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2 ACESSO A TERRA, PERSPECTIVAS DO SANEAMENTO,

2.2 Breve histórico do saneamento básico

Ao longo da história, de acordo com Ribeiro e Rooke (2010), o saneamento estava correlacionado principalmente ao acometimento de enfermidades. Porém, o crescimento demográfico populacional crescente, industrialização, consumismo e com isso o aumento da produção de resíduos e seu descarte de maneira inadequada no meio ambiente, tem levado a um problema maior: a falta de recursos naturais para a manutenção da vida humana na Terra.

Para uma maior incursão teórica no tema saneamento faz-se necessário constituir com uma linha do tempo, afim de compreender a sua evolução no decorrer dos anos.

Na Antiguidade as civilizações greco-romanas foram as primeiras a estabelecer critérios sanitários, utilizando o raciocínio crítico das ciências exatas, o foco das ações era a busca pela saúde. A partir das grandes obras de Engenharia Sanitária, se tornaram os pioneiros na organização político-institucional das ações de saneamento. “Esses povos atingiram um alto nível de conhecimento, mas muito se perdeu com as invasões bárbaras, um marco divisor do aparecimento de um novo sistema socioeconômico: o feudalismo” (BRASIL, 2011, s/p).

Já na Idade Média houve uma grande ruptura do conhecimento com o homem, causando um enorme regresso sanitário, a igreja por ser detentora de todo o poder (cultural, arte, ciências e letras), gerou um atraso na evolução do saneamento, já que não faziam parte dos seus interesses naquela época (BRASIL, 2011).

Após a derrubada do antigo sistema já idade moderna e com criação de escolas e o desenvolvimento das ciências naturais. A disseminação do

conhecimento sobre a relação entre a saúde e saneamento passam a ser mais evidentes. A gestão da saúde pública nas cidades renascentistas assimilava-se à da medieval. Os moradores realizavam a limpeza das ruas e os que causassem danos aos leitos dos rios e consequentemente ao de abastecimento de água, eram devidamente punidos (BRASIL, 2011).

O conceito de saúde pública utilizado na dissertação é o instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (1999, s/p) que a defini como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.

Assim, na Idade Contemporânea, principalmente nos países capitalistas, as enfermidades que acometiam à população eram prioritárias, aumentando a expectativa de vida, as taxas de natalidade e a diminuição as taxas de mortalidade. Porém, o crescimento demográfico e a sedimentação social fizeram com que os problemas causados pelo “boom” populacional transpusessem as tentativas de modernização do saneamento (BRASIL, 2011).

A partir do século XX com as primeiras instalações sanitárias nos grandes centros urbanos, o saneamento ganhou visibilidade, porém com os males de saúde que a população sofria, deu-se voz a um cenário preocupante: a falta de políticas públicas para o setor (SAKER, 2007).

No Brasil o setor de saneamento permanece constantemente em transformação. Nos projetos de engenharia que fazem parte do setor, o crescimento populacional e a procura pelos serviços são os que perfazem a discussão principal (HELLER, 2015 s/p). O mesmo autor afirma que “tais projetos visam a certo alcance temporal e, para tanto, a prospecção sobre o futuro, ao longo desse período de alcance, procura ser desenvolvida”.

Essa perpetuação das mudanças do saneamento no Brasil, como diz Heller (2015, s/p):

É muito vinculada a técnicas de projeção demográfica, uma vez que foi consolidada durante as décadas de 1960 a 1980, quando o crescimento populacional ocorria em taxas elevadas e se fazia necessário procurar sintonizar a capacidade dos sistemas, especialmente de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, a uma população futura provável. Os tempos atuais, entretanto, diferem daquele momento. O crescimento das populações deixou de ser significativo, sendo que, entre seus componentes, o crescimento vegetativo, graças à estabilização das taxas de fecundidade, deu lugar aos processos migratórios, afetando assimetricamente os municípios brasileiros. A projeção do efeito dessa dinâmica migratória sobre

uma dada realidade local, contudo, é complexa e, no atual contexto, é fruto, sobretudo, de consequências do crescimento econômico, que tanto pode levar a processos de mobilidade populacional quanto provocar impactos ainda mais ampliados, quando da implantação de grandes projetos industriais ou de infraestrutura. Em sua outra face, porém, visualiza-se que o crescimento econômico, por meio de obras de infraestrutura urbana e habitacional, pode trazer efeitos virtuosos na cadeia produtiva do setor, que é acionada para apresentar respostas às demandas governamentais, bem como trazer novas oportunidades, de ordem política e financeira, para impulsionar a infraestrutura de saneamento (HELLER, 2015, s/p).

Vale destacar que para entendermos melhor o atual momento do saneamento no Brasil, é de fundamental importância a menção das situações históricas ocorridas que culminaram no presente modelo. Conforme demonstradas no quadro 1.

Quadro 1 - Evolução histórica do saneamento no Brasil

Ano Acontecimento

1904 Constituição da medicina social como campo de intervenção: polícia médica, quarentena e controle de portos, hospitais e cemitérios. Fase higienista, protagonizada por Oswaldo Cruz e Pereira Passos, que colocou em cena novos saberes sobre a saúde que passaram a orientar as modalidades de intervenção no espaço urbano. Revolta da Vacina – uma das mais pungentes demonstrações de resistência popular do país contra a exploração, a discriminação e o tratamento a que o povo foi submetido pela administração pública nessa fase da nossa história.

1918 Divulgação do diagnóstico sobre as condições de saúde da população brasileira, através da Liga Pró-saneamento que acenava a necessidade de desenvolvimento rural.

1930 Criação, em alguns estados, de nova estrutura administrativa para os serviços de saneamento, constituindo os departamentos estaduais e federal sob a forma de administração centralizada, prática que mostrou sua fragilidade quando os municípios, sem condições de gerirem os próprios sistemas, viram os recursos investidos desperdiçados, graças à própria incapacidade de administrá-los e mantê-los.

1942 Criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) que assumiu o “Programa de Saneamento da Amazônia” e ações de saneamento em regiões estratégicas para o esforço de guerra.

1950 Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) em vários municípios. Década

1960

O regime autoritário desmobilizou forças políticas, enfraquecendo instituições que atuavam antes de 1964, visando facilitar seu controle. Década

1970

Instituição do Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo que definiu metas para o setor de saneamento, constituindo o embrião do Plano Nacional de Saneamento (Planasa5).

1980 Ocorrem importantes mudanças no setor de saneamento. Reunião de recursos significativos provenientes do Fundo de Garantia por Tempo e Serviço (FGTS) para o investimento em abastecimento de água e esgotamento sanitário pelo Planasa, visando dar novos rumos ao saneamento no Brasil.

1990 Estímulo pela Secretaria Nacional de Saneamento à concorrência entre a atuação do setor público e da iniciativa privada, que já dava mostras de seu interesse por alguns setores controlados por estatais.

Século XXI

Com a posse do Governo Lula, a concessão dos financiamentos passou a ser condicionada à viabilidade econômica e social dos novos projetos. Reinserção da União nas políticas urbanas através da: 1) criação do Ministério das Cidades, mudando o paradigma da desarticulação para se implantar o conceito das políticas urbanas integradas dialogando entre si; 2) criação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA). Instauração de um processo inovador, de abertura à participação da sociedade civil por meio de conferências e do Conselho das Cidades. 2003 Mais de 3.457 cidades, por meio dos seus representantes organizados,

entraram em debate até convergirem na 1ª Conferência Nacional das Cidades – que elegeu o Conselho das Cidades e propôs as alterações necessárias para a legislação pertinente. Instalou-se, em âmbito federal, o mais amplo e democrático processo já empreendido no Brasil para o debate do presente e, sobretudo, futuro das cidades, por meio da parceria estabelecida entre o Ministério das Cidades e as entidades da sociedade civil. Iniciaram-se os estudos e debates sobre as premissas da Política

5 O PLANASA consistia de ações envolviam planejamento, normalização, desenvolvimento e padrão de financiamento e que propiciou ao país uma consistente expansão dos serviços, em um período de forte crescimento populacional e urbanização. Foi extinto na década de 1980. Fonte: Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento Básico. Os desafios e o caminho para a universalização dos serviços de saneamento.

Nacional de Saneamento Básico.

2005 Realizou-se a 2ª Conferência Nacional das Cidades – que contou com a participação de 1.820 delegados e discutiram-se as formulações em torno da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, envolvendo temas como participação e controle social, questão federativa, política urbana regional e metropolitana e financiamento.

2007 Após aprovação do Congresso Nacional, o Presidente da República sanciona a Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e institui a Política Federal de Saneamento Básico (que será melhor apresentada no decorrer do capítulo).

Fonte: “Adaptado de” Ministério das Cidades (2011).

O ano de 2007 constituiu um novo marco importante na história dos serviços públicos de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos no Brasil, seja pela sanção da Lei 11.455/07 (pelo ex-presidente Lula), seja pelo lançamento logo a seguir do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 16 que propiciou a retomada dos investimentos em água e esgotos.

A Lei 11.445 de 05 de janeiro de 2007 significou grandes avanços na gestão e planejamento do setor do saneamento no Brasil. Antes não contemplada a sociedade civil, passou a ser componente essencial a partir do controle social7, se tornando um dos princípios básicos no setor de saneamento no país (JACOBI et al., 2018).

Assim, passam a ser características do planejamento do setor de saneamento a participação e a democracia, inclusive no Plano Municipal de Saneamento Básico, instrumento previsto e detalhado no Art. 19 da Lei 11.445/2007:

A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo: I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; II -

6 Criado em 2007, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), o

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) promoveu a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para o seu desenvolvimento acelerado e sustentável. BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Disponível em: http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/perguntas-respostas.

7Na teoria política, o significado de ‘controle social’ é ambíguo, podendo ser concebido em sentidos diferentes a partir de concepções de Estado e de sociedade civil distintas. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/consoc.html.

objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; IV - ações para emergências e contingências; V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas (BRASIL, 2007, s/p).

Vale destacar que a Lei do saneamento estabelece os princípios para a Política de Saneamento Básico, que deve ser norteada pela universalização do acesso aos quatro componentes: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e manejo das águas pluviais. Definindo a partir daí o conceito de saneamento básico:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - saneamento básico: conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas (BRASIL, 2007, s/p).

Para realização desta pesquisa foi dada ênfase aos três primeiros serviços, citados pela Lei. Estes aplicados a localidades de pequeno porte: vilas, aglomerados rurais, povoados, núcleos, lugarejos e aldeias, assim definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2007).