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3. MANIFESTAÇÕES, REPRESSÃO, DEMOCRACIA SELETIVA: O PANORAMA

3.6. BREVES APONTAMENTOS SOBRE O MOMENTO HISTÓRICO APÓS O

Se com relação ao processo criminal dos 23 da Copa não houve desdobramentos após a promulgação da sentença em julho de 2018, o período histórico foi de intensas e alarmantes reviravoltas políticas. Em 2016, após o processo de impeachment que retirou a presidenta Dilma Rousseff do poder, seu vice, Michel Temer, do MDB, retomou uma política mais explicitamente neoliberal, que acarretou retrocessos significativos para o povo brasileiro – como, por exemplo, a aprovação de uma reforma trabalhista que acarretou perdas de direitos para a classe trabalhadora.

O processo de impeachment de Rousseff foi considerado por grande parcela da esquerda brasileira um golpe de estado sancionado pelo poder legislativo. Desde então, o debate sobre a existência ou não de uma democracia em terras brasileiras foi ampliado.

No último ano do mandato de Temer, o país presenciou uma corrida eleitoral protagonizada pelos candidatos Jair Bolsonaro, do PSL e Luís Inácio “Lula” da Silva, do PT, que comandou a maior parte de sua campanha de dentro da cadeia, tendo sido preso no dia 8 de abril de 2018, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de reclusão em regime

fechado pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, em ação penal envolvendo um apartamento triplex na cidade litorânea de Guarujá, em SP.

A detenção de Lula no ano eleitoral instigou grande revolta e gerou denúncias quanto ao caráter essencialmente político de sua prisão, uma vez que o ex-presidente era o único candidato a vencer todos os demais candidatos nas simulações feitas por pesquisas de intenção de voto. Ademais, a condenação de Lula foi, a rigor, uma prisão preventiva, uma vez que havia ainda recursos a serem julgados em terceira instância. Essa prisão preventiva foi ensejada por controversa jurisprudência que, desde fevereiro de 2016, admitia a possibilidade da prisão logo após a condenação do réu em segunda instância, ou seja, já a partir do julgamento por Tribunal de Segundo Grau. Tal jurisprudência foi alvo de críticas por representar, na opinião de muitos juristas, uma contradição à cláusula pétrea28 da Constituição de 1988 que assegura os direitos e garantias individuais dos cidadãos brasileiros, mais especificamente a que garante a presunção de inocência até que haja o chamado trânsito em julgado, ou seja, até o fim dos recursos em todas as instâncias jurídicas do país. Apenas no dia 7 de novembro de 2019 o Supremo Tribunal Federal revogaria, por 6 votos a 5, a jurisprudência que permitia a prisão após a condenação em segunda instância. No dia seguinte à decisão do STF, Lula teria a liberdade provisória concedida, após passar 580 dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.

Mesmo após a prisão de Lula em abril de 2018, o PT optou por mantê-lo como candidato durante a maior parte da disputa pelas eleições daquele ano. No final de agosto de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou, por 6 votos a 1, a candidatura do ex-presidente, proibindo que seu nome fosse utilizado na campanha do partido. A decisão do TSE forçou o PT a substituir Lula pelo candidato que seria seu vice, Fernando Haddad. Manuela dÁvila, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foi escolhida como vice candidata. A candidatura Haddad-dÁvila foi oficializada apenas no dia 11 de setembro de 2018, menos de um mês antes da realização do primeiro turno das eleições, a ser disputado no dia 7 de outubro. Embora a chapa do PT, ainda que sem a figura de Lula, tenha recebido o segundo maior percentual de votos válidos no primeiro turno, ela não foi capaz de vencer a disputa presidencial. Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), e seu vice, Hamilton Mourão, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), venceram as eleições de 2018 com 55,13% do total

28 Cláusula pétrea é o nome dado aos dispositivos constitucionais cuja alteração é interdita, mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC). As cláusulas pétreas da Constituição brasileira de 1988 são as dispostas no artigo 60, § 4º.

de votos válidos, contra 44,87% dos candidatos Fernando Haddad e Manuela d’Ávila, no segundo turno

A eleição de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão representou um duro golpe para os defensores dos direitos humanos, para as minorias e para a já restrita e frágil democracia brasileira. Steven Levitstky, coautor de Como as Democracias Morrem, declarou ao jornal Nexo que considera Bolsonaro o líder mais explicitamente autoritário do mundo. Abertamente racista 29, homofóbico30, machista31 e pró-ditadura32, Bolsonaro legitima através de suas falas violências que podem desencadear uma guinada autoritária sem retorno no país.

Neste mandato de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, é necessário guiar-se pelas palavras de ordem estampadas no livro-manifesto de Mendes: resistir é preciso.

Passaremos, no próximo capítulo, à análise de A pequena prisão.

29 ““Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais” (BOLSONARO, 2017. In: Veja, 2017. Disponível em: < https://veja.abril.com.br/brasil/bolsonaro-e-acusado-de-racismo-por-frase-em-palestra-na-hebraica>. Acesso em 5 abr. 2020).

30 “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” (BOLSONARO, 2018. In: Folha de S. Paulo, 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/veja-11-frases-polemicas-de-bolsonaro.shtml>. Acesso em 5 abr. 2020).

31 “Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher" (BOLSONARO, 2017. In: O Globo, 2017. Disponível em: <https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-moreno/post/em-video-de-palestra-bolsonaro-diz-que-ter-filha-foi-fraquejada.html>. Acesso em 5 abr. 2020).

32 “O erro da ditadura foi torturar e não matar” (BOLSONARO, 2016. In: Jovem Pan, 2016. Disponível em: < https://jovempan.com.br/programas/panico/defensor-da-ditadura-jair-bolsonaro-reforca-frase-polemica-o-erro-foi-torturar-e-nao-matar.html>. Acesso em 5 abr. 2020)

4. MEMÓRIAS DOS PORÕES DA SOCIEDADE: ANÁLISE DE A PEQUENA