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| MIgRAçãO dE RETORnO: O PROgRAMA dE APOIO AO RETORnO

1. CIênCIA SEM FROnTEIRAS:

O ESTAdO dA ARTE SOBRE A MOBILIdAdE CIEnTÍFICA

A crescente visibilidade, internacionalização e complexidade da natureza das mobilida- des humanas tem constituído objeto de intensa escalpelização no campo das múltiplas ciências sociais e alcançado especial pertinência e destaque político e económico na hodiernidade (Peixoto, 2004; Videira, 2013). Termos como circulação, mobilidade, transnacionalismo ou, ainda, globalização e internacionalização constituem algumas noções comummente utilizadas para descrever as reconfigurações no espaço e no tempo das sociedades contemporâneas (Williams, Baláz & Wallace, 2004; Castles, 2005).

De facto, na atualidade, os fluxos de pessoas multiplicam-se, podendo originar contex- tos de entrada e saída, nomeadamente de indivíduos altamente qualificados. Apesar deste ser um processo contínuo, a sociedade em rede, alicerçada no poder da informa- ção/conhecimento (Castells, 2003; Hargreaves, 2003), intensificou a procura de talentos e capital humano, promovendo uma incessante circulação de recursos humanos alta- mente qualificados, percecionada de sobremaneira como economicamente importante para os dois extremos da cadeia migratória (Peixoto, 2003; Góis & Marques, 2007). Ainda que não exista uma definição consensualmente reconhecida da categoria dos altamente qualificados (Peixoto, 2003; Brandi, 2006; Isaakyan & Triandafyllidou, 2016), optamos pela veiculada por Iredale (2001: 8): trabalhadores “(...) com diploma universitário ou experiência extensiva/equivalente em qualquer área”. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico são vários os perfis profissionais alocados à atividade altamente qualificada (OECD, 1997), porém, na presente análise, concentrar-nos-emos, unicamente, nos cientistas e investigadores. Com efeito, a mobilidade científica internacional tem sido enfatizada nos contextos académico e político (Delicado, 2010), devido ao seu papel preponderante na circulação do conhecimento e no desenvolvimento das carreiras individuais e das dinâmicas de

De acordo com Videira (2013), a definição de migração internacional proposta pelas Nações Unidas (1998) é a usualmente aceite pela grande maioria da comunidade científica, tendo em conta a marcada porosidade e fragmentação das teorias migratórias. Esta implica movimentos de indivíduos que deixam os seus países de origem ou de residência habitual para se fixarem noutros, podendo esses ser de curta duração (período superior a três meses, mas inferior a um ano) ou de longa duração (por um período mínimo de um ano) (Nações Unidas, 1998).

No espaço europeu, uma descrição concisa e unânime do que constitui a migração dos altamente qualificados é, ainda hoje, uma questão em aberto, devido à indefinição de algumas das questões conceptuais que lhe são subjacentes, nomeadamente o caráter heterogéneo dos seus atores e a mutabilidade dos seus percursos (Peixoto, 2003), que propendem a atravancar a “(...) distinção analítica entre migração e mobilidade” (Gomes, 2015b: 20) e a revelar como obsoletas algumas das dicotomias tradicionais que plasmaram a análise da migração até então (King, 2002). Não obstante, sublinham- se com acuidade alterações profundas dos movimentos migratórios em favor das migrações temporárias e de curta duração (Peixoto, 2001; King, 2002; Piracha & Vickerman, 2002). Autores sinalizam, em estudos sobre a mobilidade de cientistas e investigadores, a prevalência e incremento de trajetórias de mobilidade múltipla associadas, comummente, à construção e progressão na carreira (King, 2002; Ackers, 2005a, 2005b). Circunstâncias que emancipam a mobilidade como um constructo mais elucidativo e apropriado ao contexto da atividade científica, já que os seus percursos tendem a ser cada vez mais transitórios e circulares (Ackers & Gill, 2008). Assim sendo, o conceito de mobilidade científica contemporiza-se no estado da arte sobre o tema, abrangendo uma panóplia de movimentos geográficos balizada entre a mobilidade muito temporária e a migração permanente (Videira, 2013).

De acordo com Urry (2000), a mobilidade enforma a metáfora da sociedade global coetânea, possibilitando manifestas vantagens para aqueles que vivenciam esta experiência, particularmente para os mais qualificados (Videira, 2013). Segundo Gomes (2015b: 19), constata-se “(...) um enriquecimento das biografias, das competências

linguísticas e de competências transversais como a flexibilidade e o ecletismo cultural”. Todavia, a pertinência da mobilidade dos cientistas e investigadores extrapola o plano individual, potenciando a internacionalização e aptidão da investigação e do ensino superior e, simultaneamente, o progresso de redes transnacionais, que ativam a competitividade e valorização dos países e dos seus sistemas científicos (Fontes, 2007; Jöns, 2007; Ackers & Gill, 2008; Fontes, Videira & Calapez, 2013; Gomes, 2015b; Patrício & Pereira, 2015).

Consequentemente, a mobilidade dos cérebros é largamente fomentada pelas políticas de ciência e pelos quadros de financiamento europeus, observando-se uma expansão progressiva dos estímulos à internacionalização das carreiras científicas e das redes de cooperação institucionais (Ackers & Gill, 2008; Delicado, 2008; Patrício & Pereira, 2015), em prol de um crescimento mais sustentável, inteligente e inclusivo (Comissão Europeia, 2014).

No entanto, são crescentes as preocupações relativas ao desequilíbrio paulatino entre saídas e entradas de indivíduos altamente qualificados em países semiperiféricos com elevadas taxas de emigração, sustentadas no risco efetivo de subdesenvolvimento que poderá comprometer estruturalmente esses mesmos territórios (Docquier, Lohest & Marfouk, 2007).

A peculiar e dinâmica transdisciplinaridade entre os discursos político e científico afigura-se como apanágio representativo, ainda que de modo latente ou concreto, da panóplia de estudos concretizados sobre a temática das migrações qualificadas, no âmbito europeu e nomeadamente nacional (Hillmann & Rudolph, 1996; Peixoto, 2001, 2003; Góis & Marques, 2007; Ackers & Gill, 2008; Delicado, 2008, 2010).

Neste seguimento, os discursos focados nos fluxos de recursos humanos altamente qualificados, em geral, e de cientistas e investigadores, em particular, têm concentrado os seus argumentos em torno de constructos como a fuga de cérebros, ganho de cérebros e circulação de cérebros (Góis & Marques, 2007; Videira, 2013). Conceitos que descrevem diferentes perceções (por vezes discordantes) sobre aspetos primordiais do campo de

análise da mobilidade internacional, numa evolução que se subordina mais à dimensão analítica do que às mutações da realidade (Peixoto, 2006 citado em Góis & Marques, 2007).

A fuga de cérebros foi o primeiro conceito a emergir, no âmbito da reflexão internacional sobre as migrações qualificadas, sendo longitudinalmente objeto de um intenso debate entre investigadores (Peixoto, 2003; Góis & Marques, 2007; Videira, 2013). Proposição frequentemente associada ao fluxo migratório unidirecional de cientistas e quadros altamente qualificados e, por conseguinte, à perda do investimento aplicado na educação e formação destes últimos, a par da privação das externalidades que resultariam, presumivelmente desse (Haque & Kim, 1995; Salt, 1997).

O paradigma associado ao ganho de cérebros enquadrou uma nova perspetiva analítica do fenómeno das migrações qualificadas, explanando que a apreciação dos ganhos e perdas destes fluxos dever-se-á fundamentar no estudo abrangente e integrador de diferentes dimensões de análise (Baldwin, 1970). Neste campo, salientam-se entre outras: a capacidade de resposta do mercado laboral dos países de origem para absorver e proporcionar a maximização das competências dos seus recursos humanos; a contribuição das remessas, da captação de recursos e do retorno dos seus cérebros, após a aquisição de conhecimentos, condições e experiências relevantes para o progresso do país de origem; e o impacto da imigração qualificada no desenvolvimento de países emergentes (Baldwin, 1970; Rudolph & Hillmann, 1998; Beine, Docquier & Rapoport, 2001).

Na prossecução da miríade das configurações polarizadas acerca do fenómeno das migrações qualificadas, surgiu um novo arquétipo, o da circulação de cérebros, que o perceciona como um decurso cada vez mais temporário, multidirecional e potencialmente vantajoso quer para os países origem quer para os países de destino (Peixoto, 1999; Straubhaar, 2000; Góis & Marques, 2007). Esta perspetiva advoga as crescentes e variadas mobilidades encetadas por cientistas e investigadores, como um vetor fundamental para a produção, acumulação e transferência de conhecimento,

firmado em redes diaspóricas evidenciadoras de um novo entendimento sobre o trans- -nacionalismo migratório de profissionais altamente qualificados entre territórios com níveis de desenvolvimento díspares (Meyer, 2001; Meyer, Kaplan & Charum, 2001). Não obstante, nos últimos anos, o paradigma da fuga de cérebros voltou a destacar- -se, face à carência deste tipo específico de migrantes e à concorrência entre os países industrializados pela sua consecução; cenário agravado pela natureza díspar da apelidada crise das dívidas soberanas e o panorama de diminutas oportunidades que lhe está associado, especialmente em países menos desenvolvidos e semiperiféricos (Videira, 2013; Gomes, 2015b).

A proliferação de políticas e orientações com o desiderato de reforçar a capacidade de competição à escala mundial por cérebros (Iredale, 2001), levou os discursos atuais a (re)enfatizar a crescente distribuição assimétrica de recursos nos processos de globa- lização científica, educativa, cultural e económica (Davenport, 2004; Gomes, 2015b). Mas, aqui desponta o paradoxo. A mobilidade científica não se estabelece sem saídas de indivíduos, em particular os mais qualificados, o que é naturalmente percecionado com inquietude, mas também otimismo (Videira, 2013). Por um lado, valoriza-se o seu potencial na criação de conexões que podem favorecer e motivar efetivamente os cientistas e investigadores a participar nestas transferências de capital humano (Meyer, 2001;Gill, 2005); por outro, receia-se que a confiança naquela conduza os países emissores a um estado de inércia e conformismo no que concerne à capacidade de fomentar o regresso dos seus recursos humanos altamente qualificados (Mahroum, 2000; Gomes, 2015b).

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