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BREVE HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA

2.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E A NOÇÃO DE

2.2.1 BREVE HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA

A responsabilidade objetiva se firmou como categoria autônoma dentro do sistema da responsabilidade civil, a partir da segunda metade do século XIX. Ocorre que a causa de sua origem remonta ao Século XVIII.

O cenário da época era o da Revolução Industrial, fenômeno iniciado na segunda metade do Século XVIII, em que o domínio da produção era o sistema predominante da sociedade.

De acordo com Alonso, todo o impulso desenvolvimentista dos meios de produção foi notabilizado a partir de 1860, com a substituição do ferro pelo aço, empregado como material básico na indústria, nos trilhos ferroviários, nas construções de prédios e pontes; com o vapor sendo substituído pela eletricidade e pelo petróleo; com o aperfeiçoamento técnico das máquinas, que passaram a exigir de seu operador um grau mais elevado de conhecimento técnico; e com o progresso atingido pelos meios de comunicação e de transporte104.

Na medida em que foram disponibilizadas máquinas automáticas nas indústrias e a divisão do trabalho organizou-se em etapas de fabricação, obteve-se como resultado o desenvolvimento da produção em massa, que embora tenha significado um avanço, baixando o custo das mercadorias e facilitando a aquisição por maior número de pessoas, trouxe graves conseqüências à sociedade.

O homem ficou sujeito a um sistema sobre o qual não tinha controle, pois “a utilização de máquinas mais sofisticadas e a superprodução

103 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.9-

10.

104 ALONSO, Paulo Sergio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo:

eram fontes de desempregos e a sujeição ao perigo era cada vez mais iminente, em face do uso das novas tecnologias”105.

A evolução científica veio acompanhada de acidentes nas fábricas e nos meios de transporte, sem que suas vítimas pudessem obter a reparação merecida, devido à ausência de um aparato legal que efetivamente as protegesse daqueles infortúnios.

Recorde-se que as codificações européias do século XIX, ainda se guiavam pela teoria do individualismo jurídico romano, existindo um descompasso entre a legislação e a nova realidade evidenciada pela invenção das máquinas.

Através do critério da responsabilidade fundada na culpa, tornava-se impossível resolver um sem-número de casos vivenciados pela civilização moderna.

Tal qual exemplifica Lisboa, o maquinista que sofria um acidente ao alimentar a caldeira do trem não tinha como demonstrar a culpa do proprietário desse meio de transporte. Crescia os números de usuários do transporte coletivo, vítima de danos físicos e letais durante o trajeto. Acidentes automobilísticos ocorriam em elevado número. Em tais situações, a indenização era obstada devido à impossibilidade de se provar a culpa106.

Era necessário obter um novo fundamento para a responsabilidade civil.

Parafraseando Alvino Lima, tornara-se imprescindível para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, dissociar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica, do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para abordar a questão sob um ponto de vista até

105ALONSO, Paulo Sergio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo:

Saraiva, 2000. p. 35.

106 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de Consumo. São Paulo:

então não encarado devidamente, ou seja, sob o aspecto exclusivo da reparação do dano107.

Foi neste contexto histórico que a teoria da responsabilidade civil objetiva passou a ser defendida nos moldes semelhantes a sua concepção atual.

Lima sintetiza a evolução:

O crescente número de vítimas sofrendo as conseqüências das atividades do homem, dia a dia mais intensas, no afã de conquistar proventos; o desequilíbrio flagrante entre os “criadores de risco” poderosos e as suas vítimas; os princípios de equidade que se revoltavam contra esta fatalidade jurídica de se impor à vítima inocente, não criadora do fato, o peso excessivo do dano muitas vezes decorrente da atividade exclusiva do agente, vieram se unir aos demais fatores, fazendo explodir intenso, demolidor, o movimento das novas idéias, que fundamentam a responsabilidade extracontratual tão-somente na relação de causalidade entre o dano e o fato gerador108.

A responsabilidade deve surgir exclusivamente do fato, considerando-se a culpa em resquício da confusão primitiva entre a responsabilidade civil e a penal. O que se deve ter em vista é a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano e não a idéia de infligir uma pena ao autor do prejuízo causado.

Percebeu-se então, que a noção de risco da atividade do agente, vagarosamente dissociou as idéias da responsabilidade e da culpa.

A teoria objetiva, que funda a responsabilidade extracontratual no risco criado pelas diversas atividades humanas foi, sem dúvida, a que fixou as bases da nova responsabilidade sem culpa. Referido movimento, iniciou-se na doutrina para depois ser positivado pelo direito109.

107 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo : RT, 1999. p. 115. 108 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo : RT, 1999. p. 116. 109 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo : RT, 1999. p. 119.

A visão objetivista da responsabilidade pelo fato da coisa, primeiramente fundamentada na culpa presumida de seu proprietário, foi desenvolvida na doutrina francesa a partir das obras de Raymond Saleiles e Louis Josserand, que muito contribuíram ao trabalharem a idéia do risco como um novo elemento justificador, construindo a teoria da responsabilidade sem culpa.

Saleiles entendia que todo o dano causado por um fato ilícito importaria em reparação, sendo desnecessária a presença da culpa do agente, já que a responsabilidade estaria fundamentada no dever de segurança imposto àquele que assumiria o ato110.

Josserand, citado por Lima, justificando a prevalência de um critério objetivo para a questão, ressaltou que a responsabilidade visa à reparação dos danos, a proteção do direito lesado e o equilíbrio social; assim, “quem guarda os benefícios que o acaso da sua atividade lhe proporciona deve, inversamente, suportar os males decorrentes dessa mesma atividade”111.

Josserand referido por Lisboa, afirmou que na obrigação ex lege pouco importa se há ou não uma relação jurídica prévia entre as partes ou menos ainda se a responsabilidade é contratual ou extracontratual: aplica-se a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco, tutelando-se dessa forma, tanto o contratante como o terceiro112.

George Ripert, seguindo os passos de Saleiles e Josserand, dizia que ao direito moderno não cumpria a tarefa de visar o autor do ato, mas sim a vítima. E, lamentando a ocorrência de tantos acidentes provindos da exploração das atividades de transporte e da indústria, declarou que a democracia não pode

110 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de Consumo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001. p. 35.

111 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo : RT, 1999. p.120.

112 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de Consumo. São Paulo:

admitir uma organização econômica que separa na exploração os benefícios e os riscos113.

Comenta Lisboa114 que, no Brasil, o primeiro diploma legal a

seguir referida tendência foi o Decreto 2.681, de 1912. Reconheceu a culpa presumida por perda de bagagens e danos aos passageiros no transporte ferroviário115, entretanto estipulou a responsabilidade objetiva da exploradora do

transporte por prejuízos causados aos proprietários marginais da via férrea116. Posteriormente, verificou-se a adoção da responsabilidade sem culpa em uma série de leis esparsas, destacando-se por curiosidade, a legislação de acidente do trabalho (Lei n. 5.316/67, o Decreto n. 61.784/67, Lei n. 8.213/91), as Leis n. 6.194/74 e 8.441/92 (seguro obrigatório de acidente de veículos – DPVAT), Lei n. 6.938/81 (referente a danos causados no meio- ambiente), além do próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90),

113 RIPERT, Georges. Regime democrático e o direito civil moderno. Trad. J. Cortezão. São

Paulo: Saraiva, 1937. p. 327-330.

114 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de Consumo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001. p.38.

115 Art. lº - As estradas de ferro serão responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria

das mercadorias que receberam para transportar. Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas:

lª - caso fortuito ou força maior;

2ª - que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza;

3ª - tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi conseqüência de risco que tal espécie de transporte faz naturalmente correr;

4ª - que a perda ou avaria foi devida ao mau acondicionamento da mercadoria ou a ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada, ou protegida por qualquer outra espécie de envoltório.

5ª - que foi devida a ter sido transportada em vagões descobertos, em conseqüência de ajuste ou expressa determinação do regulamento;

6ª - que o carregamento e descarregamento foram feitos pelo remetente, ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e disto proveio a perda ou avaria;

7ª - que a mercadoria foi transportada em vagões ou plataforma especialmente fretada pelo remetente, sob a sua custódia e vigilância, e que a perda ou avaria foi conseqüência do risco que essa vigilância devia remover.

116 Art. 26 - As estradas de ferro responderão por todos os danos que a exploração de suas

linhas causar aos proprietários marginais. Cessará, porém, a responsabilidade, se o fato danoso for conseqüência direta da infração, por parte do proprietário, de alguma disposição legal ou regulamentar relativa a edificações, plantações, escavações, depósito de materiais ou guarda de gado à beira das estradas de ferro.

que também reconhece a responsabilidade objetiva do fornecedor do produto ou serviço por danos causados ao consumidor117.

Assim, paulatinamente, a responsabilidade civil objetiva vinha se firmando, ao lado da já tradicional responsabilidade aquiliana fundada na culpa.

2.2.2 A teoria do risco como fundamento da responsabilidade civil

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