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4. Discussão

4.1. Caracterização da amostra

No que se refere à distribuição da amostra de acordo com a patologia é importante perceber que as crianças não se distribuem uniformemente pelos diferentes grupos, sendo encontrado um maior número de crianças com asma (n=62) seguindo-se as crianças com cancro (n=47). O número mais elevado de crianças com asma pode estar relacionado com a sua prevalência na infância, já que é a doença crónica mais frequente nesta faixa etária (Creer & Bender, 1995; Eiser, 1990a). Já no que se refere ao cancro este valor pode estar relacionado com a própria organização do serviço, sendo que nesta consulta apenas são atendidas crianças com esta patologia. Desta forma, quase todas as crianças que se encontravam na sala de espera cumpriam os requisitos para participar no estudo – apenas o fator idade constituía aqui um fator de exclusão. Na leitura destes dados é fundamental ter em conta que o observador esteve presente aproximadamente o mesmo número de horas em cada consulta externa: oncologia médica, patologia alérgica respiratória e patologia uro-nefrológica.

É ainda importar analisar a diferença encontrada no que se refere ao género dos pais participantes, sendo que é bastante maior o número de mães do que de pais. De acordo com Eiser (1993) a maior participação das mães em estudos nesta área pode estar associada com o facto de estas, tradicionalmente, se envolverem mais no cuidado dos filhos e de trabalharem em casa com maior frequência do que os homens, estando por isso mais disponíveis para acompanharem as crianças às consultas.

Diferenças entre os grupos

Através da comparação entre os três grupos de crianças (com asma, com cancro e com patologia uro-nefrológica) é possível constatar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre as crianças com cancro e as crianças com as outras doenças, sendo que as primeiras

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apresentam um diagnóstico mais recente e deslocam-se ao hospital com maior frequência. Estes dados poderão estar relacionados com a severidade da doença, sendo que o cancro é responsável pelo maior número de mortes relacionadas com doenças na infância (Thompson & Gustafson, 1996). Para além disso, o tratamento desta doença, além de ser geralmente agressivo (Eiser, 1990a), requer deslocações muito frequentes ao hospital, principalmente nas fases mais agudas (Thompson & Gustafson, 1996). Com base neste facto, é expectável que estas sejam as crianças que mais veem a sua rotina afetada, sendo neste grupo encontrado o maior número de internamentos, faltas à escola e impedimentos na realização de atividades. As entrevistas realizadas aos pais suportam estes dados, já que nas questões relativas às consequências da doença são os pais das crianças com cancro aqueles que identificam mais repercussões na vida dos seus filhos. Estes dados vão também ao encontro da bibliografia sendo que o grande número de internamentos, a abstenção escolar e os tratamentos dolorosos e invasivos são reportados como fatores de stress psicossociais particularmente presentes nas crianças com cancro (Moore, 2002)

4.2. Objetivo 1- Explorar o ajustamento psicológico de crianças com doenças crónicas diferentes

Como referido na revisão bibliográfica, na área da doença crónica infantil é fundamental clarificar o conceito de ajustamento psicológico. Diversos estudos nesta área têm evidenciado lacunas na sua definição e operacionalização, dificultando assim a comparação dos seus resultados (Boekaerts & Roder, 1999). No presente estudo o ajustamento não é analisado no seu sentido mais restrito, ou seja, enquanto adaptação à doença. É assim assumida uma perspetiva normativo-desenvolvimental na qual o conceito de ajustamento se relaciona com o funcionamento emocional e social da criança no seu dia-a-dia (Wallander & Thompson, 1995). Esta segunda visão, que contempla um conceito de ajustamento mais lato, permite não só a comparação de crianças com doenças crónicas diferentes mas também a comparação entre estas e as crianças sem doença (Pless & Pinkerton, 1975).

No que se refere à avaliação do ajustamento psicológico através do Questionário de Capacidades e de Dificuldades (SDQ) foi possível concluir que apenas foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na subescala “sintomas emocionais”, sendo o grupo das crianças com cancro o que apresenta um valor mais elevado nesta escala. Os resultados encontrados contrariam diretamente o estudo de Siefert, Wittmann, Farquar e Taisma (1992) que ao comparar

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crianças com cancro e com asma não encontrou diferenças estatisticamente significativas ao nível do ajustamento psicológico e social. Para além disso, estes dados contrariam a visão não categorial defendida por Pless e Pinkerton (1975) já que não são encontradas diferenças entre crianças com doença e crianças sem doença, mas entre crianças com doenças crónicas diferentes. Os estudos que comparam doenças crónicas diferentes são relativamente escassos, sendo que os resultados encontrados são ainda pouco consistentes (Boekaerts e Roder, 1999; Lavigne e Faier- Routman, 1992), embora alguns estudos apontem para a existência de diferenças ao nível do funcionamento psicológico. No entanto, muitas destas investigações relacionam a existência de diferenças entre as doenças com a presença ou ausência do comprometimento do cérebro nas mesmas, o que não explica os resultados encontrados no presente estudo já que nenhuma das doenças analisadas implica comprometimento cerebral. No entanto, os resultados podem estar associados à maior gravidade desta doença e ao seu prognóstico, face às outras duas doenças do estudo, sendo vários os estudos que relacionam estes fatores com o ajustamento psicológico (Lavigne & Faier Routman, 1993 cit in Wallander & Thompson, 1995; Zashikhina & Hagglof, 2007). De acordo com Gortmaker (1985, cit in Eiser,1993), enquanto as crianças com asma e com doença renal têm uma esperança de vida normal, as crianças com cancro veem esta estimativa reduzida para os 60%. Alguns estudos descritivos acerca de crianças com cancro parecem também suportar esta hipótese, já que têm demonstrado que este grupo de crianças apresenta um maior risco de problemas comportamentais, principalmente de internalização (Thompson & Gustafson, 1996). Estes dados parecem ainda ser suportados pelas respostas dadas pelos pais nas entrevistas, no que se refere à reação ao diagnóstico. Desta forma, é possível perceber que são os pais das crianças com cancro aqueles que apresentam reações mais negativas relacionadas com a maior gravidade desta doença e com o seu pior prognóstico.

A atribuição dos diferentes comportamentos à doença da criança foi também analisada neste estudo, o que se constitui como uma mais-valia na análise dos resultados, sendo que esta área tem sido frequentemente negligenciada na literatura (Bradford, 1997). A análise desta questão permite-nos clarificar alguns dos resultados apresentados anteriormente, já que são justamente os pais das crianças com cancro os que atribuem um maior número de alterações comportamentais à doença. Se nos debruçarmos sobre as questões nas quais estas diferenças são significativas, podemos ainda constatar que a maioria se enquadra na subescala “sintomas emocionais”. É possível então concluir que os pais destas crianças consideram que a doença

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(cancro) é a principal causa para as alterações no ajustamento da criança, nomeadamente ao nível dos seus sintomas emocionais (e.g. maior tristeza, receios e preocupações).

De forma a colmatar uma limitação presente em muitos estudos nesta área – o recurso apenas aos pais enquanto informadores – foi ainda utilizada uma escala de observação do brincar (POS) para avaliação do ajustamento psicológico dos diferentes grupos de crianças. A análise destes resultados permite concluir que ao contrário do estudo de Gariepy e Howe (2003), não foram encontradas diferenças entre os grupos para a variável “Brincar” e “Não-brincar”. No entanto, foram encontradas diferenças ao nível do brincar social, sendo possível perceber que as crianças sem doença apresentam menos comportamentos de brincadeira em grupo com os pares. Num primeiro olhar, estes dados parecem contrariar a ideia defendida por Meijer et al. (2000) que postulam que as crianças com doença tendem a ter mais dificuldades na interação com os pares. No entanto, é fundamental ter em conta o contexto onde estes comportamentos ocorrem – ambiente hospitalar. Tendo em conta que as crianças com doença crónica se deslocam com maior frequência ao hospital, este contexto é-lhes mais familiar, podendo sentir-se mais confortáveis para interagir com os seus pares. Em alguns casos é ainda possível supor que algumas crianças com doença se encontram com regularidade nestes espaços, criando laços entre si.

No que se refere à existência de diferenças dentro de cada grupo foram ainda encontrados alguns resultados que importa serem analisados. Desta forma, foi possível perceber que nos três grupos de crianças com doença crónica é observado um maior número de comportamentos solitários do que em grupo. Estes resultados são suportados por Barnett (1984, cit in Gariepy & Howe, 2003) que refere que as crianças mais ansiosas e que experienciam níveis mais elevados de stress tendem a envolver-se em mais atividades solitárias.

Relativamente ao brincar cognitivo, alguma literatura sugere que as crianças com níveis mais elevados de stress tendem a envolver-se mais em atividades cognitivamente mais simples - brincar funcional (Fein, 1981, cit in Gariepy & Howe, 2003). No entanto, no presente estudo é possível perceber que em todos os grupos o brincar construtivo é o tipo de brincar mais frequente. Estes dados vão ao encontro do estudo de Gariepy e Howe no qual também foi encontrado um maior número de comportamentos de brincar construtivo comparativamente ao brincar funcional, nas crianças com cancro e sem doença. Estes resultados poderão estar relacionados com o facto de atividades como o desenho (bastante frequentes nestas crianças) serem incluídas na categoria “brincar construtivo”, sendo estas atividades enquadradas num tipo de brincar construtivo menos complexo (Gariepy, 2000).

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No que se refere à escolha dos brinquedos os resultados indicam que as crianças com cancro selecionam mais os brinquedos médicos do que as crianças sem nenhuma doença. Embora as diferenças encontradas sejam apenas marginalmente significativas, convém não descurar estes dados, que vão ao encontro do sugerido na literatura: quando as crianças estão ansiosas ou sob stress preferem brincar com brinquedos que estejam relacionados com a causa da sua ansiedade (Gariepy e Howe, 2003).

Como foi referido na revisão bibliográfica, não existe uma relação linear entre o ajustamento psicológico das crianças e a presença de uma doença crónica. Para além disso, a comparação entre crianças com doenças crónicas diferentes é ainda reduzida, sendo encontrados resultados pouco consistentes. No presente estudo, foram encontradas algumas diferenças significativas nas crianças com cancro em comparação com os outros grupos, quando o ajustamento psicológico é medido através de um questionário aplicado aos pais. No entanto, a observação direta do brincar das crianças não corrobora estas diferenças, sendo que a única diferença entre os grupos se centra nas crianças sem doença (grupo que apresenta menos comportamentos de brincar com os pares). Desta forma, é possível constatar que a perspetiva dos pais acerca do ajustamento dos filhos nem sempre é coincidente com a avaliação deste mesmo ajustamento através da observação direta do comportamento da criança. Estes resultados vão ao encontro do sugerido por alguns autores relativamente ao facto de ser importante englobar as crianças nos estudos, já que o relato dos pais apenas nos permite aceder a um lado da realidade (Eiser, 1993; Thompson e Gustafson, 1996).