é necessário estudar, ainda que brevemente, suas bases e influências.

Conforme as lições de Dimoulis e Lunardi (2016), em decisão proferida pelo STF, na apelação civil de número 216 julgada em 20.01.1987, começa-se a visualizar o controle de constitucionalidade do Brasil em decisão que os ministros confirmam ao poder judiciário o poder em exercer o controle de constitucionalidade, mas usam o modelo americano como base, assim como a teoria das questões políticas, invocando a separação de poderes, conforme parte do acórdão:

Considerando, por outro lado, que, segundo a jurisprudência norte-americana, cujas instituições precisamos sempre recorrer, visto ter sido por elas modelado o nosso atual regímen, está firmado o princípio que o Poder Judiciário tem competência para em espécie conhecer da constitucionalidade das leis, exceto das que se originam das atribuições políticas confiadas pela Constituição aos órgãos da soberania nacional, sendo, entre outras, a este respeito, notável a sentença proferida pela Corte Suprema no litígio levantado por um dos Estados do sul, que impugnou de inconstitucionais as leis de reconstrução, votadas pelo Congresso, no período de 1866 a 1867, (acórdão extraído da obra de DIMOULIS e LUNARDI 2016 p. 61).

Parte do nosso controle de constitucionalidade surgiu no modelo americano, sendo o ponto de partida o famoso caso Marbury vs Madison. Segundo as lições de Dimoulis e Lunardi (2016), o conflito analisado pela corte americana no referido caso referia-se a indicações de juízes pelo derrotado candidato a reeleição à presidência, John Adams, com o Intuito de aparelhar o judiciário e prejudicar o então vencedor das eleições presidenciais Thomas Jefferson; nem todos os juízes tomaram posse a tempo, sendo suas indicações barradas pelo presidente eleito.

Diante disso, o juiz de paz Willian Marbury pediu para que a corte superior confirmasse o seu mandado através de um writ of mandamus; o presidente da corte era o antigo secretário de estado do presidente Adams e considerado como um dos maiores constitucionalistas de todos os tempos.

De acordo com Schettino (2008), a histórica decisão confirmou a Constituição como a Supreme Law of the Land, trançando as linhas do judicial review, nas palavras do autor:

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Deste modo, a referida decisão solidificou a ideia de que a Constituição é a base para todo o sistema jurídico, o poder judiciário tem o poder em dar a última palavra no que diz respeito a atos de pessoas de direito público, principalmente quando estes estiverem em desacordo com constituição.

Além disso, assegurou o ideal que todos devem respeitar as bases normativas e a divisão de competências da própria constituição, ao afirmar que, apesar do direito está explícito, não era de competência da corte americana analisar tal decisão, sendo assim, até a suprema corte estava vinculada ao texto constitucional.

Ainda nesse sentido, de acordo com o direito americano, apesar de haver uma corte constitucional, todo o poder judiciário tem a função de guardar a constituição e de exercer o controle de constitucionalidade, tanto os tribunais estaduais quanto os tribunais federais; não seria apenas a Corte Suprema a legitimada para a realização do controle.

O controle de constitucionalidade brasileiro também teve como inspiração o modelo austríaco, com base na Constituição Austríaca de 1920 (Bundes-Verfaussungsgesetz), que estabeleceu a Corte de Justiça como a única com competência para declarar a inconstitucionalidade das Leis.

Neste sentido, quando uma lei ou ato normativo era declarado inconstitucional o governador ou presidente que fora o titular da realização da lei deveria editar um decreto expurgando-a do ordenamento jurídico.

Este modelo teve grandes influências de Hans Kelsen; este, inclusive, realizou muitos estudos e produziu diversos materiais a respeito do tema.

Importante lembrar que a corte também tinha a função do controle de constitucionalidade difuso, “pois o único objetivo do processo era verificar a constitucionalidade da lei, independentemente de casos concretos" (Dimoulis e Lunardi, 2016. p. 48).

Tendo em vista já explanado, mesmo que brevemente, os modelos de controle de constitucionalidade que influenciaram o direito brasileiro, neste momento, será demostrado como estes foram introduzidos no ordenamento jurídico a partir dos diferentes momentos históricos brasileiros.

No Brasil, a primeira Carta a estabelecer o controle de constitucionalidade foi a de 1891 adotando como modelo o sistema americano de controle de constitucionalidade, a de 1934 também adotou o mesmo modelo, mas com alguns acréscimos, como a possibilidade de a previsão da lei ser considerada inconstitucional somente com o voto da maioria dos seus membros.

Como anota as lições de Schettino (2008), o deputado Nilo Alvarenga, na constituinte de 34, trouxe para as discussões sobre a construção do controle de constitucionalidade o modelo austríaco, mas não conseguiu convencer os constituintes a chancelarem a ideia, sendo apresentada por estes uma proposta para que as decisões inter partes tornassem-se erga omnes, tendo em vista que, as decisões não tinham poder vinculante: atribuir a outro poder a decisão de declarar para todos a decisão, que no caso da Carta de 34 elegeram o Senado Federal.

Na Constituição de 37, apelidada de polaca, houve a introdução de um instituto que atribuía ao presidente o poder de invalidar a decisão do Supremo no controle de constitucionalidade, enviando-a para o Congresso para que este último realocasse a lei inconstitucional no sistema jurídico, declarando-a como válida, retirando do Supremo a sua autoridade e independência, como fruto da separação dos três poderes – convém lembrar que esta é uma característica de constituições ditatoriais.

Com a redemocratização, a constituição de 1946 tinha o objetivo de restaurar as bases democráticas no país, e nessa esteira, adotou o sistema difuso

de controle de constitucionalidade, nos moldes americanos, atribuindo ao Senado a função de declarar erga omnes a decisão, já que no Brasil a decisão proferida tinha validade apenas inter partes.

Apenas com a entrada em vigor da emenda constitucional 16, em 1965, já sob o comando do regime militar, é que a constituição adotou o modelo abstrato de normas no modelo austríaco, atribuindo ao Supremo o dever de ser o ator principal do controle de constitucionalidade, conforme as lições de Schettino (2008), o principal objetivo era controlar os governadores eleitos pelas bancadas da oposição, e por isso, a ação só poderia ser proposta pelo Procurador Geral da República.

Importante mencionar a observação feita por Schettino (2008, p. 51):

Aqui cabe anotar o interessante paralelo que traça Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Segundo ele, assim como o modelo difuso de controle de constitucionalidade nasceu no Brasil, com a Constituição de 1891, tendo por finalidade velada a outorga ao Supremo Tribunal Federal da prerrogativa de controlar, em nome do princípio republicano, um Parlamento de maioria eventualmente monarquista, a fiscalização concentrada de constitucionalidade foi criada para que o Poder Executivo federal, por intermédio do STF, também pudesse controlar os atos dos opositores ao regime militar, estivessem eles nos Estados-membros ou no Congresso Nacional.

A Carta outorgada de 1967 não trouxe modificações em relação a controle de constitucionalidade expedidas pela Emenda Constitucional 16; entretanto, pela emenda 07, a representação por inconstitucionalidade permitiu que o Supremo Tribunal Federal julgasse originariamente, por interposição do Procurador Geral da República, quaisquer causas em trâmite em qualquer juízo ou tribunal quando a discussão nelas travada pudesse acarretar perigo à saúde, à segurança, à ordem ou às finanças públicas, cujos conceitos, conforme as palavras de Schettino (2008 p.55), “a toda evidência, dão margem à alargada e polissêmica interpretação, e, facilmente, à apropriação de questões jurídicas por interesses políticos”.

A Constituição da República Federativa do Brasil nascida no dia 05 de outubro de 1988, em uma tarde de quarta-feira, trazia para o sistema jurídico brasileiro, além da redemocratização, um texto extenso e de peso axiológico de cláusulas pétreas e dirigentes, estabelecendo um controle misto de constitucionalidade brasileiro, unindo o sistema americano e o sistema austríaco.

A constituição de 1988 rompeu com a tradição positivista e incorporou em seu texto grande peso axiológico de normas de caráter dirigente, preocupando-se

com a defesa dos direitos e garantias fundamentais ao ser humano e a construção de uma sociedade justa e solidária.

Nas palavras de Schettino (2008 p. 56):

Seja como for, como a Constituição de 1988 acabou por se consubstanciar numa Carta tipicamente comunitária, impregnada de valores139 abertos à interpretação e determinada a se fazer respeitar, ela acabou por inovar o sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade e, em um sentido lato, por permitir uma estupenda ampliação da judicialização das relações sociais. Assim, instrumentos como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão são exemplos eloquentes da desesperada vontade do Constituinte de que a Carta a ser promulgada não tivesse a mesma sorte que suas antecedentes.

O art. 102 da Constituição declara que cabe ao Supremo Tribunal Federal precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente: a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

E não apenas estas, as Leis 9868/99 e 9882/99 também regulamentam as ações de controle de constitucionalidade, sendo estas: Ação direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que serão mais bem explanadas no próximo capítulo.