• Nenhum resultado encontrado

Brincar enquanto forma de intervenção e avaliação

3. O Brincar

3.3. Brincar enquanto forma de intervenção e avaliação

Ao longo dos últimos 100 anos o brincar foi assumindo uma maior relevância na área da psicologia do desenvolvimento, sendo que a partir da década de 30 começam a surgir alguns autores que apontam para a importância do brincar enquanto um método terapêutico – ludoterapia (Gitlin-Weiner et al., 2000).

Lowenfeld introduz a “técnica do mundo miniatura” na psicoterapia com crianças, procurando assim uma estrutura para a ludoterapia (Wilson, Kendrick, & Ryan, 1992). Esta técnica consiste em pedir à criança que construa mundos em miniatura, utilizando uma caixa de areia e um vasto conjunto de objetos que representam diferentes ambientes, passados e presentes (Gitlin-Weiner et al., 2000). De acordo com esta autora, ao representar estes mundos a criança projeta os seus problemas e conflitos internos que, desta forma, podem ser percebidos e clarificados em terapia (Wilson et al., 1992). Segundo Lowenfeld, o brincar tem, assim, quatro principais objetivos: permite à criança contactar com o meio ambiente; faz a ligação entre a consciência da criança e a sua experiência emocional; permite à criança expressar a sua vida emocional; e apresenta ainda funções de relaxamento, diversão e prazer (Mitchell & Friedman, 1994).

V. M. Axline (1973) dá também um grande impulso nesta área, publicando um estudo de caso relativo a uma criança emocionalmente perturbada chamada Dibs – Dibs: In Search of Self. Esta publicação trouxe um grande reconhecimento à ludoterapia, demonstrando a potencialidade do brincar no tratamento das crianças (Gitlin-Weiner et al., 2000). Para esta autora, da mesma forma que os adultos podem falar acerca das suas dificuldades em terapia, para as crianças a forma de expressão dos seus sentimentos é o brincar, sendo “o meio natural da criança se auto-expressar” (V. Axline, 1969, p. 9). Com a publicação do livro “Play Therapy” (1969) Virginia Axline introduz a corrente da ludoterapia não diretiva aplicando os princípios da terapia rogeriana, até então utilizada unicamente com adultos, às crianças.

52

Desde então, são cada vez mais os autores que dão enfoque ao impacto de intervenções psicológicas que utilizam o brincar como método terapêutico (Kaduson & Schaefer, 2001; G. Landreth et al., 2005; G. L. Landreth, 2002; Sweeney & Homeyer, 1999; Webb, 2007) sendo cada vez maior o número de profissionais que integra o brincar na sua prática clínica. Atualmente é possível identificar diversas correntes e formas de intervenção na ludoterapia: centrada na criança, psicanalítica, junguiana, cognitivo-comportamental, familiar, grupal, ecosistémica, narrativa, entre outras (Schaefer, 2008).

No entanto, só a partir da década de 60 é que se começa a valorizar o brincar enquanto técnica de avaliação. Este interesse nas potencialidades do brincar enquanto forma de diagnóstico originou um aumento no número de instrumentos de avaliação.

A avaliação psicológica infantil apresenta alguns constrangimentos em comparação com a avaliação de adultos. As crianças, principalmente aquelas que se encontram em idade pré-escolar, são consideradas um público-alvo difícil de avaliar devido ao seu nível desenvolvimental e às suas limitações ao nível da linguagem. Isto acontece uma vez que grande parte dos instrumentos de avaliação exige um domínio da linguagem (falada e escrita) para serem respondidos, não sendo por isso aplicáveis a crianças. Por isto, na área da avaliação infantil é frequente recorrer maioritariamente aos pais ou a outras figuras de referência para recolher informações acerca da própria criança (Johnston & Murray, 2003). Segundo Rubin et al. (1983) o brincar é uma boa alternativa aos testes formais, que são difíceis de administrar a crianças muito novas ou com distúrbios graves, permitindo aceder ao estado sócioemocional e intelectual da criança.

Sendo o brincar o meio de expressão da criança (Axline, 1969), a sua observação permite-nos aceder de forma direta ao seu mundo interno apresentando, deste modo, diversas vantagens na avaliação infantil. O brincar é então uma forma de compreender melhor a criança sendo que “A observação de comportamentos de brincar e a comunicação na brincadeira revela a visão da criança sobre o mundo” (Westby, 2000, p. 15).Segundo Gitlin-Weiner et al. (2000), a observação do brincar permite compreender melhor o funcionamento da criança, avaliar as suas competências e o seu nível desenvolvimental tendo a vantagem de ser uma forma de avaliação com a qual a criança se sente mais familiarizada. Tendo a possibilidade de ocorrer no contexto natural de vida da criança, a observação do brincar permite-nos ainda compreender a forma como esta interage com o seu contexto e os seus atores. Gitlin-Weiner et al. (2000) enumeram ainda outras vantagens da avaliação através do brincar: é bastante útil em crianças com dificuldades ou prolemas específicos (e.g., atraso cognitivo, autismo, mutismo, entre outros);

53

constitui uma mais-valia enquanto complemento de outras avaliações (e.g. testes cognitivos ou projetivos); é facilmente adaptável a crianças de diferentes idades; e está disponível em vários formatos. Kelly-Vance e Ryalls (2005)corroboram algumas destas ideias, salientando o facto de a avaliação através do brincar permitir avaliar a criança no seu contexto natural de vida e de permitir uma monitorização do processo em crianças que estão a ser alvo de uma intervenção psicológica.

De acordo com Rubin et al. (1983) a avaliação através do brincar sofreu de uma falta de rigor metodológico, sendo dada pouca atenção a características psicométricas como a validade, confiança ou estabilidade. Contudo, nos últimos anos têm aumentado os estudos e instrumentos de avaliação que valorizam estas características, sendo possível atualmente efetuar avaliações através do brincar bastante rigorosas em termos metodológicos. Smith (2011) salienta também a importância do rigor nesta área, referindo que o domínio das técnicas de trabalho observacional é fundamental e vantajosa, especialmente no âmbito do brincar.

No livro “Play Diagnosis and Assessment” (Gitlin-Weiner et al., 2000) são apresentados alguns instrumentos de avaliação infantil através do brincar, agrupados nas seguintes categorias: avaliação do desenvolvimento, avaliação diagnóstica, avaliação da interação pai-criança, avaliação familiar, avaliação da interação entre pares e avaliação projetiva. Dependendo dos objetivos da avaliação e da escala usada, há alguns pontos aos quais é preciso ter atenção quando se procura efetuar uma avaliação através do brincar: o contexto (observação naturalista vs observação laboratorial); a seleção e organização dos brinquedos; a facilitação ou não do brincar; e a presença ou ausência de pares (Kelly-Vance & Ryalls, 2005). Em qualquer um destes casos é fundamental que a recolha de dados seja efetuada através de escalas com bons níveis de validade e confiança (Gitlin-Weiner et al., 2000).

Em suma, o brincar é cada vez mais encarado como uma dimensão fulcral no desenvolvimento das crianças, sendo valorizadas as suas potencialidades tanto na área do tratamento como da avaliação das crianças.