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CAPÍTULO 3 – A DOMINAÇÃO ASSÍRIA DE ISRAEL E JUDÁ:

3.1. Breves páginas acerca da história de Israel e Judá

O caso de Israel é único entre os povos do Antigo Oriente, uma vez que sua tradição historiográfica terem sido conservadas dentro do âmbito do judaísmo e do cristianismo. Mais do que seu reconhecido valor de caráter religioso, esse corpus textual é de fundamental importância por agrupar relatos muito bem conservados sobre a história de um povo, composta e tornada oficial por ele mesmo, ao longo das páginas do tempo.

Considerando, aliás, a escassez de vestígios arqueológicos e epigráficos de Israel em relação a outros povos da Antiguidade Oriental, relatos do Antigo Testamento tornam-se fontes históricas de grande monta na tentativa de reconstruir da melhor forma possível a história da Palestina Pré-Clássica. Essa tarefa, porém, acaba tornou-se árdua pela própria sacralidade que esses livros assumiram no interior de suas religiões e no véu que as revestem exteriormente: uma vez que esse corpus textual assumiu o valor de “verdade revelada por Deus”, toda atividade de crítica documental exigia uma sutileza e trato diferenciado, muito além do que se convencionou com outros tipos de fontes, mesmo que textuais, para outros povos, em contextos similares.

Muito em virtude disso, é numerosa a quantidade de estudos realizados acerca da Palestina Antiga que procuraram comprovar a veracidade dos relatos do Antigo Testamento17, comparando-os às evidências arqueológicas e outros registros documentais que nos chegaram. A busca por confirmações ou a tentativa de demarcar as contradições existentes, tornaram muitas análises em trabalhos improdutivas, pondo os rumos das pesquisas diante de becos sem saídas, ou produzindo análises raras, pouco importantes ao conhecimento histórico (LIVERANI, 1995, p. 516-517).

Interessa-nos mais pensar a tradição historiográfica de Israel como produtos surgidos em um dado contexto, muitas vezes resultantes da transmissão e reescritura proveniente da tradição oral, produzidos para atender determinados fins (EISSFELDT, 1975b, p. 537-541). Isso implica conhecer brevemente as páginas da história de Israel e Judá.

17 Ver: KELLER, W. E a Bíblia tinha razão... São Paulo: Melhoramentos, 2002 (1955). Ver também:

Sabe-se que entre séculos XV e XII a.C. Israel foi dominado pelo Egito. É tendo o Egito como contraponto que se deu um dos momentos mais marcantes episódios na tradição hebraica: o Êxodo (EISSFELDT, 1975a). A saída do povo “eleito por Deus” em direção a “terra prometida” constitui uma narrativa de grande importância (EISSFELDT, 1975b, p. 541- 548), pois se trata da “história fundadora” do povo de Israel. A marca de um passado em terras estrangeiras – o Exílio – e a relação que os israelitas tem que travar com as populações autóctones que habitavam as terras que eles passaram a ocupar lhes imprimiu a necessidade de definição étnica e identitária do grupo. Ainda nesse mesmo sentido, o retorno do Exílio na Babilônia e a conquista de Jericó por Josué se efetivam como marcos posteriores para a construção dessa identidade étnica em vias de consolidação que, por consequência, teve a finalidade de manter a unidade do grupo, que assegurava a coesão social e religiosa.

Com a queda do império egípcio, as populações da região sírio-palestina desfrutaram de um período de relativa autonomia, sem dominação estrangeira: os filisteus passam a tomar o controle de cidades cananeias; nas colinas e montanhas da Cisjordânia e nos planaltos semiáridos da Transjordânia houve o surgimento de aldeias e pequenas cidades fortificadas, em um processo de colonização característico da Idade do Ferro; povos de origem tribal e pastoril gradualmente realizaram seu processo microssistêmico de assentamento que, posteriormente, passariam à unificação e formação de organismos políticos. Durante esse período pré-monárquico é que também se forma uma espécie de estrutura etnopolítica de Israel, o qual encontra sustentação básica a partir de uma “árvore genealógica” da unidade étnica de Israel: os patriarcas Abraão, Isaac e Jacó são valorizados pela tradição historiográfica como elemento fundante; os doze filhos de Jacó deram continuidade sanguínea ao patriarcado e fundaram as Doze Tribos; as ramificações seguiam com os chefes das Doze Tribos e, por fim, atingiam os patriarcas de núcleos familiares menores (LIVERANI, 1995, p. 517; EISSFELDT, 1975b, p. 548-553). Nesse sentido, o laço sanguíneo e a contiguidade com um passado que ancora o presente se torna elemento importante para a identidade étnica do povo de Israel.

Essa comunidade nacional e religiosa, contudo, já havia sido fundada desde o pacto entre Moisés e Yahweh. A preponderância da figura de Yahweh, nesse período, atende a demandas que refletem o contexto vivenciado na Idade do Bronze Tardio: novas formas de reordenamento sociopolítico, marcado pela substituição de um rei terreno por uma divindade, que passa a chefiar a vida política e religiosa, além de exercer o controle e coesão social (LIVERANI, 1995, p. 519). Assim se deu a ressonância de Yahweh em Israel.

Na ausência de reis, os Juízes exerciam a posição de governança. O Período dos Juízes marca a consolidação da nova entidade etnopolítica na historiografia israelita: a luta contra as cidades-Estado rivais, a aparição de magistraturas, a experimentação de procedimentos de decisão burocráticos e a progressiva formação de um estado monárquico serviram de base para a formação de um poder centralizado. Com o gradual abandono das heranças políticas tribais ocorreu da monarquia, com fortes traços do sistema palatino, por Samuel e Saul (c. 1000 a.C.). Porém, a Palestina cai diante do domínio dos filisteus, o que obrigou as tribos do Norte (Israel) a reconhecerem Ish-Ba’al, filho de Saul, como rei; já as tribos do sul (Judá), sob a liderança de Davi (1000-960 a.C.), fundaram um novo reino mediante a provável conivência filisteia. Com a morte de Ish-Ba’al, Davi é coroado também rei de Israel, o que gera uma reação filisteia, que acabou por se mostrar tardia e ineficaz (LIVERANI, 1995, p. 520; EISSFELDT, 1975b, p. 553-580).

Davi garantiu a estruturação do reino a partir da coalizão das tribos, unidas pela contiguidade territorial e pela obediência a um só rei que governava toda a Palestina. Consolidou-se um estado territorial com caráter nacional, reforçado por políticas de expansão militar, o que permitiu a Israel desfrutar de uma posição preponderante na geopolítica da região sírio-palestina durante o século X a.C. (LIVERANI, 1995, p. 520-522; EISSFELDT, 1975b, p. 580-587).

Com Salomão (960-920 a.C.), o Estado estruturado por Davi alcançou a maturidade, no qual não são mais necessárias as guerras, nem a política expansionista, pois as relações políticas se baseavam na diplomacia. O comércio atingiu grande desenvolvimento com a potência das rotas de comércio com o sul da Arábia; houve o fortalecimento das relações com Egito e Fenícia; as obras públicas receberam grande impulso; centros administrativos e militares descentralizados foram organizados; o Estado foi dividido em distritos que deveriam pagar tributos em forma de bens e trabalhos. (LIVERANI, 1995, p. 522-524; EISSFELDT, 1975b, p. 587-605). Entretanto, com a morte de Salomão, Judá e Israel se dividem novamente: Judá deu continuidade a linhagem dinástica de Davi, enquanto Israel converteu-se em uma monarquia independente e peculiar, seguindo o modelo de Saul, sem capital fixa, sem linhagem dinástica, e sem aparato burocrático e fiscal (MITCHELL, 1982a, p. 451-466).

E nesse contexto de fragmentação e enfraquecimento político, surgiu o espectro de um inimigo poderoso à espreita nas fronteiras do norte do corredor sírio-palestino.

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