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3 DESENVOLVIMENTO ABORDAGEM CONCEITUAL

3.1 Desenvolvimento no contexto da expansão das capacidades

Em conformidade com o pensamento de Zamban (2009), o modelo atual de desenvolvimento que fortalece o aumento da produção, o consumo, o acesso às tecnologias, a expansão do comércio e, consequentemente, o crescimento econômico, utiliza sem distinção os recursos naturais, não avaliando as consequências para o meio ambiente e para as relações sociais.

Apesar dos países terem tido um crescimento sem precedentes na produção de bens e riquezas (proporcionando apenas a uma pequena parcela da população um elevado padrão de vida e a disposição de muitos recursos), boa parte da população mundial lida com muitas formas de deficiências, não só do acesso aos bens e serviços, mas como também às condições mínimas de sobrevivência (ZAMBAN, 2009).

Nas bases bibliográficas a denominação de desenvolvimento se apresenta de diferentes formas. De forma generalizada, alguns autores o sintetizam em duas correntes diferentes: a primeira o crescimento econômico como estratégia de desenvolvimento, o qual levaria uma pessoa ou uma população à melhora dos padrões de vida, através da maior distribuição das riquezas (concentração de renda). Já a segunda aponta o crescimento econômico como um fator do desenvolvimento, englobando além dele aspectos: sociais, cultura, institucionais e ambientais (FURTADO, 1974; SEN, 2000; SACHS, 2008; VEIGA, 2008).

Ressalta-se que são várias as críticas ao atual modelo de desenvolvimento, Porto-Gonçalves (2004, p. 23) reforça a ideia que “os desastres naturais de vasto porte mostram que há limites na relação sociedade/natureza para o crescimento econômico”. O mesmo autor enfatiza que “a natureza não se regenera sozinha e isto se evidencia nos atuais quadros de escassez”. Assim, a premissa do modelo de desenvolvimento foca no domínio da natureza. O autor aponta que o vocábulo “desenvolver" significa “desenvolver”, tirar o envolvimento (a autonomia) do povo com seu espaço.

Isto posto, a abordagem adotada neste trabalho entende o crescimento econômico como um meio para a conquista da melhoria das condições de vida de uma comunidade, a qual depende de outros fatores, como disposições sociais,

econômicas e direitos civis (Sen, 2000). Desta forma, o crescimento econômico como meta de desenvolvimento é tarefa que acaba por colocar a individualidade no centro das atenções, onde os esforços deveriam ser concentrados na coletividade. Sendo possível afirmar que: “a análise do crescimento como sinônimo do desenvolvimento é insuficiente, tendo em vista a necessidade de se compreender também os fins de tal processo” (FURTADO, 1974, p.29).

Para Sen (2000) o conceito de desenvolvimento é determinado a partir de duas perspectivas fundamentais: concentração na riqueza econômica; e a vida que as pessoas gostariam de levar. O autor complementa que (SEN, 2000, p. 35):

Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riquezas e do crescimento do Produto Interno Bruto e de outras variáveis relacionadas a renda, ou seja, sem desconsiderarmos a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele [...] desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos.

Segundo Sen (2000) a valorização, a garantia e a promoção da liberdade fazem parte da avaliação da justiça social; assim, ao negá-las, há um comprometimento na realização da pessoa.

Assim, a escolha do tipo de vida que as pessoas consideram importante e o ordenamento das instituições sociais caracterizam a promoção, a defesa e a garantia do exercício da liberdade. Desta forma, a liberdade atua de forma irrefutável nas diferentes etapas e nas suas escolhas. Afirma Sen (2011, p.48):

A liberdade tem muitos aspectos. Ser livre para viver de maneira que se gostaria pode ser significativamente ajudado pela escolha dos outros, e seria um erro pensar em realizações somente em termos da escolha ativa por nós mesmos. A habilidade da pessoa de conseguir vários funcionamentos valiosos pode ser amplamente destacado pela ação pública e política, e essas expansões de capacidades são importantes para a liberdade por essa razão. Na verdade, eu discuti em outras situações que a “liberdade de passar fome” ou “a liberdade de estar livre da malária” não precisa ser considerada por ser simplesmente retórica (como elas são às vezes escritas). Há um sentido real no qual a liberdade de viver como se gostaria é realçado pela política pública que transforma os meios epidemiológicos e sociais. Mas o fato de que a liberdade tenha essa característica não despreza a relevância da escolha ativa pela própria pessoa como um componente importante de viver livremente 2011, p.48).

Desta forma, Sen (2000) coloca a liberdade como um valor moral substantivo imprescindível para a estruturação das sociedades democráticas, auxiliando na suplantação das desigualdades, que implicam no equilíbrio das forças e dos

interesses sociais, políticos, econômicos e culturais. Influenciando diretamente na vida das pessoas, a partir do qual se processam os critérios e as condições para a organização justa da sociedade.

O autor correlaciona ainda, a liberdade com os diversos níveis de relacionamento e na estruturação da vida das pessoas. Para o pesquisador, a expansão das liberdades não só proporciona mais riquezas, mas permite ao ser humano que interaja e influencie no universo (SEN, 2000).

Sen (2010) argumenta ainda que a expansão das liberdades além de fim (meta a ser alcançada) é um meio principal para atingir o desenvolvimento, diferenciando as liberdades instrumentais (ou papel instrumental da liberdade) em: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora (quadro 5).

Quadro 5. Liberdades instrumentais na perspectiva de Amartya Sen (2000)

Liberdades Abordagem conceitual

Políticas Dizem respeito às oportunidades que os indivíduos possuem de escolher quem governa de acordo com princípios, além de deter o poder de fiscalizar e criticar as

autoridades, tendo liberdade de expressão e de escolha, sem censura. Facilidades Econômicas São as oportunidades que a pessoa

dispõe de utilizar os recursos econômicos com a finalidade de

consumo, troca ou produção. Oportunidades Sociais São as disposições sociais que a

população estabelece, em termos de: saúde, educação, moradia, saneamento,

alimentação, vestuário, lazer. Que influenciam diretamente no bem-estar

dos indivíduos.

Segurança protetora Inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e

suplementos de renda para os indígenas, distribuição de alimentos, ou empregos para gerar renda aos pobres. Garantias de transparências No sentido da obscuridade de

informações de forma igualitária a todas as populações.

Fonte: “Adaptado” de Sen (2000) apud Silva (2006)

Bergamasco e Souza (2005, p. 23) asseguram que “o papel instrumental da liberdade está relacionado ao modo de como distintos tipos de direitos, oportunidades e “intitulamentos12” colaboram para a expansão da liberdade do ser humano em geral e, consequentemente, para o acesso ao desenvolvimento”.

Na perspectiva de Sen as pessoas devem possuir capacidades que possam (como agentes) determinar o seu futuro; e a partir do alcance das liberdades por completo atingirem o desenvolvimento. Tal desenvolvimento possibilitará que os agentes se tornem partes efetivas de um processo, dentre os quais merecem destaque: a água e o saneamento, neste sentido Sen (2010, p. 9-10) corrobora dizendo:

Acredita-se que: as razões da enorme assimetria entre as potencialidades do planeta e a vida cotidiana marcada pela pobreza e pela privação de boa parte de sua população tem a ver com a diminuta prioridade que é dada na prática aos desfavorecidos e com a organização social. A atual crise mundial, gerada por graves equívocos de política pública e de comportamento empresarial na maior economia do mundo, a norte- americana, recai, em 6 primeiro lugar, sobre os mais fracos, agravando a pobreza e a desigualdade. Entre outros efeitos, o Banco Mundial estima que 22 crianças a mais terão morrido a cada hora em 2009, ou seja, uma criança a cada três segundos, por causas absolutamente evitáveis (SEN, 2010, p. 9-10).

Neste contexto, a palavra “capacidade” é caracterizada como alternativas para uma possível realização de desejos, ou seja, pode ser considerada um tipo de liberdade: a de ter vontade de possuir tipos de vida diferentes. Por exemplo, uma pessoa que possui recursos (no sentido de renda) que faz dieta por vontade própria pode ter a mesma realização de uma pessoa que passar por fome, por não ter

12 A palavra entitlement, traduzida para o português como entitulamento, foi utilizada por Sen (2000) com um significado bastante específico, sendo o conjunto de pacotes alternativos de bens que uma pessoa pode adquirir; assim, para o autor, uma pessoa passa fome porque no seu entitlement não está incluído nenhum pacote de bens com quantidade suficiente de alimentos.

alternativas. Porém no primeiro caso existe a figura do "conjunto capacitário” diferentemente do segundo. “A primeira pode escolher comer bem e ser bem nutrida de um modo impossível para a segunda” (SEN, 1999, p. 33).

Nos dias atuais vários autores que estão sendo demandados no trabalho concordam que o desenvolvimento não está ligado apenas ao crescimento econômico, mas também com a melhoria das condições de vida das pessoas e com a conservação dos recursos naturais. Sobre o assunto, Petitinga (2006, p. 15) comenta que “estes três fatores estão inter-relacionados e são interdependentes”. O crescimento da renda e riqueza; e as condições dignas do trabalho estão relacionadas com os aspectos econômicos, contribuindo com o aparecimento de oportunidades sociais. Da mesma forma, a questão ambiental deve estar agregada a social (PETITINGA, 2006).