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Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, é considerado um dos maiores e mais polêmicos pensadores do seu tempo. A busca pela verdade é um aspecto central nos seus estudos, devido à aproximação desse tema com a moralidade, outro assunto de grande interesse para o filósofo. Seus ensinamentos se contrapõem à noção de que a verdade pode ser alcançada por meio da metafísica, bem como à de que existem verdades absolutas, universais e imutáveis inerentes às

coisas, aos indivíduos e aos enunciados. Sua filosofia, então, se constituiu em forte oposição aos pensadores de matriz tradicional e aos que enfrentaram o tema da verdade com base em noções e fundamentos deles herdados (CAMARGO, 2008).

Nietzsche (1999 apud CAMARGO, 2008) afirma que o principal erro dos que buscam a verdade pelo viés da metafísica é pressupor que as coisas que mais valorizam não poderiam advir do mundo sensível, tido como traiçoeiro e fugidio. Ao analisar como se tentou responder a questão acerca da gênese da verdade e da moral, observa ele que a filosofia metafísica supõe que as coisas consideradas de maior valor e que conduziriam à verdade advêm de algo transcendental, diretamente do íntimo e da essência da coisa em si mesma, visão esta que encerra um dogmatismo sobre o tema. Nesse sentido, o que se entende por verdade e se toma como bom já existe desde sempre, sendo somente acessado pelos pensadores. Nietzsche considera que essa forma de entender os valores e a gênese da verdade é preconceituosa e que os preconceitos nada mais são que crenças.

A ideia dogmática de verdade está subordinada à crença em um mundo verdadeiro, que existiria por trás das máscaras do mundo sensível. Nietzsche (1999 apud CAMARGO, 2008) contrapõe a essa filosofia metafísica a investigação histórica, que possibilitaria que a relação entre a verdade e a moral não mais se encontrasse situada em uma esfera transcendente às experiências, passando a ser percebida como fruto da criação do homem, pertencente, desse modo, à história. A verdade não é, para ele, algo acabado e pronto para ser descoberto, mas algo que é contingencialmente criado.

Nietzsche (1999 apud CAMARGO, 2008) defende que a própria fundamentação metafísica da moral tem uma história, criada por pessoas que acreditaram ter alcançado a verdade sobre um bem e um justo imutáveis. O filósofo entende que se deve compreender a moral na esfera dos sentimentos e das emoções. Somente a procura pelo que há de humano nas questões morais poderá levar à compreensão dessa questão por um novo prisma, não metafísico e sem preconceitos. A moral, nesse sentido, deixa de ser uma norma decorrente do conhecimento do verdadeiro bem e passa a ser uma representação proveniente de sentimentos e emoções, localizada na história.

Conforme o que ensina Nietzche (1999 apud CAMARGO, 2008), a vontade de verdade, que consiste na busca incessante pela verdade, ao longo da história da filosofia, advém de uma vontade de engano. Esta seria a necessidade de se elevar

um certo valor à categoria de verdade, a fim de torná-lo mais forte e poderoso, para que se possa acreditar nele. Porém, é um engano tomá-lo por verdade, posto que esse valor é criado historicamente. Assim, a verdade em que se acredita não passa da crença na veracidade de um engano, no qual se crê por se pensar que está ligado a uma esfera metafísica inquestionável. Quando se entende a verdade como uma necessidade cultural que possibilita a vida em sociedade por tornar a experiência comunicável, percebe-se que a verdade pode ser apenas uma crença, ou seja, para que a verdade seja a verdade, é preciso que muitas pessoas nela creiam.

Tendo em vista que a verdade é criada, então ela é uma modalidade de erro, um erro mais aceito pela moral, talvez por ser ele necessário à humanidade, que só sabe viver mediante representações valorativas e lógicas. A conversão da invenção (erro) em verdade alude à necessidade do homem de crer em algo inventado como se fosse uma verdade absoluta. Somente assim se pode acreditar em um erro, em decorrência de uma necessidade vital. Nessa via, a vontade de verdade, isto é, a busca e valorização da verdade acima da ilusão, seria uma forma de autopreservação e possuiria uma função reguladora. O homem tem a necessidade de criar e de crer na verdade, mas essa vontade de verdade é tão somente uma ilusão de perspectiva, ou seja, consiste em uma vontade de engano. O homem engana a si mesmo acerca da verdade, por necessidade. Partindo desse raciocínio, Nietzsche (1999 apud CAMARGO, 2008) diz que o mais importante na avaliação de um juízo não é se ele é verdadeiro ou falso, mas em que medida ele promove ou conserva a vida.

Aceitar que até mesmo os pilares do mundo racional e lógico, que dão suporte à comunicação e à sociabilidade, são construções e não verdades, denota a inevitabilidade da falsidade para a vida, haja vista que tais construções são interpretações, falsificações, mas, mesmo assim, são indispensáveis. Ao passo em que se acredita em uma falsificação como se uma verdade fosse e essa crença é que possibilita a condição humana, pode-se afirmar que a ilusão e o engano são mais relevantes para a vida que a verdade. Por isso, Nietzsche (1999 apud CAMARGO, 2008) entende que valorizar a verdade mais que a aparência é um preconceito moral.

A dita verdade seria um argumento para legitimar certas condutas, ancoradas em valores morais tidos como bons, e condenar outras, alicerçadas em valores

considerados ruins, por trás de uma suposta neutralidade. Daí decorre, inclusive, a legitimação da coerção. A verdade é unicamente um juízo de valor e, assim, seu caráter não é absoluto. Diante disso, a confiança que se tem na razão, na lógica e na dialética somente demonstra o quão úteis elas são para a vida, mas não a sua verdade. A verdade, para Nietzche (1999 apud CAMARGO, 2008), está na crença de algo que se toma por verdadeiro e, assim, toda crença é necessariamente falsa, uma vez que um mundo verdadeiro não existe, em absoluto.

Nietzche, então, tenta deslocar a questão da verdade do âmbito da filosofia moral dogmática para o campo de abordagem perspectivista e histórica, que considera o caráter delimitado e parcial de todo conhecimento humano. Sob esse prisma, ele entende que, sem o pano de fundo ontológico e ético de outrora, somente pela crença e pela aceitação compartilhada de algo como verdadeiro é que se pode se alcançar a tão almejada essência da verdade (CAMARGO, 2008).