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3.3 O BRINCAR DA CRIANÇA EM CASA, NAS FÉRIAS E NOS FINS DE SEMANA.

CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA

3.3 O BRINCAR DA CRIANÇA EM CASA, NAS FÉRIAS E NOS FINS DE SEMANA.

Mostrou-se pertinente verificar, no período contrário ao da escola, com quem a criança ficava nesse horário. Tânia, Neila, Amália e Gisele ficam com sua avó. Gisele também fica com a empregada e Paulo, Bete e Valdir ficam com a mãe. As crianças, cuja dinâmica familiar foi pesquisada principalmente no quesito brincar, são filhos únicos ou pertencem a famílias que têm, no máximo, três filhos.

Os responsáveis pelas crianças relataram o que elas fazem em casa no seu tempo livre:

“Por enquanto é só brincadeira. Não vai fazer nada de atividade fora, porque nem condução tem. Eu saio com elas, quando eu vou receber pagamento. A vontade da gente é fazer tanta coisa, aula de ser bailarina” (Avó de Amália).

“Nós pretendemos colocá-la na natação. Ela vai dormir tarde, eu tirei a televisão do quarto, porque ela ficava assistindo Cartoon”

(Pais de Gisele).

“Jogar vídeo game, ver televisão, Digimon, Pokemon, Power Ranger, o Fox kids e o Cartoon. Ele faz a lição, natação, fica lá na casa do primo ou este vem. Fica brincando, ele tem patinete. Se eu tenho que sair, o levo. Quando chega, toma banho, dorme cedo, sete e meia, oito horas. Eu conto histórias, invento umas. Acorda sempre de bom humor. Gostaria que fizesse judô, porque acho que é um esporte que tem disciplina, porque ele é ativo” (Mãe de Paulo).

“Ela ama brincar, ela assiste pouca televisão, adora desenho, faz

questão que eu grave o “Sai de Baixo”; a Bete fica a semana inteira assistindo, dá risada. Ela brinca quando vai para casa com vizinhos,

o Felipe e a Sara, outra vizinha. Ela joga bola e anda de bicicleta. Ela chega da escola cansadona, almoça, dorme um pouco, me acompanha, num banco, ao supermercado. Ela não tem tempo só dela, participa da nossa vida adulta também, é o mundo que a gente pode oferecer para ela. Tem hora que eu fico triste, porque ela cobra: “Mamãe, vamos no shopping”; no verão, não há tempo” (Mãe de

Bete).

“às vezes, uma liçãozinha, assiste TV e brinca de bola, com

hominhos; ele vai comigo se tenho de sair, vai na casa de coleguinhas, brinca aí no corredorzinho ou qualquer lugar, joga vídeo game. É o que ele mais gosta de fazer; não imponho horário não, o ano que vem ele irá à natação; judô, quando tiver nove anos”

(Mãe de Valdir).

Outras questões importantes: como as crianças reagem ao serem interrompidas em suas brincadeiras? E o responsável, que atitude toma?

Foram obtidas as seguintes respostas:

“Às vezes ela vai um pouquinho brava. Quando ela não quer tomar

banho, aí não consegue; se ela fala ‘não tomo’, não toma, fazer o

quê? Ela não obedece, ela quer acabar aquilo que está fazendo, qualquer coisa, mesmo que seja assistindo televisão. Ela fica aqui mesmo comigo, com a mãe nem fica” (Avó de Tânia).

“Ela bate o pé, grita, xinga, chora, esperneia quando contrariada. Hora de jantar, minha sogra chama. Eu acho que seis e meia é sagrado, ela tem que estar jantando. Ela tem horário de almoço e jantar, só que com o pai dela não reage tanto, ela tem que aprender o limite” (Pais de Neila).

“Ela fica comigo, brinca em calçada, na minha garagem, anda de bicicleta. Eu falo: ‘Bete, chega, vamos tomar banho, acabou a brincadeira’, não posso deixar na rua. Aí ela se revolta, ela me xinga, ela está numa idade crítica, acha que eu estou cortando, vou fazer o quê?, fica brava mesmo. É melhor ela ficar comigo do que com estranho, porque eu acho que não tem avó que supere a mãe, não tem tia, não tem babá, não tem ninguém. Eu a prefiro aqui na sorveteria, não tendo tanta infância, do que eu não saber o que ela está fazendo”

(Mãe de Bete).

“Eu falo: ‘Valdir vai tomar banho’, ‘espera um pouquinho’, ‘daqui a

um pouquinho ele vai. Mas eu preciso insistir” (Mãe de Valdir). “Elas não gostam muito não, mas depois continuam brincando, as duas brincam o dia inteiro, dizem:‘de novo’, e não sei o quê. Porque quando eu tenho que buscar pão, qualquer coisa, se elas estão acordadas vão junto, aí acham ruim. Elas vão brincando” (Avó de

Amália).

A avó de Amália diz que quando elas são interrompidas, acham ruim, porém logo já arrumam outra atividade para fazer. A avó de Amália se refere a “elas’ porque cuida também da irmã mais nova de Amália. Elas pararam de ir à EMEI porque esta é distante de sua casa e há dificuldade para o transporte. É uma fala que reforça a tese de MUKHINA (1995) e VYGOTSKY (1991), que afirmam que a criança transforma em lúdico, em brincadeira, uma atividade que precisa ser executada. Numa atividade, a qual a criança acaba fazendo por ser obrigada, ela encontra mecanismos lúdicos na exploração da obrigação. Assim, também na EMEI, algumas das atividades acabam sendo transformadas pelas crianças em jogos e brincadeiras.

A reação das crianças de não interromperem suas brincadeiras quando são chamadas, demonstra o que já foi discutido no referencial teórico acerca do tempo das brincadeiras: as crianças não se orientam pelo tempo do relógio, cronológico, e sim pelo tempo do próprio jogo.

À pergunta relativa ao que as crianças mais gostam de fazer - se ficar em casa, ir à EMEI ou a outros espaços - , os pais responderam:

“Elas gostam de ir para a escola, porque aqui elas ficam presas e lá tem um monte de crianças para brincar e aqui não tem. Eu não deixo irem para a rua. De vez em quando elas lembram e falam, ‘ai, vó, eu queria ir para a escola’.” (Avó de Amália).

“Elas gostam muito de escrever, escrevem o nome do pai, da mãe, do tio. Fazer desenho, brincar de boneca. Elas brincam o dia inteiro assim, vão no balanço, que eu fiz ali fora para elas. Na rua é assim, se eu tenho tempo de manhã, eu levo elas para andar um pouquinho de bicicleta; à tarde, quando o sol some, aí eu levo mais um pouco, fico sentada lá fora e elas ficam andando, para lá e para cá. Tem a amiguinha do lado. Amália é apaixonada por pintar, fazer desenho, estas coisas” (Avó de Amália).

“Tem algum brinquedo, alguma coisinha por aí. Ela fica pulando de uma cadeira na outra, ela gosta de pular, quando toca telefone é a primeira a atender, disso ela gosta. Não tem crianças da idade dela. É livre para brincar em qualquer horário” (Avó de Tânia).

“Gosta mais é do desenho da televisão” (Pai de Gisele).

“Desenho, colagem, vídeo game, mexer no computador, assistir televisão, gosta das novelas mexicanas do SBT. Brinca com as bonecas. Brinca com o cachorro, com o quebra-cabeça que ela monta; na rua ela não sai, aqui é muito perigosa. Às vezes com a filha da moça que trabalha comigo e a amiguinha que mora aqui na rua de cima, que é espoleteira. Ela brinca aqui na sala, no quarto dela, lá no quintal. Tem as tintas que eu trouxe para ela, brinca na casa toda, se deixar, o tempo que ela quiser. Tem dia que é onze horas da noite e ela ainda está pintando” (Pais de Neila).

“Brinca com o primo e os amigos da EMEI. Ele adora. Sai da escola para cá, combina lá. Joga vídeo-game, brinca com boneco, hominho, Digimon, Power Ranger: brinca de bicicleta, de roda. Brinca com tudo. No primeiro quarto, tem os brinquedos dele, no outro quarto tem o vídeo-game. Ele brinca lá também. Faz lição e a natação, adora natação, come, brinca de bola no gramado” (Mãe de Paulo).

“Ele tem uma imaginação de ficar brincando, imagina Batman, fala com hominho, não sei se é porque ele vê televisão, tem um saco enorme de hominhos, adora ficar no cantinho brincando. A diferença de idade dos meus filhos é muito grande; seis anos. Brincam juntos de bola” (Mãe de Valdir).

Um dado que merece ser citado é o obtido na pesquisa realizada em outra EMEI da cidade de São Carlos, coordenada por REALI e TANCREDI (2002, p. 78)1: quando foi indagado aos pais acerca das atividades desenvolvidas pelas crianças nas suas casas, assistir a televisão foi pouco citado, diferentemente do que se levantou nesta EMEI, que apresentou esta atividade como uma das mais prevalentes entre as crianças. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de aquelas crianças morarem em um bairro de periferia, em casas pequenas e próximas, o que facilitaria permanecerem mais em companhia de outras crianças nos quintais e nas calçadas, diversamente das crianças

1

“Prática de pesquisa 1 e 2” , disciplina ministrada no ano de 1999 pela Profª. Dra Aline Reale e pela Profª. Dra. Regina Tancredi, cujo trabalho de curso resultou no Relatório das Entrevistas dos Pais de uma EMEI de São Carlos, publicado em 2002.

desta pesquisa, que vão pouco à rua para brincar.

A partir dos dados obtidos, foram sistematizadas as atividades realizadas pelas crianças fora do âmbito da EMEI, como mostra o quadro a seguir:

Quadro: 02 Atividades realizadas pelas crianças fora da EMEI, com quem e as que mais gostam.

Atividades realizadas em casa.

Assistem à televisão (desenhos animados, Digimon, Pokemon, Power Ranger, novelas, programa de humor). Brincam com hominhos, bonecas, bola, bicicleta. Fazem tarefas da EMEI. Repousam, dormem, descansam e se alimentam. Jogam vídeo game, brincam de roda. Usam tinta. Brincam no quarto, sala, quintal, varanda, garagem. Desenham, colam, mexem no computador, brincam com o cachorro, montam quebra-cabeça, escrevem, brincam no balanço.

Atividades realizadas fora de casa.

Esportes (natação). Saem com os responsáveis para banco, supermercado, padaria. Passeios à casa de parentes, ao shopping center, ao parque ecológico, a casa de amigos, andam de bicicleta, patinete, vão à praça.

Atividades que mais gostam de fazer em casa.

Escrever, pintar, desenhar, assistir à televisão, nadar, brincar com “hominhos”, pular de cadeira em cadeira, atender ao telefone.

Com quem brincam. Primos, irmãos, amigos, vizinhos, avós, mães, empregadas.

Essas crianças não praticam esporte de forma sistemática, porém é preocupação de todos os responsáveis que elas façam natação e, como segunda opção, balé para as meninas e judô, para os meninos. O balé é justificado em função de disciplinar a postura e o judô, para que os meninos adquiram disciplina. Essa preocupação dos responsáveis ficou patente nas suas respostas, na medida em que todos citaram a natação praticada na EMEI como uma das atividades que as crianças mais gostam e todos se referiram a esse esporte como uma opção de atividade necessária e importante para seus filhos.

Em relação ao tempo, ao espaço e à qualidade das atividades realizadas e desenvolvidas pelas crianças pequenas, é interessante relembrar a afirmação de ELKONIN (1998):

O trabalho vai se deslocando cada vez mais da vida da família contemporânea, não restando mais do que algumas formas de afazeres domésticos de auto-serviço. Na sociedade burguesa as classes dominantes e os setores sociais abastados afastam totalmente o

trabalho da vida dos filhos. O jogo, como tudo o que não é trabalho, converte-se da maneira mais geral na forma fundamental de vida da criança, forma universal e única de Educação Infantil que se dá espontaneamente. Isolada no meio da família e das relações familiares, e vivendo em seu quarto infantil, a criança, como é natural, reflete principalmente no jogo essas relações e as funções que os membros da família exercem com ela e entre eles (ELKONIN, 1998, p. 398).

Essa citação leva à necessária reflexão acerca da importância de se criarem mais espaços tanto dentro quanto fora dos âmbitos da casa e da EMEI para as crianças poderem brincar mais.

O sentido deste tópico está muito bem retratado por FRIEDMAN (1996), quando ele ressalta que a criança aproveita qualquer espaço para brincar. Talvez poucos tenham entendido isso como Benigni, o diretor do filme “A vida é bela”, pois até mesmo em meio às agruras do campo de concentração, precisava-se (sobre)viver e, para a criança, viver é brincar. Logo, o pai do pequeno Josué brinca com o filho no meio do terror nazista porque, de qualquer forma, também naquelas circunstâncias a sua criança estava vivendo:

(...) é na “dosagem” do aproveitamento que a criança faz do seu

tempo que deve entrar o papel do adulto, enfatizando o resgate do

tempo do brincar no dia-a-dia infantil.(...) Brincar na rua é um

aprendizado e uma oportunidade para a criança interagir com outros parceiros e desenvolver jogos nos quais a atividade física predomina. (...) O espaço reservado à atividade lúdica da criança dentro da casa (quando ele existe) muda de um contexto para o outro, podendo ser um quarto só para jogos, um quintal, um pátio, a área comum de um condomínio e outros. Dentro de suas possibilidades, a criança “transforma” esses espaços para adaptá-los à sua brincadeira (FRIEDMAN, 1996, p. 15).

Se fez necessário investigar a organização do tempo e do espaço na EMEI, a sua rotina e quais eram as atividades que estavam sendo privilegiadas. Os resultados da investigação estão reunidos e sintetizados no tópico a seguir.