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O atual sistema de controle de constitucionalidade brasileiro

“Minha vida é tão confusa quanto a América Central, por isso não me acuse de ser irracional, escute, garota, façamos um trato, você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato” (Infinita Highway, Engenheiros do Hawai)

O sistema atual de constitucionalidade brasileiro segue a mesma linha do trecho da canção de Engenheiros do Hawai: é confuso, e uma mistura entre o sistema austríaco e americano, elegendo características próprias, caracterizando-se como o controle de constitucionalidade sui generis brasileiro entre concreto e o abstrato.

Inicialmente, é necessário realizar uma explanação sobre os diferentes tipos de inconstitucionalidades do sistema de controle brasileiro, tomando como base as lições de Mendes, Coelho e Branco (2010).

Os diferentes tipos de constitucionalidade são manifestos em: formal e material, por ação e por omissão, originária e superveniente; ainda há na doutrina discussões acerca de inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias.

Neste sentido, é importante ressaltar que para a esmagadora doutrina majoritária, as normas constitucionais originárias gozam de presunção absoluta de constitucionalidade, por serem fruto do poder constituinte originário, sendo este, ilimitado no direito positivo para a criação de normas, sem que haja um parâmetro a ser usado, no que diz respeito ao direito positivo.

A constitucionalidade formal e material demostra-se na origem do ato questionado. Entende-se que uma norma é inconstitucionalmente formal quando o vício diz respeito ao procedimento a que aquela foi submetida, seja em relação às regras sobre sua tramitação ou ao vício de iniciativa.

Neste sentido, está assente na jurisprudência atual que a sanção do presidente em ato normativo eivado de vício de iniciativa não a convalida, visto que se está diante de um desrespeito à ordem constitucional, conforme decisão em ADI 2867, cuja relatoria foi do eminente Ministro Celso de Mello.

Já a inconstitucionalidade material diz respeito ao conteúdo na norma quando se verifica o conflito desta com os preceitos constitucionais, sejam elas princípios ou normas. Além destas, encontra-se a constitucionalidade formal por excesso de poder legislativo, que não diz respeito ao conteúdo da norma, mas à finalidade de sua edição, nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010, p.1172):

É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da Lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de proceder à censura sore a adequação e necessidade do ato legislativo.

A inconstitucionalidade formal pelo excesso de poder legislativo configura-se, ao não respeito, ao princípio da proporcionalidade e de proibição ao excesso;

neste sentido, não diz respeito apenas à finalidade da norma especificamente, mas aos limites com que o legislativo deve agir.

Para Mendes, Coelho e Branco (2010), a omissão legislativa é uma forma de abuso de excesso de poder, visto que há uma norma programática de eficácia limitada, mas que, por negligência do legislativo, não tem eficácia plena.

A constitucionalidade originária e superveniente diz respeito ao direito intertemporal e o momento em que norma em questão foi editada; neste sentido, uma norma é inconstitucionalmente originária quando deste o seu nascimento, seja por via formal e informal, é incompatível com a Constituição, sendo, na ação, declarada ou não constitucional.

Já no que diz respeito à superveniente, esta se verifica quando a norma questionada é anterior à constituição; importante lembrar que esta norma não diz respeito apenas a normas anteriores a 1988, mas também a normas que foram adietadas anteriormente ao comando constitucional que a fez conflitar.

Não olvide que a inconstitucionalidade superveniente diz respeito apenas aos conflitos materiais com a constituição e não procedimentais, visto que o momento constitucional da edição e de procedimento era distinto.

Outro ponto a se observar é no que diz respeito à denominação inconstitucionalidade superveniente, tendo em vista que, se estamos falando de uma norma anterior à norma constitucional, avaliamos se a norma será ou não recebida pelo ordenamento jurídico; dessa forma, o termo inconstitucionalidade superveniente estaria errôneo, e para a maioria dos constitucionalistas, inexistente. O que ocorre neste caso é ou não uma recepção da norma, que é a visão adotada neste estudo.

Neste sentido, ao propor uma ADPF para análise de norma anterior à constituição, pede-se a sua recepção ou a sua revogação; por isso, há uma discussão acerca da denominação, desta feita, a melhor concepção seria de recepção da lei e não de uma constitucionalidade superveniente.

A inconstitucionalidade por ação é aquela que resulta de um confronto com a constituição, seja material ou formal; já a inconstitucionalidade por omissão diz respeito á inobservância do dever constitucional de legislar; nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 1185): "A omissão legislativa inconstitucional pressupõe a inobservância de um dever constitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explícitos da Lei Magna, como de decisões fundamentais da constituição”.

Nisto, diante desta breve explanação sobre os tipos de inconstitucionalidade, ir-se-á explanar a respeito dos modelos de controle de constitucionalidade aplicados ao Brasil.

O controle judicial concreto ou abstrato no Brasil segue o modelo americano em que qualquer tribunal poderá exercer a função de guardião do texto constitucional em relação a casos concretos, possuindo efeitos inter-partes.

O Supremo Tribunal Federal também age no controle abstrato de normas, funcionando como revisor das decisões dos demais tribunais para que haja uma uniformização de jurisprudência através do Recurso Extraordinário, que poderá estabelecer caráter erga omnes, se recebidos em repercussão geral, somado aos institutos da súmula vinculante e da Reclamação Constitucional.

Houve, inclusive, grande repercussão sobre a questão de dar efeitos erga omines a decisões no controle concreto, pois isto é do Senado, conforme a inteligência do art. 52 X da CFRB/88; entretanto, com a mutação constitucional, houve esta mudança de entendimento, e o Supremo poderá atribuir efeitos vinculantes a decisões de controle concreto, se estiverem de acordo com o instituto da repercussão geral, entre outros, conforme já exposto.

No controle incidental concreto ou abstrato, o controle pode se dar em juízo de primeiro grau, com pedido incidental; por ser questão de ordem pública poderá argui-la em qualquer momento.

Nas palavras de Dimoulis e Lunardi (2016 p. 315):

O controle concreto-incidental se estrutura com base em duas regras:

Primeiro, a regra da universalidade. Como dissemos, a inconstitucionalidade pode ser examinada em qualquer tipo de processo, seja comum ou especial, de conhecimento, cautelar ou de execução. Isso confirma o caráter difuso de constitucionalidade incidental no Brasil. Segundo, a regra da acessoriedade. A fiscalização da constitucionalidade não pode ser o pedido principal da ação, mas tão somente um pedido incidental, relacionando com o julgamento principal. Neste ponto percebemos a diferença entre controle incidental e o principal realizado pelas ações diretas e tendo como objeto principal a verificação de inconstitucionalidade.

Diante disso, verifica-se que o controle de constitucionalidade abstrato poderá ser realizado por qualquer tribunal brasileiro, não possui legitimados especiais, tendo em vista que o autor poderá argui-lo em qualquer processo; via de regra, possui efeitos inter-partes tendo lugar no Supremo Tribunal Federal por meio

de Recursos Extraordinários, súmulas vinculantes e reclamações constitucionais, podendo adquirir efeitos erga-omnes.

O controle abstrato de modelo austríaco também é aplicado no Brasil sendo atribuído ao Supremo Tribunal Federal a condição de Guardião da Constituição e o único competente para o julgamento das quatro ações diretas de constitucionalidade estudadas no presente trabalho: ADI, ADC, ADO e ADPF.

As ações diretas têm sua regulamentação nas leis 9868/99 e 9882/99, conhecidas como códigos de controle de constitucionalidade; são previstas no artigo 102 da CFRB/88 como uma das funções do Supremo.

Ao contrário do controle abstrato, as ações diretas possuem legitimados específicos para a sua propositura elencados no art. 103 da CFRB/88, e no art. 2°

da Lei 9868 e no art. 2° I da Lei 9882/99, sendo estes classificados como especiais e universais, dispõe o referido artigo:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Nesse sentido, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional devem apresentar pertinência temática com o tema para que sua ação seja reconhecida para julgamento.

A ação direta de inconstitucionalidade tem previsão no art. 102 I “a" da CFRB/88, e no art. 2° da Lei 9868/99, visa a atacar lei ou ato normativo federal ou estadual que viole a constituição.

Nas palavras de Dimoulis e Lunardi (2016), a ADI possui o objetivo de impedir que a norma contrária à constituição permaneça no ordenamento jurídico, comprometendo a regularidade do sistema normativo por violar a supremacia constitucional.

Permitir que uma norma inconstitucional seja mantida no ordenamento jurídico é uma aberração para o sistema. Sendo assim, é necessária que esta norma seja atacada, sem que haja um caso concreto para análise. Deste modo, a ADI serve como instrumento para combater norma inconstitucional.

Pela emenda constitucional n° 03 de 1993, incluiu-se a ação declaratória de constitucionalidade, regulamentada pelo art. 13 da Lei 9886/99, e tem como objetivo confirmar a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual quando apresentarem controvérsia judicial relevante.

Sabe-se que o ato praticado pela administração pública tem presunção relativa de legalidade; o mesmo se aplica em relação às normas constitucionais derivadas. Neste sentido, as normas constitucionais derivadas, assim como as leis e atos normativos, possuem presunção de constitucionalidade, sendo assim, quando surge discussão relevante sobre determinado tema, os legitimados constitucionais têm a possibilidade de propor uma ADC para a pacificação do tema.

Para Dimoulis e Lunardi (2016), na petição inicial da ADC deve ser comprovada a relevante controvérsia judicial acerca da aplicação da lei, demostrando número de decisões judiciais conflitantes; importante falar que a controvérsia deve ser judicial e não doutrinária.

Em respeito à segurança jurídica disposta no art. 5° caput da CFRB/88 o Guardião da Constituição não deve permitir decisões conflitantes entre seus tribunais, tendo em vista que a jurisdição é uma. Deste modo, a ADC foi instaurada com o objetivo de trazer maior segurança jurídica para a jurisdição e seus assistidos.

Não olvide ambas as ações tratadas até o presente momento (ADI e ADC) possuem caráter dúplice; deste modo, se uma ação direta de constitucionalidade é improcedente, a norma prontamente já é declarada constitucional; a mesma situação aplica-se à ação declaratória de constitucionalidade, sendo esta julgada improcedente, ter-se-á uma declaração de inconstitucionalidade.

A ação de constitucionalidade por omissão é prevista no art. 102 da CFRB/88 e no art. 103 §2° da CRFB/88, além do art. 12-A e seguintes da Lei 9886/99 e objetiva declarar a omissão do legislativo na sua função legiferante de atos normativos que ensejem a afetividade de norma constitucional de eficácia limitada ou contida, além do cumprimento do dever legal de legislar sobre determinado tema.

A ADO é um dos instrumentos de fiscalização do poder público e forma mais expressa do check and balances dos poderes, pois, ao mesmo tempo em que alerta ao poder público sobre sua omissão constitucional, dá uma resposta efetiva àquele que busca a prestação constitucional.

É certo que apenas declaração da omissão do poder público em nada auxiliava aqueles que buscavam a jurisdição no sentido de auxiliá-los na busca de seu direito violado por inércia do legislativo.

Diante disso, após 2007, no julgamento dos MI´s 712/PA, 670/ES e 708/DF, que versam a respeito da regulamentação da greve no serviço público, o Supremo Tribunal adotou posição concretista nas ações de inconstitucionalidade por omissão como forma de pressionar o legislativo a mover-se na direção de análise da questão na casa legislativa.

Conforme às lições de Dimoulis e Lunardi (2016), o STF concretizou a posição que:

O STF concretizou essa previsão, referindo-se a “medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs [...]. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público”. Assim sendo, as omissões censuráveis são aquelas que impedem a efetividade de norma constitucional, não tornando-a, na terminologia do STF, “operante e exequível”. Mas é necessária cautela ao declarar a omissão para não transformar a liberdade de escolha do legislador em dever de atuação.

Importante ressaltar que a omissão, objeto de controle pelo STF, é aquela expressa na constituição em que o legislativo deveria de fato agir como nas normas programáticas ou de eficácia limitada. Se este controle não tivesse parâmetros princípio do non liquet, deve o judiciário apontar uma decisão para as partes.

Por fim, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é prevista no art. 102 §1° da CRFB/88 e a Lei 9882/99; o objeto da ADPF é de conceito aberto, o qual a doutrina tenta restringir, visto que o dispositivo de lei fala de “ato do poder público”.

Nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010), com as mudanças ocorridas no sistema de controle de constitucionalidade na constituição de 1988, a ampliação das ações diretas vieram reforçar o controle abstrato e o controle difuso, nesse sentido, subsistiu um espaço residual expressivo relativo às matérias não suscetíveis, até então, do controle direito: interpretação direta de cláusulas constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional e validade do direito municipal diante da constituição.

Neste contexto, percebeu-se a necessidade da instituição de uma forma de controle direto para estas questões, e foi neste espaço que surgiu os primeiros debates sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

A ADPF é uma ação subsidiária; sendo assim, quando não houver meio eficaz para a tratativa de algum direito fundamental e que tenha controvérsia relevante, ela poderá ser proposta.

Percebe-se que novamente surge a controvérsia relevante, essa é uma das formas de evitar que o Supremo se sobrecarregue de ações. Desse modo, a APDF foi uma forma de acesso ao Guardião Constitucional de questões relevantes para o direito sobre normas pré-constitucionais, direito municipal, atos do poder judiciário entre outros.

O efeito das ações diretas pelo Supremo é vinculante e erga omnes por força do art. 102 §2° da Constituição, demostrando o seu poder em regular o sistema brasileiro, demonstrando a força do Guardião Constitucional em defesa da Carta Magna.

Diante do exposto, é perceptível que apesar de ter diversas influências do direito comparado, o Brasil possui um sistema de controle judicial tendo como parâmetro a constituição a seu modo, sendo um modelo sui generis; por conta disso, surgiram, ao longo de sua história, diversas formas de interpretação que têm sido motivos de debate na doutrina e que será mais bem explanado no próximo tema.

3.3 Discussões sobre a interpretação constitucional e a judicialização da