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RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA DE TABACO

Nesta parte do estudo, é cabível a apresentação daquilo disposto pelos doutrinadores acerca do tema abordado. Assim, inicia-se expondo a lição presente no trabalho de Luiz Guilherme Moraes Rego Migliora, Felipe Bastos e Thomas Belitz Franca, intitulado “As ações indenizatórias movidas por fumantes contra empresas que produzem cigarros no Direito Comparado e Brasileiro”:

Para as ações que versam sobre responsabilidade pelo fato do produto, essa nocividade do cigarro (aptidão de causar danos ao

144 Disponível em: < http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/335_99.htm > Acesso em 16 out. 2009. 145 Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2004/PT-442.htm > Acesso

em 16 out. 2009.

146 Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM300_20060209.pdf > Acesso

consumidor) é também o argumento utilizado para classificar o cigarro como um produto defeituoso. Algumas das ações mais recentes também sugerem que, embora a fabricação de cigarros seja lícita, a indústria estaria agindo em abuso de direito. Também não são tão incomuns referências vagas à responsabilidade objetiva e ao dever de indenizar as vítimas do cigarro com fundamento no risco, muito embora essas petições iniciais se omitam em indicar normas de direito positivo que autorizariam a sua aplicação. Por fim, para os autores, o nexo causal estaria demonstrado no fato de estar consolidada na literatura médica e no senso comum a idéia geral de que cigarro causa câncer, enfisema pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica e várias outras doenças graves147.

Ao analisar a conduta da indústria fumígema, Lucio Delfino afirma:

A história evidencia que a indústria do tabaco sempre operou egoisticamente, tendo por escopo maior seus interesses econômicos; desimportantes a ela as conseqüências nefastas que o uso de seus produtos acarreta aos consumidores, sobretudo porque não só omitiu da sociedade – e isso no mundo todo – informes preciosos sobre os malefícios do cigarro, mas também se valeu de expedientes publicitários desleais, fazendo apologia do produto perigoso, com o intuito de confundir, seduzir e aliciar mais e mais adeptos do fumo148.

Luís Roberto Barroso leciona do tabaco, os males à saúde e o seu combate no Brasil:

O cigarro é um produto controvertido há muitas décadas. No Brasil, a associação entre fumo e males à saúde é feita há pelo menos um século. Nos últimos anos, firmou-se o conhecimento convencional no sentido de que o tabaco é, fora de dúvida, fator de risco para inúmeras doenças. Tal fato deu impulso a um amplo movimento antitabagista, que ultrapassa fronteiras e se tornou tão ou mais poderoso que a indústria do cigarro, reunindo

147 MIGLIORA, Luiz Guilherme Moraes Rego. BASTOS, Felipe. FRANCA, Thomas Belitz. As ações indenizatórias movidas por fumantes contra empresas que produzem cigarros no Direito Comparado e Brasileiro. Vol. 846. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 58.

organizações internacionais, governos, entidades médicas e setores articulados da sociedade civil.

Há, porém, consenso de que o cigarro deve ser mantido como um produto lícito, por um conjunto de razões econômicas, políticas e jurídicas. O banimento de um produto, como bem demonstrou a Lei Seca nos Estados Unidos, traz uma imensa quantidade de fatores negativos e de desagregação social, que vão desde a violação generalizada da norma até a formação de um submundo149.

Rui Stocco, em artigo específico sobre o tema aqui abordado, entende que:

O só fato de uma atividade ser lícita não se apresenta como fator de irresponsabilidade. Sob esse enfoque observou com acuidade e correção Lúcio Delfino que "a ilicitude, portanto, reside na imperfeição do produto e não na atividade necessária à sua produção e comercialização”150.

Em sua obra sobre Responsabilidade Civil, Rui Stocco expõe:

Ainda que haja autorização prévia da autoridade administrativa para a transformação da matéria-prima e fabricação de cigarros e assemelhados e, também, expressa previsão acerca da possibilidade (com restrições) de propaganda comercial de tabaco, o que confirma tratar-se de atividade lícita (cf. CF/88, art. 220, § 4º), tal circunstância não infirma a possibilidade de defeito de fabricação ou vício do produto. [...] Ora, não há como se afirmar que o cigarro, segundo o tradicional critério de fabricação, contenha "defeitos" pelo só fato de sua composição orgânica e acondicionamento em embalagem própria. Poderão, eventual e incidentalmente, algumas unidades apresentar defeito, mas não o produto em si, tão-só pela sua estrutura e concepção. Para o Código de Defesa do Consumidor "defeito" é o vício do produto

149 BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro. Revista de Direito Administrativo. Vol. 224. Rio de Janeiro : Renovar,

2001. p. 32-33.

150 STOCCO, Rui. Das indústrias fumígenas e o Código de Defesa do Consumidor. Revista

que leva à sua inadequação para o fim a que se destina, ou ao acidente do consumo151.

Em arremate, Rui Stocco assevera: “Ademais, não há confundir "defeito" com nocividade ou periculosidade do produto152”.

Teresa Ancona Lopez, dispõe sobre o tema: “O problema que se vislumbra na condenação da Indústria do cigarro é que dificilmente se comprova o nexo de causalidade entre os males e o tabaco em razão das diversas concausas presentes153”.

No tocante ao câncer, doença mais comumente causada pelo consumo do tabaco, entende Lopez:

No caso do câncer, doença multifatorial, que até hoje não tem origem determinada, tanto é que cada vez mais lemos matérias que atribuem o câncer ao álcool, à obesidade, ao café, ao chá, ao uso de celular, ao ambiente poluído, ao 'stress', às perdas e mais seguramente à genética. Não há uma causa determinante única, nem mesmo o tabaco, pois há pessoas que fumaram a vida inteira e nunca ficaram doentes e outras que nunca tiveram esse vício ou qualquer outro e adoeceram154.

Arnaldo Rizzardo se posiciona:

O cigarro está excluído do regime jurídico da responsabilidade por acidente de consumo porque possui um risco inerente. Trata-se de produto que intrinsecamente implica perigo à saúde, na medida em que se constitui fator de risco de inúmeras doenças, o que é de conhecimento público há décadas e vem sendo advertido aos consumidores constantemente. O consumidor conhece e é advertido dos males do tabaco. Assim, os riscos à saúde são razoavelmente esperados pelo fumante, razão pela qual não há

151 STOCCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007. p. 794-797.

152 STOCCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007. p. 797.

153 LOPEZ, Teresa Ancona. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo : Quartier Latin, 2008. p. 158

154 LOPEZ, Teresa Ancona. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo : Quartier Latin, 2008. p. 158

que falar em defeito no produto. Lícito que o cidadão possui o livre arbítrio de fumar cigarros ou deixar o vício, utilizando apenas a sua força de vontade155.

Judith Martins-Costa informa que:

Contraria frontalmente a boa-fé (podendo importar venire contra factum proprium) a conduta de quem, tendo, por anos a fio, mantido o hábito de fumar, estando bem esclarecido (até por médicos) acerca de seus possíveis malefícios, vem, depois, imputar o seu hábito a uma imaginosa vis compulsiva absoluta da propaganda de cigarros, para tirar proveito econômico de seu próprio hábito156.

Esta é, diante de um tema amplamente explorado doutrinariamente, uma amostra do posicionamento dominante, qual seja, de refutar a existência de dever de indenizar por partes das empresas de tabaco; entendimento que, como será exposto em seguida, é determinante para as decisões judiciais acerca da referida lide.

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