• Nenhum resultado encontrado

BREVES PROPOSTAS dE InTERVEnçãO

O “ARRASTãO” MEdIáTICO E A ACçãO dOS MEdIA

2. BREVES PROPOSTAS dE InTERVEnçãO

Considerando que o desenvolvimento dos media deve acompanhar as transformações da sociedade, que num contexto globalizado se apresenta cada vez mais multicultural, foram também definidas a nível internacional, em 2004, as competências inter- culturais exigidas aos jornalistas, nomeadamente no domínio do conhecimento (em termos de religião, hábitos culturais e história dos actores sociais e do seu papel na sociedade), das aptidões e experiências (aptidões de comunicação intercultural, capacidade para tirar partido das fontes e organizar uma rede multicultural) e atitudes (mente aberta e inquisidora, que actue directamente na comunidade e que conceda maior liberdade à pessoa entrevistada) (Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança, 2010: 35).

Em reforço desta perspectiva, os media devem assumir um papel de “plataforma para uma comunicação aberta e imparcial sobre os aspectos positivos e negativos das realidades sociais, incluindo a migração” (Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança, 2010: 9), relevando a importância institucional para a adopção de linhas

orientadoras de acção, atendendo que também é neste domínio que é assegurada a liberdade de expressão. As intervenções devem passar pela sensibilização dos agentes de comunicação social sobre a temática do racismo, com um código de conduta ao nível da linguagem e das fontes utilizadas, bem como um regular recurso directo a elementos das comunidades imigrantes, com criação de colunas de opinião, assim como a assunção de um papel activo na divulgação de medidas de apoio, onde configurem alguns direitos relativamente às diferentes línguas e culturas (Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança, 2010).

Entendemos que os profissionais devem, no plano deontológico, acompanhar a sua actividade por um contínuo esforço de reflexão e autocrítica sobre o trabalho que desenvolvem, tal é a importância do seu papel enquanto formadores de opinião. A existência de provedores em alguns órgãos da comunicação social pode ser uma boa prática a seguir.

Nesta linha, torna-se necessário um plano de acção dirigido a todos os produtores e difusores de notícias, com o objectivo de eliminar um novo tipo de racismo subtil, por ser uma forma de racismo de difícil controlo e combate. Deste modo, emerge “o recurso ao conceito de interculturalidade, enquanto mecanismo de promoção da comunicação e da interacção positiva entre os vários grupos culturalmente distintos que compõem a sociedade” (Malheiros et al, 2011: 24), sublinhando-se que:

“as sociedades contemporâneas, como a portuguesa, são cada vez mais mar- cadas pela diversidade étnica e cultural, [tornando-se] fundamental acentuar a tónica da partilha e das relações entre grupos étnico-culturais distintos, até porque a coexistência e a interacção são frequentemente marcadas por sentimentos de estranheza, incompreensões recíprocas” (Rocha-Trindade apud Malheiros et al, 2011: 24).

Acompanhando estas propostas de combate ao racismo e à discriminação, entendemos que as medidas previstas no “Manual de Integração para Decisores Políticos e Profissionais” e no manual de “Promoção da Interculturalidade e da Integração de Proximidade” devem

ser transpostas para as políticas do Estado, nos sectores da educação, da cultura, do desporto, do apoio social e da família, não esquecendo o importante papel do sector da justiça, pela penalização das situações de racismo, xenofobia e discriminação, reforçando o controlo dos conteúdos racistas nos media por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e aplicando uma política eficaz de comunicação (Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança, 2010; Malheiros et al, 2011).

É ainda de mencionar que o desenvolvimento das competências dos agentes no sector da comunicação social se enquadra num contexto mais amplo das democracias liberais onde existe a garantia da liberdade de imprensa, mediante a qual se atribui aos media as funções de informação, educação e entretenimento, responsabilizando-os por uma comunicação aberta e imparcial sobre os aspectos positivos e negativos das realidades sociais (Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança, 2010: 9). De acordo com o diagnóstico e as propostas apresentadas pela Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança (2010), podemos sintetizar esta responsabilidade como um desafio partilhado e que deve ser assumido por todos os sectores, e não apenas pelos media: “Os profissionais da comunicação social, os governos, os políticos, o público, as organizações da sociedade civil e as empresas privadas, todos têm um papel a desempenhar” (ibidem). Concordamos, em síntese, que é primordial a organização de campanhas de sensibilização e o recurso aos decisores políticos e profissionais:

“As iniciativas destinadas a criar e manter meios de comunicação social que melhor sirvam e reflictam a diversidade cultural das sociedades europeias contribuirão, não só para promover a igualdade, mas também para facilitar a integração e apoiar a coesão das comunidades” (idem: 26).

De modo complementar, e pelo papel da educação na promoção da igualdade e na sensibilização contra o racismo e discriminação, destacamos como boa prática a iniciativa da Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e da Comissão para Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) com o Concurso Nacional de Poesia e Conto contra o Racismo, em 2013 (ACM, 2014). Para além deste tipo de actividades, que privilegiam crianças e jovens, tanto autóctones como de origem imigrante, deve também referir-

-se a importância de Projectos de Educação Intercultural como outro tipo de iniciativas facilitadoras dos processos de inserção social local.

3. COnCLuSãO

Face à persistência do racismo nas sociedades contemporâneas e desempenhando os media um papel primordial na formação da opinião pública, entendemos que na intervenção para o combate à discriminação e para a promoção da igualdade assume especial relevância o conceito de interculturalidade, na medida em que permite o reforço prático das competências que possibilitam uma melhor comunicação e a compreensão entre indivíduos de diferentes culturas, tanto nas escolas como noutros domínios do espaço público. De certa forma, o recurso à interculturalidade enquanto conceito orientador da acção, torna-se abrangente a todos os mecanismos e acções que pretendem promover e valorizar a interacção positiva entre os vários grupos presentes nas sociedades e que contribuem para o fortalecimento da cidadania e para a construção da coesão social (Malheiros et al, 2011: 25).

Num mundo global, constata-se que os avanços tecnológicos têm vindo a alterar a natureza dos próprios meios de comunicação social, os quais vêm assumindo um papel preponderante nas sociedades. Todavia, os media não são ideologicamente neutros, nem são imunes ao racismo institucional ou às suas manifestações mais subtis. Neste sentido, pela influência dos media na formação de opiniões e atitudes e na construção da imagem do Outro, estes revelam-se como veículos primordiais na desconstrução de estereótipos e de preconceitos, se enquadrados por uma política mais vasta de promoção da diversidade étnica, social e cultural, uma vez que o seu poder isolado do contexto político-social será sempre insuficiente e ineficaz. Os media podem constituir-se, então, como parceiros-chave na implementação de medidas políticas de combate ao racismo e à discriminação e de aceitação e valorização da diversidade étnica e cultural. Tendo em conta a sua influência na formação de atitudes, é fundamental o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção a longo prazo que revele o compromisso dos media na informação e na sensibilização para a complexidade das questões relacionadas com

especial significado o desenvolvimento de competências para o diálogo intercultural por parte de todos os indivíduos e, em particular, pelos profissionais dos media.

Na actualidade, o diálogo intercultural é um imperativo para uma troca aberta e respeitosa de opiniões entre indivíduos e grupos de diferentes origens étnicas, religiosas, linguísticas e nacionais com base na compreensão e respeito mútuos, em consonância com uma política de reconhecimento que, na corrente universalista, destaca a dignidade igual para todos os cidadãos (Taylor et al, 1994). Em síntese, o diálogo intercultural é crucial para a promoção da tolerância e da compreensão, para a prevenção de conflitos e para o reforço da coesão social, na procura de uma utopia realizável – “viver juntos em igual dignidade”, tal como propõe o Conselho da Europa (2009).

REFERênCIAS BIBLIOgRáFICAS

AA.VV. (2006). O “Pseudo-Arrastão” de Carcavelos. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas. Acedido a 10.02.2015, em: http://acidi.gov.pt.s3. amazonaws.com/docs/Publicacoes/ARRASTAO.pdf.

AA.VV. (2014). 39 Poemas & Contos contra o Racismo. Lisboa: Alto Comissariado para as Migrações.

Cabecinhas, R.; Lima, M.E.O. & Chaves, A.M. (2006). Identidades nacionais e memória social: hegemonia e polémica nas representações sociais da história. In J. Miranda & M.I. João (eds.), Identidades Nacionais em Debate (pp. 67-92) Oeiras: Celta.

Conselho da Europa (2009). Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural. “Viver Juntos em

Igual Dignidade”. Estrasburgo: Conselho da Europa.

Correia, J. C. (2009). Teoria e crítica do discurso noticioso: Notas sobre jornalismo e

representações sociais. Covilhã: Universidade da Beira Interior. Acedido a 11.02.2015,

em: http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110819-correia_teoria_critica_ discurso_noticioso.pdf.

Direcção Geral da Justiça, da Liberdade e da Segurança (2010). Manual de Integração

Acedido a 15.02.2015, em: http://www.migpolgroup.com/public/docs/173. Integration_Handbook_III_15.04.10_PT.

Gomes, S. (2011). Crime na imprensa, Representações sobre Imigrantes e Ciganos em

Portugal. CICS Working paper 1. Braga: Centro de Investigação em Ciências Sociais

da Universidade do Minho. Acedido a 10.02.2015, em: http://cics.uminho.pt/wp- content/uploads/2011/07/Working-paper-Gomes-S%C3%ADlvia-2011-Crime- na-Imprensa-Representa%C3%A7%C3%B5es-sobre-imigrantes-e-ciganos-em- Portugal1.pdf.

Lippmann, W. (2002). Public Opinion. Acedido a 10.02.2015, em: http://www.the-wow- collection.com/software/pbpnn.pdf.

Malheiros, J. et al. (2011). Promoção da Interculturalidade e da Integração de Proximidade.

Manual para técnicos/as. Lisboa: ACIDI.

Marques, J.F. (2007). Do «não racismo» português aos dois racismos dos portugueses. Lisboa: ACIDI.

Rosário, E., Santos, T. & Lima, S. (2011). Discursos do racismo em Portugal: essencialismo

e inferiorização nas trocas coloquiais sobre categorias. Lisboa: Observatório da

Imigração.

Taylor, C., et al. (1994). Multiculturalismo. Examinando a política de reconhecimento. Lisboa: Instituto Piaget.

| SAÚdE E dOEnçA EnquAnTO COnSTRuçõES SOCIAIS: A quESTãO

dAS InCAPACIdAdES E dAS dESIguALdAdES EM SAÚdE

Bárbara Bäckström

RESuMO

Neste texto, vamos aflorar a temática da saúde e da doença enquanto construções sociais, à luz de algumas teorias e autores da sociologia da saúde em torno das questões das representações, significados e racionalidades acerca da saúde e da doença, refletir sobre as incapacidades enquanto construção social e perceber a relação destes conceitos com a cidadania, igualdades e diferenças.

Faremos igualmente uma análise da legislação em vigor e das políticas nacionais sobre as questões das desigualdades em saúde.

Palavras-chave: Saúde, Representações, Incapacidades, Cidadania.

1. InTROduçãO

O tema saúde, discriminação e sociedade visa reflectir e analisar igualdades e diferenças ao nível da saúde, da doença e das incapacidades, bem como as respostas sociais existentes para combater a discriminação e promover a igualdade e a cidadania activa nestas áreas. Pretende proporcionar igualmente uma reflexão sociológica sobre os conceitos fundamentais, tais como saúde e doença, incapacidades e deficiências, desigualdades sociais, no contexto das grandes transformações que se operam nas sociedades contemporâneas.

Numa perspetiva das ciências sociais este tema pretende compreender como a saúde e a doença são construídos socialmente, como são concebidos e percecionados pelos indivíduos e pela sociedade e que fatores promovem a discriminação que atinge determinados grupos nas sociedades ocidentais contemporâneas. É necessário promover uma articulação crítica e reflexiva entre os saberes teóricos e práticos, bem como, analisar as tendências atuais das políticas públicas, refletindo nas respostas

inclusiva. É nesta óptica que neste artigo se pretende fazer uma breve abordagem e reflexão sociológica sobre conceitos fundamentais, tais como saúde e doença, incapacidades e desigualdades sociais em saúde enquanto problemáticas centrais na promoção da igualdade e da inclusão social.

A saúde é um dos elementos chave na promoção da igualdade e da inclusão social e de enorme relevância para a compreensão da vida em sociedade no mundo contemporâneo nas sociedades multiculturais. De questões mais teóricas relacionadas com as várias definições e tipos de cultura até a um entendimento da cultura enquanto praxis levada a cabo por vários agentes e instituições, procuramos dar uma perspectiva global e multidimensional sobre a noção de saúde enquanto construção social e ideológica, bem como enquanto actividade na qual intervém diversos actores e instituições. Em Portugal, ainda que a Lei de Bases da Saúde preveja a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, esta legislação é cada vez menos colocada em prática e as pessoas com deficiência, sujeitas a discriminações e preconceitos relativos às suas capacidades, contam-se entre as categorias mais vulneráveis a exclusão social em Portugal. Neste campo da investigação, o acesso à saúde, as barreiras e os obstáculos, bem como as desigualdades nas estruturas de classes sociais, têm constituído um conjunto de importantes indicadores centrais na avaliação das desigualdades sociais no campo da saúde. Silva (s/d) refere que a marca da sociedade na saúde e doença está presente na sua distribuição desigual e mais penalizadora dos grupos sociais menos favorecidos nas hierarquias de papel e de status (Townsend et al., 1983; Bartley et al., 1998; Leclerc et al., 2000). A vivência da saúde e da doença e os comportamentos a ela referidos são condicionados pelas circunstâncias da existência e pelas formas ou estilos de vida que nelas se modelam. Não se vive o corpo nem se fala dele de forma idêntica em todos os grupos sociais (Boltanski, 1971).

Documentos relacionados