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Brincando com o Patrimônio no Museu do Doce

Camargo e sua Obra

4.12 Brincando com o Patrimônio no Museu do Doce

Patrícia Cristina da Cruz

Graduanda de Museologia; UFPEL patrícia-cristina-cruz@hotmail.com

Carla Rodrigues Gastaud

Professora Adjunta do Curso de Museologia da UFPel. Doutora em Educação pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. crgastaud@gmail.com

Resumo: O presente trabalho está vinculado ao Laboratório de Educação para o Patrimônio, LEP, e tem como foco a funcionalidade de jogos e brincadeiras no âmbito do patrimônio cultural material e imaterial. Dentro deste horizonte, em colaboração com o Museu do Doce da UFPel, foi desenvolvida uma série de jogos para crianças e adultos, a fim de propiciar uma aproximação agradável, lúdica e pedagógica com alguns bens culturais da cidade de Pelotas, entre eles algumas edificações do entorno da Praça Coronel Pedro Osório e os doces tradicionais. Partindo da premissa de que o jogo é um facilitador da aprendizagem, foi elaborado um kit intitulado “Brincando com o patrimônio”, formado por três jogos com foco no patrimônio cultural de Pelotas: o primeiro é um quebra-cabeças, com imagens de casarões da Praça Coronel Pedro Osorio; o segundo é um jogo de cartas – o Pife Doce - sobre os doces inventariados no INRC (Inventário Nacional de Referências Culturais); o terceiro é um labirinto onde os participantes devem identificar e colocar no local correto as imagens dos casarões do centro histórico de Pelotas a partir de informações oferecidas no decorrer do jogo.

Palavras-chave: Jogos educativos. Patrimônio. Educação para o Patrimônio. Educação para o Patrimônio

Este trabalho trata do processo de criação de jogos para crianças e adultos com o objetivo de propiciar uma aproximação agradável, lúdica e pedagógica a alguns bens culturais da cidade. Entre esses bens patrimoniais estão os prédios do entorno da Praça Coronel Pedro Osório e os doces tradicionais de Pelotas.

Educação para o patrimônio é a que se dá em uma relação direta com o bem patrimonial. Essa relação como patrimônio cumpre um papel identitário - ao reafirmar identidades e ao trazer à baila referências de um passado por vezes desconhecido – e se mostra como uma forma de apropriação do patrimônio cultural.

De acordo com Maria Celia Santos (2002):

E Magali Cabral (2012) escreve que a educação é garantia de acesso ao conhecimento, e é responsável por formar indivíduos críticos, criativos e autônomos, capazes de agir e de transformar o meio no qual estão inseridos. Através educação para o patrimônio se busca reconhecimento do patrimônio material ou imaterial como importante para as comunidades envolvidas. O IPHAN define educação patrimonial como:

[…] todos os processos educativos que primem pela construção coletiva do conhecimento, pela dialogicidade entre os agentes sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde convivem noções de patrimônio cultural diversas (IPHAN, 2014).

O desenvolvimento de um trabalho educacional - centrado no patrimônio cultural e com forte apelo ao senso crítico - é de fundamental relevância e possibilita aos diferentes públicos a devida apropriação de seus bens culturais.

O usufruto do bem patrimonial e a criação cultural decorrentes da relação direta com o patrimônio têm qualidades de inserção cultural e social que são desejáveis e promovem a apropriação desses bens pelos sujeitos que passam por essa experiência. Busca-se nesse processo que o sujeito que se apropria do bem patrimonial passe a percebê-lo como parte de sua própria vida e história na qual o patrimônio cumpre um papel identitário.

O reconhecimento do patrimônio se dá (também) por meio da educação através de ações educativas, que visam a valorização do patrimônio e a apreensão da memória cultural, mediadoras entre o bem cultural e a comunidade. Santos (2002) coloca que a educação se apoia na construção e reconstrução do patrimônio cultural, no sentido de que acontece sempre sobre o substrato cultural construído pelas ações do homem.

Criando os jogos

O Laboratório de Educação para o Patrimônio – LEP, projeto vinculado ao curso de Museologia da UFPEL, pretende refletir sobre os museus como agentes educativos e colaborar para a qualificação das ações educativas desenvolvidas por estas instituições. Para tanto, entre outras ações, desenvolveu-se uma série de jogos para crianças e adultos, que buscam uma aproximação agradável, lúdica e pedagógica com alguns bens culturais da cidade de Pelotas.

A necessidade da elaboração dos jogos foi evidenciada a partir de levantamento1

realizado pelo laboratório com os museus cadastrados no Sistema Municipal de Museus de Pelotas (SMM)2. Esse levantamento buscou conhecer as atividades educativas realizadas

pelas instituições museológicas pelotenses e os resultados mostraram que os museus não desenvolvem, de forma regular, ações educativas voltadas para o patrimônio.

1 Ver artigo relatando os dados dessa pesquisa: CRUZ, P. C.; CASTRO, R. B.; GASTAUD, C. R. Considerações

sobre a educação para patrimônio no município de Pelotas-RS: Uma possibilidade de aproximar museu e cidade. Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre Escola, Museu e Cidade, p. 50 - 56, 26 jan. 2015. Disponível em: <http://casadopatrimoniojp.com/wp-content/uploads/2015/01/Consideracoes-sobre-a-educacao- para-patrimonio-no-municipio-de-Pelotas-RS_uma-possibilidade-de-aproximar-museu-e-cidade.pdf>.

Além de considerar a importância dos museus cumprirem seu papel educativo através das atividades educacionais com foco em seus acervos, buscou-se refletir acerca da cidade como território educativo. A pedagoga Jaqueline Moll escreve que, [...] a cidade precisa ser compreendida como território vivo, permanentemente concebido, reconhecido e produzido pelos sujeitos que a habitam. É preciso associar a escola ao conceito de cidade educadora, pois a cidade, no seu conjunto, oferecerá intencionalmente às novas gerações experiências contínuas e significativas em todas as esferas e temas da vida (MOLL, 2009, p. 15).

Entre múltiplas possibilidades de ação educativa optou-se por criar jogos que propiciassem uma aproximação do jogador com o bem cultural, pensando com Zorzal e Kirner que escrevem que o jogo permite que o usuário estabeleça oportunidades de encontrar soluções e interagir com outros usuários, permitindo então o processo de atividades colaborativas e ampliando as estratégias coletivas de uma maneira estimulante e lúdica (ZORZAL e KIRNER, 2005, p.01).

Vania Dohme escreve sobre o brincar:

O brincar pode fazer parte de um processo de aculturamento para a criança de diferentes origens, onde elas tomam contato e fazem trocas de experiências e pontos de vista. O tocar e o abraçar, olhar nos olhos e rir juntos pode ser importante em um processo de pluralidade cultural, desaceleração de estereótipos sexuais e maior compreensão das necessidades especiais (DOHME, 2008, p. 14).

Ainda de acordo Dohnme, o jogo pode ser um condutor de um determinado conteúdo, ou seja, jogo é um facilitador da aprendizagem, é valido afirmar que o jogo educativo com foco no patrimônio cultural proporciona uma aproximação lúdica e educativa, entre o público/ jogador e o bem cultural em foco.

Com este princípio foi elaborado um primeiro conjunto formado por três jogos com foco no patrimônio cultural de Pelotas: o primeiro é um quebra-cabeça, com imagens dos casarões do entorno da Praça Coronel Pedro Osório; o segundo é um jogo de cartas sobre os doces inventariados no INRC (Inventário Nacional de Referências Culturais); o terceiro é um jogo de trilha no qual, sobre a planta baixa da Praça Coronel Pedro Osório, devem ser identificados e localizados casarões do centro histórico de Pelotas.

Os jogos

Na elaboração dos jogos considerou-se fundamental que fossem capazes de proporcionar o reconhecimento e valorização do patrimônio cultural de forma criativa e lúdica.

Jogo 1 – Quebra-cabeça da Praça (figura 1) - para a execução do quebra-cabeça, foram fotografadas as casas da Praça Coronel Pedro Osório de números 2, 6, 8, a Prefeitura Municipal, a Biblioteca Pública, o Grande Hotel e o antigo Banco do Brasil. As imagens foram editadas e enviadas para a impressão em quebra-cabeça de 35 peças, no tamanho 21x29 cm, em papelão grosso com acabamento fotográfico de alto brilho.

na frente dos prédios históricos e não os reconhecem como patrimônio. Esse jogo busca informar o jogador de esses locais são parte da história da cidade.

Figura 1: Quebra cabeça. Fonte: Fotografia das autoras, 2014.

Jogo 2 – “Pife Doce” (figura 2) – Trata-se de dois conjuntos de cartas, sendo um com a imagem dos doces e uma lista dos ingredientes utilizados em sua preparação e o outro com cada carta representando um dos diversos ingredientes que entram na elaboração de diversos doces. Cada jogador retira uma carta do conjunto 1 (carta de receita) e descobre que doce deverá montar em sua “mão”. Os jogadores recebem inicialmente 5 cartas de ingredientes e a cada rodada compram uma carta e descartam outra, com o objetivo de juntar os ingredientes necessários para o doce indicado. Quem juntar os ingredientes para o seu doce em primeiro lugar, vence a rodada e soma pontos, que variam de acordo com a complexidade do mesmo e estão indicados na carta da receita. Ao final do número de rodadas combinado, ou ao completar a somatória de pontos acordada, o jogo se encerra com a vitória do jogador com maior pontuação.

Figura 2: Pife doce. Fonte: Fotografia das autoras, 2014.

Esse material foi elaborado a partir de pesquisa no INRC Produção de doces tradicionais pelotenses3, que ocorreu em 2006 e inventariou 14 doces divididos em duas categorias: doces da

Jogo 3 – “Que casa é? ” (figura 3) - na construção desse jogo foi utilizado um banner tamanho 90x90cm com uma representação da planta baixa da Praça Coronel Pedro Osorio e as imagens dos seguintes monumentos do entorno da praça: Casarão 1, 2, 3, 6, 8, o Grande Hotel, a Prefeitura Municipal, a Bibliotheca Pública Pelotense, o Clube Caixeiral, o Theatro Sete de Abril, a Empresa de Pompas Fúnebres Moreira Lopes, e a Fonte das Nereidas.

Figura 3: Que casa é? Fonte: Fotografia das autoras, 2014.

Nesse exercício os participantes devem posicionar na planta da Praça Coronel Pedro Osório, os monumentos históricos em suas respectivas localizações. Para isso sorteiam uma carta, que contem dicas históricas sobre um dos bens culturais. A partir dessas informações os participantes devem escolher o monumento correto e fixar no lugar correspondente.

Aplicação no “Dia do Patrimônio”

Os protótipos dos jogos, feitos de forma artesanal pela equipe do LEP para este fim, foram utilizados pelos visitantes da Casa 8, sede do Museu do Doce, durante o “Dia do Patrimônio”, evento organizado pela Secretaria Municipal de Cultura (Secult) de Pelotas que ocorreu nos dias 16 e 17 de agosto de 2014.

Com a realização da atividade foi possível avaliar melhor como essas atividades, desenvolvidas a partir do patrimônio - tanto edificado, quanto imaterial - são recebidas pela comunidade participante.

A observação das “partidas” possibilitou, por exemplo, a constatação de que o baralho do “Pife Doce” precisava de um número maior de cartas e que as cartas de informações do “Que casa é? ” deveria ter seu vocabulário simplificado bem como a complexidade das informações oferecidas. Para melhor compreender a recepção do público, solicitou-se a todos os jogadores

3 Financiada pela Unesco e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, por meio do Programa Monumenta.

A realização do INRC – Produção de doces tradicionais pelotenses teve como proponente a Câmara de Dirigentes Lojistas de Pelotas (CDL) e contou com a parceria da Secretaria Municipal de Cultura de Pelotas e do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Para saber mais sobre o INRC – Produção de doces

que deixassem sua opinião por escrito. Observamos durante os dois dias de evento, que a maioria dos nossos jogadores era constituída por adultos, que demonstraram grande interesse pelo “Pife Doce” e pelo “Que casa é? ”, este último, por ser mais demorado e necessitar de um maior domínio da leitura, se mostrou pouco acessível às crianças menores de oito anos, que se interessaram mais pelo Quebra cabeça, elas convidavam os pais a ajudarem e ao final da montagem questionavam acerca dos Casarões.

A continuidade do processo de avaliação é o princípio que garante que os processos se tornarão sistemáticos e permitirão a comparabilidade dos resultados no decorrer do tempo (CURY, 2005, p.129), para isso, além das avaliações escritas, conversamos com alguns usuários após os jogos, registrando suas expectativas, impressões e sugestões que foram tabuladas e consideradas no processo de construção dos jogos.

Aplicação na Semana da Criança no Museu do Doce

Os jogos foram utilizados novamente durante a semana da criança no Museu do Doce que ocorreu entre 6 e 10 de outubro (figuras 4). Os jogos passaram por uma reformulação onde o Pife Doce ganhou mais cartas de ingredientes, oportunizando a ampliação do número de jogadores, de 4 para 8. O Que casa é? foi adequado ao público esperado - escolas agendadas para visita ao Museu, com turmas de crianças na faixa etária de 5 e 10 anos - pela simplificação da linguagem das cartas dedicas.

Como o número de participantes das atividades superaria o número de jogadores dos jogos oferecidos, oferecemos desenhos dos casarões para colorir e folhas em branco para desenhar, para que as crianças pudessem se alternar em todas as atividades. Os desenhos foram expostos num mural no Museu.

Figura 5: Crianças montando o quebra cabeça. Fonte: Museu do Doce, 2014

Um total de 72 crianças participaram das atividades, e observamos que o quebra cabeça continuou sendo o mais acessível, o grau de dificuldade do Que casa é? diminuiu razoavelmente, e foi bem aceito pelas crianças entre 8 e 10 anos, que pediam para jogar diversas vezes. O Pife Doce, por outro lado, se mostrou monótono, aparentemente as crianças não têm o hábito dos jogos de cartas e desconhecem a dinâmica do Pife tradicional, então precisam aprender o básico o que se mostrou difícil de realizar naquela situação.

Considerações finais

O universo da Educação para o Patrimônio oferece uma série de possibilidades. A partir da elaboração dos jogos “Brincando com o Patrimônio” o LEP pretende dar subsídios aos centros culturais na divulgação e preservação dos bens culturais.

Ao tomar o patrimônio cultural[...]como tema transversal, interdisciplinar e/ou transdisciplinar, ato essencial ao processo educativo para potencializar o uso dos espaços públicos e comunitários como espaços formativos (FLORÊNCIO et al., 2014, p. 27).

É testando os jogos que podemos identificar os erros e acertos do jogo. Na primeira utilização, o Que casa é? se mostrou o mais complexo, contudo atingiu o objetivo que era informar os participantes (adultos, todavia), da história e perpetuar a importância da preservação dos bens culturais de Pelotas. Quando confeccionamos o quebra cabeça pensávamos que ele seria apreciado somente pelas crianças, entretanto muitos jovens e adultos se sentaram prazerosamente para montar o quebra cabeça. Buscamos aprimorar os jogos a cada utilização deles por parte da comunidade, baseando-nos na observação e nos relatos dos participantes.

O processo educacional não acontece apenas na escola, pode e deve se dar em muitos lugares e assumir muitas formas. As ações educativas que tem o patrimônio como mote e se dão em lugares como o Museu do Doce oferecem oportunidades pedagógicas significativas que colaboram para que os museus cumpram seu papel social. As ações educativas, mediadoras entre o bem cultural e a comunidade, visam a valorização do patrimônio e a apreensão da memória cultural. Através dos jogos é possível uma aproximação/apropriação lúdica dos bens patrimoniais.

Referências

CABRAL, Magali. Comunicação, educação e patrimônio cultural. Comunicação no 8º Fórum estadual de museus do Rio Grande do Sul, p. 1-8, 2002.

CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume, 2005.

DOHME, Vania. O valor educacional dos jogos: jogos e dicas para empresas e instituições de educação. Petrópolis, RJ. Ed. Vozes, 2008.

FLORÊNCIO, Sônia Rampim. et al. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014. IPHAN Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do;jsessionid=FE92FB124E232A1 87D9E827C933DF88F?id=15481&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 13/06/2014.

MOLL, Jaqueline. Um paradigma contemporâneo para a Educação Integral. In: Pátio: revista pedagógica. Porto Alegre, V.8, N.51, ago./out. 2009.

RNER, C. Jogos Educacionais em ambiente de realidade aumentada. In: WRA2005, 2005, Piracicaba. II Workshop de realidade aumentada. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2005. v. 1. p. 52-55.

SANTOS, Maria Célia T. Moura. Museu e Educação: conceitos e métodos. In: Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto - Alegrense de Educação. Porto Alegre: FAPA, n. 31, 2002 ZORZAL, E. R.; KI FLORÊNCIO, Sônia Rampim. et al. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014.