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Discussões sobre a interpretação constitucional e a judicialização da política no

"O que você precisa é de um retoque total, vou transformar o seu rascunho em arte final" (Como eu quero, Kid Abelha).

A hermenêutica constitucional e a sua interpretação são os responsáveis por fazerem a norma pulsar diante da sociedade e torná-la viva e aplicável; se não houver quem interprete a norma, esta se tona letra morta, por isso, a função de interpretar transforma o texto escrito (rascunho) em arte final (a concreta aplicação da norma).

Müller apud Fonseca (2006) disserta que a concretização da norma é a interpretação do texto da norma, que nada mais é que a descoberta da vontade do legislador. Sendo assim, o Tribunal Constitucional usa de métodos tradicionais para interpretar a finalidade da norma e o querer do legislativo à época de sua edição.

Para Fonseca (2006), com Müller, delineia-se uma construção teórica pós-positivista, superando a aplicação fria da norma, como na concepção de Kelsen, e, ainda assim, dar importância sobre algumas categorias desenvolvidas por este.

Percebe-se, pois, que os meios hermenêuticos e de interpretação são de máxima importância para que a norma se concretize na realidade; entretanto, a crítica de grande parte da doutrina é que os meios de interpretação no Brasil não são corretamente aplicados. Nesse sentido:

Na práxis judicial brasileira não há uniformidade no uso das ferramentas disponibilizadas pela dogmática e hermenêutica jurídicas. O discurso jurídico majoritário no Brasil, por exemplo, é o normativista, contudo, os mesmos juristas que se auto intitulam normativistas, sistematicamente, negam normatividade e efetividade à Constituição Federal, texto de norma que ocupa, segundo o próprio discurso que defendem, o topo hierárquico do ordenamento jurídico. Não há coerência entre o discurso propalado e a práxis efetiva. (FONSECA, 2006, p. 93).

No direito brasileiro há uma grande discussão sobre os métodos e princípios interpretativos, porém, antes de adentrar nos debates acerca dessas questões, importante é ilustrar os princípios interpretativos explanados por Mendes, Coelho e Branco (2010).

Para os referidos autores, os princípios interpretativos concedem ao Juiz maior liberdade no momento da interpretação, além de trazer uma maior segurança jurídica para os receptores da norma, se seguirmos a ótica de Muller, a interpretação é que efetivamente faz a norma, sendo a preposição de análise apenas o seu texto.

Os princípios que norteiam a intepretação ou, na visão adotada por este trabalho, estes métodos de interpretação não possuem força normativa, são meios hermenêuticos que auxiliam os intérpretes na sua função.

Nisto, Mendes, Coelho e Branco (2010) apresentam que há o princípio, da unidade da Constituição, da concordância prática, da correção funcional, da eficácia integradora, da força normativa da constituição, da máxima efetividade, proporcionalidade, razoabilidade, interpretação, conforme a constituição e presunção de constitucionalidade das leis; entretanto, iremos analisar apenas alguns destes que podem ter mais aplicação no caso que será estudado.

O princípio da unidade da constituição dispõe que a constituição deve ser interpretada como uma unidade e não partes isoladas; isso auxilia o intérprete a não criar discussões desnecessárias em um conflito aparente de normas, neste sentido, quando for interpretar um texto constitucional ou uma lei em aparente conflito com a carta magna, é necessário ter a consciência de que a interpretação deve ser conjunta com as demais regras e princípios que circundam o texto constitucional.

O princípio da correção funcional orienta o intérprete a analisar o conflito constitucional de forma a se estabelecer um resultado que não ofenda os ditames constitucionais, ultrapassando suas funcionalidades, devendo guardar respeito às normas dirigentes na repartição de competências da Carta.

Este é um dos princípios interpretativos mais importantes para o estudo que se fará no capítulo adiante, conforme as palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 178):

[...] ao construir soluções para os problemas jurídico-constitucionais, procure dar preferência àqueles critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração social e a unidade política, porque, além de criar uma certa ordem jurídica, toda a constituição necessita produzir e manter coesão sociopolítica como pré-requisito ou condição de viabilidade a qualquer sistema jurídico.

Neste sentido, o referido princípio vem no sentido de orientar as decisões hermenêuticas em priorizar a unicidade política e constitucional, de forma que o intérprete não poderá agir além do que dispõe o sistema jurídico.

O princípio da força normativa da constituição é uma tese apresentada por Friedrich Muller, direcionando os aplicadores da constituição a priorizar os aspectos jurídicos que tragam maior efetividade à norma, agindo como direção interpretativa para os dias de hoje, é necessário que o intérprete priorize decisões que remate a efetividade da norma, seja ela constitucional ou não.

A interpretação conforme a constituição é um meio interpretativo relacionado ao controle de constitucionalidade; neste sentido, o intérprete deve analisar a norma conflitante nos termos da constituição, declarando-a inconstitucional apenas quando há provas cabíveis de tal fato. Nas lições de Mendes, Coelho e Branco (2010, p.

180):

[...] nisto resume este princípio- que os aplicadores em face da Constituição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais e não aqueles que declare a sua inconstitucionalidade, este cânone interpretativo ao mesmo tempo que valoriza o trabalho legislativo aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos que tornariam crescentemente perigosos caso os juízes, sem o devido cuidado, se pusessem a invalidar os atos da legislatura.

Ainda nesta esteira, juntamente com os métodos de interpretação já supracitados é necessário que haja a aplicação em conjunto dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para equilibrar. Nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 181) “poderes, privilégios e benefícios”. De toda sorte, estes princípios auxiliam a equilibrar a aplicação da norma por meio da interpretação de forma que os juízes não se tornem legisladores positivos.

Ao apresentar estas formas de intepretação, Mendes, Coelho e Branco (2010) chamam a atenção no sentido de colocar limites no poder de criação da norma pelo intérprete para que este não extrapole os limites considerados para uma correta aplicação da sua função de interpretar.

Nas palavras de Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 187):

[...] diante deste quadro, não soa descabida a advertência de que estamos caminhando para uma onipotência judicial ou se preferirmos, para um novo governo de juízes, em que grandes decisões políticas como já acentuado, vão se deslocando do Legislativo e do Executivo para o poder judiciário.

Este fenômeno que vem crescendo no Brasil nos últimos anos é conhecido como judicialização da política, se configura, em temáticas que deveriam ser discutidas no âmbito da política e que agora estão circundando o judiciário, decisões políticas que estão sendo tomadas pelo poder julgador, seja em razão da própria classe política levar estas questões, seja pelo povo.

Conforme as lições de Giotti de Paula (2013), após a evolução do direito e de conceitos abertos nas leis e nas constituições, abrindo margens para diversas interpretações, o processo de judicialização da política se intensificou.

Conforme os ensinamentos de Boaventura de Souza Santos apud Giotti de Paula (2013, p. 294) existem dois tipos de judicialização da política: uma de baixa intensidade, quando membros isolados da política são jugados isoladamente; e um mais intenso, quando “parte da classe política, não podendo resolver a luta pelo poder e pelos mecanismos habituais do sistema político, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias cruzadas”.

Ainda nas palavras de Giotti de Paula (2013), esse fenômeno ocorre ainda com mais intensidade no Brasil por ser um país de um presidencialismo de coalizão em que o executivo controla as pautas do legislativo, pois sua base política é regional e isto lhe confere maior poder, gerando na oposição a necessidade de levar questões políticas para o judiciário, visto que não possuem força política para o debate nos meios adequados.

Conforme as lições de Giotti de Paula (2013, p. 302):

A análise do problema passa ainda mais a analisar qual o tipo de presidencialismo que o Brasil tem. Trata-se de um presidencialismo por coalisão, ou seja, um regime em que a sustentação parlamentar do Presidente não de forma apenas com base no eixo partidário-eleitoral, mas também regional.

Nisto, ainda há a pressão política por votos. Com o advento da internet e a popularização dos debates políticos, os representantes, por temor à opinião pública, não sugerem estes debates nas câmeras e locais propícios para os debates, sendo esses assuntos debatidos no judiciário; isso ficou ainda mais evidente no contexto de pandemia, em que o Supremo decidiu em sede da ADI 6341 a competência concorrente para tomar as providencias cabíveis no combate ao Sars- Cov-2, entre a união, os estados e os municípios.

Neste sentido, o Brasil que antes adotava a teoria da causa política para as decisões do poder judiciário, atualmente, lida com questões políticas que circundam os tribunais, principalmente o Supremo Tribunal Federal. A judicialização a política acarreta discussões nos meios jurídicos, principalmente no que diz respeito ao ativismo judicial, tendo em vista a similaridade de ambos os temas.

De toda forma, em razão do princípio da negação do non liquet, o judiciário deve apresentar respostas para as questões que são trazidas para sua análise, tendo em vista que não poderá negar a sua análise, e é na resposta do judiciário que se abrem as mais diversas questões sobre o ativismo/protagonismo e a judicialização da política.

No próximo capítulo há uma análise sobre uma importante decisão do Supremo de controle de constitucionalidade, na ADO 26, tendo em vista o debate acerca de se o Tribunal foi além de sua função de julgador, em seu poder criativo da norma, ou se de fato a decisão não se encaixa nestas proposições.

4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O