Em se tratando de carga horária para a formação de técnicos na área da
saúde, passou-se a exigir “um mínimo de 2.200 horas, onde estão incluídas
pelo menos 1.200 horas de conteúdo profissionalizante” (PEREIRA e RAMOS,
2006, p.35) e 633 horas para realização do estágio curricular obrigatório.
2.3. Breve histórico do estágio na formação dos profissionais de
enfermagem
Verificou-se que, em seus primórdios, a enfermagem tinha como eixo
norteador o praticismo. Durante o período de formação das futuras
enfermeiras, exigia-se, por vários meses, dedicação das alunas às atividades
hospitalares. A partir da evolução da medicina, no século XIX, a enfermagem
passou a executar suas tarefas no cuidado aos doentes, treinada com
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conhecimentos científicos mínimos. Seu ensino e a sua prática passaram a ser
orientadas pelos médicos, que exigiam da enfermagem uma postura técnica
mais refinada e condizente à consolidação da ótica positivista, que influenciava
o desenvolvimento da medicina e transformava as práticas hospitalares. Com
isso, foram criados novos regulamentos e novas rotinas de prestação de
serviços aos doentes. Porém, ainda permanecia o trabalho de enfermagem
fortemente ligado ao conhecimento empírico e como extensão do trabalho
doméstico (MOREIRA e OGUISSO, 2005; OGUISSO, 2007).
As escolas de enfermagem atuavam apenas no sentido de aprimorar a
força de trabalho, inculcando, nas alunas, a ideologia dominante dos médicos,
que difundia a compreensão do processo saúde-doença a partir dos
conhecimentos da Biologia, Física e da Química.
Na transmissão dos conhecimentos da medicina para a enfermagem,
fatores sociais e psicológicos, que também interferem no estado de saúde dos
homens, eram desconsiderados, reduzindo-se o processo a uma visão
biologicista. Pelo sucesso e pelas conquistas obtidas no tratamento de muitos
estados mórbidos, o modelo biológico consolidou a maneira fragmentada de
tratar e cuidar dos problemas de saúde nos hospitais, que constituíram em
laboratórios experimentais na compreensão do que era considerado normal e
patológico. Desta forma, tornou-se um forte campo de ensino e tecnificação da
assistência que, no caso específico da enfermagem, ocorria fortemente aliada
ao princípio do pragmatismo (RIZZOTTO, 1999).
Ao recorrer à história do ensino de enfermagem no Brasil, Costa e
Germano (2007) observaram que, na década de 20, século XX, com a
implantação da atual Escola Ana Nery, a realização do estágio exigia das
alunas oito horas diárias de trabalho no Hospital Geral do Departamento
Nacional de Saúde Pública, além das aulas teóricas e práticas, totalizando 48
horas de atividades semanais dedicadas ao curso. Rizotto (1999) atribuiu a
essa alta carga horária de estágio uma forma dos hospitais driblarem a falta de
enfermeiras para atuar nas instituições e, principalmente, por objetivarem no
estágio uma alternativa muito mais barata de mão de obra, pois 90% do ensino
ocorria praticamente dentro dos hospitais, inclusive durante o período noturno.
As escolas, neste período, chegavam a diminuir o período de férias escolares
para atender a demanda dos serviços (LAUNTHIER, 1983, apud ITO, 2005).
92
Foi a partir da Lei nº 6.494/1977 que o estágio curricular passou a ser
considerado uma atividade de aprendizagem social, profissional e cultural, cujo
objetivo seria o de proporcionar aos alunos a garantia de uma experiência
complementar e intencional ao processo ensino-aprendizagem. Isso
representou um avanço em relação à forma como ele era entendido em sua
origem, na década de 1920. A partir daí, coibia-se a exploração da mão de
obra dos estagiários nos hospitais de ensino (GERMANO, 1993).
Atualmente, a Lei Federal nº 11.788/2008, que dispõe sobre o estágio de
estudantes, fixa a jornada de estágio em uma carga horária de quatro a seis
horas diárias, perfazendo o total de vinte a trinta horas semanais, não devendo
reduzir-se a um treinamento. Nestes termos, torna-se obrigatória a oferta de
condições que propiciem ao educando atividades de aprendizagem social,
profissional e cultural, com a devida participação do professor da instituição de
ensino e de um supervisor por parte da instituição na qual se realiza o estágio
(BRASIL, 2008).
Considerando que as ações relacionadas à área de saúde são
determinadas pela totalidade social, a sistematização dessas ações operou
mudanças na forma de conceber o ensino e o estágio em enfermagem. As
forças sociais que se propuseram a superar a perspectiva biologicista e
hospitalocêntrica de atendimento à saúde em direção a uma perspectiva
integral de atendimento do ser humano, visando a interrelação biopsicossocial
do processo saúde-doença, sistematizaram-se e desdobraram-se na
implementação do Sistema Único de Saúde
44(SUS) e com a ampliação do
campo de ação do enfermeiro pela Reforma Sanitária. Esta passou a exigir um
44
O SUS (Sistema Único de Saúde) foi implantado em 1990, inserido no contexto de políticas públicas
de seguridade social, abrangendo a saúde, a previdência e a assistência social. De acordo com a Lei nº
8080, de 19 de setembro de 1990, o SUS tem como princípios :
UNIVERSALIDADE – “A saúde é um direito de todos e dever do Estado”;
INTEGRALIDADE – A atenção à saúde inclui tanto os meios curativos quanto os preventivos e tanto os
individuais quanto os coletivos;
EQÜIDADE – Igualdade de oportunidade, sem preconceito ou privilégio de qualquer espécie; todos têm
o direito em usar o sistema de saúde;
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE –Os usuários participam da gestão do SUS através das Conferências de
Saúde, que ocorrem a cada quatro anos em todos os níveis; e através dos Conselhos de Saúde, que são
órgãos colegiados também em todos os níveis.
HIERARQUIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO – Os serviços de saúde são divididos em níveis de complexidade.
O nível primário deve ser oferecido diretamente à população enquanto os outros devem ser utilizados
apenas quando necessário, de forma regulada. Cada serviço de saúde tem uma área de abrangência, ou
seja, é responsável pela saúde de uma parte da população ( BRASIL,1990).
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profissional crítico, generalista, humanista e reflexivo, capacitado para atuar de
forma técnica, social e política, não apenas na rede hospitalar e ambulatórios,
mas na rede básica de serviços de saúde e na comunidade (COSTA e
GERMANO, 2007).
As mudanças operacionalizadas pela implantação do SUS e pela
Reforma Sanitária, com posterior consonância à Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) nº 9.394/96 e ao Decreto nº 5.514/04 trouxeram novas responsabilidades
aos cursos de formação profissional de nível superior e de nível técnico na área
de saúde. Estas tiveram que elaborar novas propostas curriculares sustentadas
no reconhecimento da integralidade das dimensões biopsicossociais do
processo saúde-doença, buscando, assim, difundir uma nova cultura da saúde
na educação profissional (BRASIL, 1999).
Posteriormente, no ano de 2001, após várias discussões realizadas pela
ABEn (Associação Brasileira de Enfermagem), sobre as questões da educação
em enfermagem no Brasil, são instituídas as Diretrizes Curriculares do Curso
de Graduação em Enfermagem, que passaram a defender a realização do
estágio curricular supervisionado articulado à realidade epidemiológica e social
de cada região, como forma de desenvolver, no futuro profissional,
competências para cuidar, gerenciar, educar e pesquisar o processo de
saúde-doença, numa perspectiva dialética, claramente direcionada à garantia de
autonomia dos profissionais de saúde na integração da atenção e humanização
do atendimento individual e coletivo, que ultrapasse a dimensão
médico-hospitalar (COSTA e GERMANO, 2007).
Além de vivenciar o contexto de inserção na realidade do mundo do
trabalho, algo que se configura como um estímulo ao
desenvolvimento da autonomia, responsabilidade, liberdade,
criatividade, compromisso, domínio da prática e de seu papel social,
aprofundamento e contextualização dos conhecimentos e à assunção
de uma práxis transformadora, quando integrado às atividades de
pesquisa e extensão (COSTA e GERMANO, 2007, p.05).
Por outro lado, as críticas realizadas à educação profissional advogam
que a mesma não deixa de atender as exigências do mundo do trabalho,
mantendo-se muito próxima aos setores produtivos, não superando o caráter
pragmático e subordinado da educação aos ditames do capital. Segundo
Deluize (2001), a política de educação profissional, preconizada pelo Ministério
da Educação e estabelecida nas DCNs de Nível Técnico, explicita uma
94
educação para o trabalho desvinculada da dimensão sociopolítica, sem uma
preocupação com a formação ampliada dos sujeitos.
Além disso, como foi visto anteriormente, no capítulo I, o modelo de
educação, atualmente, recria a noção de que a construção da vida profissional
depende exclusivamente do investimento do indivíduo em educação. Nesta
concepção, encobrem-se as questões que estão fortemente ligadas ao
contexto socioeconômico e a relação histórica entre trabalho e capital e que,
portanto, ultrapassam a meritocracia e responsabilidade individual pela busca e
permanência do trabalhador no mercado de trabalho.
Para Deluize (2001), a educação profissional ainda mantém forte base
tecnicista e instrumental, cuja ênfase nos conteúdos mínimos específicos,
dissociados de teoria e prática, revela também um aligeiramento da formação
profissional.
No documento
RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NO TRABALHO NA ÁREA DA SAÚDE:
(páginas 90-94)