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3 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA E O PAPEL DO ADVOGADO

3.8 O PAPEL DO ADVOGADO

3.8.1 Breve panorama histórico da ética

Desde os períodos mais arcaicos da civilização grega, as manifestações do pensamento, expressas pela poesia, religião e tragédia, ocupavam-se com o significado ético da vida humana, o que leva a crer que, possivelmente, a ética tenha sido a primeira preocupação a motivar as reflexões dos primórdios da cultura ocidental (SILVA, 2010).

A ética diz respeito à dimensão da filosofia que reflete a moralidade e, enquanto a moral prescreve condutas de modo imediato, a ética viabiliza um caminho mediato para a conduta, por meio da fundamentação do fenômeno moral. Assim, a ética está situada nas reflexões do discurso filosófico, diferenciando-se das normas e avaliações criadas no mundo social, como afirma Cortina (2010).

Desse modo, para a autora, a ética não nasce diretamente do mundo social, mas se dá por meio do discurso reflexivo e autorreferencial da filosofia, o que a faz conceitual e argumentativa, sendo que apenas por meio do conceito a filosofia tem a possibilidade de “[...] esclarecer e justificar racionalmente as pretensões humanas ao verdadeiro, ao correto e ao bom.” (CORTINA, 2010, p. 28).

Nas primeiras organizações sistemáticas do saber, não havia a clara separação feita entre o mundo natural e o homem, que é seu habitante. Nas tentativas de explicar o mundo e o lugar ocupado pelo homem, não era realizada a separação entre o conhecimento físico e a reflexão acerca dos valores relacionados

à dinâmica do mundo natural. O homem buscava alcançar a perfeição pessoal, no sentido ético, guiando-se pela organização cosmológica (SILVA, 2010).

Com Aristóteles, o conhecimento procurou compatibilizar as particularidades e as contingências próprias do mundo factual, mas, mesmo assim, o critério ético continuou sendo a harmonia entre o homem e o cosmos. Passou-se a entender, apenas, que as questões referentes aos valores norteadores da conduta humana não apresentavam o mesmo grau de certeza e objetividade que se podia alcançar na ciência das coisas e dos seus princípios. Os indivíduos começaram, então, a buscar a harmonia por meio da prudência, mais adaptada à complexidade da vida moral que a cientificidade, como afirma Silva (2010).

O autor continua, afirmando que o pensamento cristão, por seu turno, trouxe a ideia de alma como um vínculo entre a criatura e o criador e a noção do mundo natural apenas como um local de passagem da alma, rumo à eternidade, seu destino final. O predomínio, ao longo dos séculos, do pensamento que reúne elementos da filosofia grega com a doutrina cristã fundamentou uma moralidade que refletia, no ser humano, a perfeição do seu criador, segundo a qual a correção moral estava em o homem tentar, ao máximo, corresponder à sua semelhança com Deus. Esse valor acabou por alçar a noção de pessoa a um dos principais elementos da reflexão ética até a atualidade (SILVA, 2010).

A descoberta da interioridade, então, deve ser atribuída à filosofia cristã, mas apenas na modernidade essa interioridade foi compreendida como autonomia subjetiva, o que repercutiu no campo da ética. A autonomia do sujeito, vista como a autonomia da razão, questiona a sujeição da moral a aspectos teológicos e dá margem ao entendimento de que “a razão, autônoma, deve procurar livremente as condições do conhecimento e da moral.” (SILVA, 2010, p. 9).

Cortina (2010) discute que essa dimensão intelectualista da ética, no sentido de que as questões morais podem ser resolvidas por meio da razão, não tardou a se mostrar insustentável. Kant constatou que a metafísica, um dos pilares do saber, não levava a resultados objetivos como os da física e da matemática, o que culminou na restrição da atividade do sujeito ao campo da razão teórica, rompendo a noção de unidade do sujeito, presente na filosofia anterior. O sujeito não é pessoa, nem substância espiritual, nem consciência metafisicamente autônoma.

Nesse sentido, Silva (2010, p. 10) afirma que a ética “é uma estrutura lógica de requisitos formais do conhecimento. Kant, então, concebe o fundamento da moral no nível da pura forma, sem qualquer conteúdo.” Assim, nasceu o “imperativo categórico”, conforme o qual um critério ético só pode ser admitido como tal se puder ser concebido como universal.

Para Kant, o sujeito moral não se submete a qualquer determinação, deixando-se conduzir tão somente pela universalidade formal do critério ético. A incondicionalidade do ato moral, portanto, é o que define essa concepção ética, no entendimento de Silva (2010). E as normas constituem o objeto da ética, sendo possível fazer uma argumentação racional a respeito não da verdade ou da falsidade dessas normas, mas sim acerca da correção e da validade delas, como afirma Cortina (2010).

Mais tarde, Apel (2008) e Habermas (2007), por meio da “ética do discurso” erigiram a linguagem, essencial às contendas judiciais, à temática central da ética. Já não se tratava de pensar o ser ou o sujeito, a subjetividade, como paradigmas da ética, mas a linguagem como essencial às reflexões teóricas e práticas. Para Apel (2008), a fundamentação da ética se encontra na linguagem e na intersubjetividade, e não na consciência, como ocorria na modernidade.

Para a ética do discurso, as normas morais são fundamentadas na linguagem, sendo que um predicado é considerado adequado a um sujeito quando todos os participantes do discurso convergirem para essa adequação. Para essa nova perspectiva, o ato ilocucionário é particularmente importante, pois, ao pressupor a simetria entre o que se fala e o que se faz, a locução exige comprometimento moral do locutor (APEL, 2008).

Um ato de fala, que se quer fazer entender, necessita de que quem fala e quem escuta dominem, de modo unívoco, os conceitos do discurso (pretensão de inteligibilidade), que haja adequação entre o que se diz e o mundo real sobre o que se diz (pretensão de verdade), que haja a manifestação correta quanto ao que é socialmente reconhecido (pretensão de correção) e, por fim, que exista a correlação entre as intenções do sujeito e o ato da fala (pretensão de veracidade) (APEL, 2008).

Nesse contexto, Apel (2008) afirma que quem argumenta pressupõe que a sua argumentação desperta pretensões intersubjetivas para a validade das proposições à verdade, correção e veracidade, e que essa argumentação visa ao

entendimento consensual por todos os envolvidos no discurso. O princípio moral faz- se presente na argumentação quando quem argumenta supõe, necessariamente, todos os princípios universais acima elencados. Dentre eles, encontra-se a pretensão de verdade, conforme a qual um enunciado verdadeiro pressupõe um estado de coisa que o ouvinte pode reconhecer e compartilhar com o falante.