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Investigação na área da doença crónica – avanços e limitações

São vários os investigadores que se têm debruçado sobre a doença crónica na infância ao longo dos tempos. As primeiras abordagens a esta problemática partiam do pressuposto que estas doenças tinham inevitavelmente um efeito adverso no paciente e na sua família, focando-se no modelo patológico. Estas abordagens apresentavam, assim, uma visão muito limitadora ao conceberem o ajustamento apenas como a ausência de dificuldades em termos de saúde mental,

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focando-se nas dificuldades e nos desvios à normalidade (Barros, 2003; Bradford, 1997). De acordo com esta visão ficava ainda por esclarecer o porquê de algumas crianças e famílias lidarem de forma bem-sucedida com a doença enquanto outras não o conseguem fazer de forma tão adaptativa (Bradford, 1997).

As investigações mais recentes têm, no entanto, vindo a contrariar o pressuposto da inevitabilidade dos efeitos adversos destas doenças, sugerindo algumas que, inclusivamente, podem surgir alguns efeitos positivos do diagnóstico (Bradford, 1997). Segundo estas novas abordagens, o foco deixa de estar na medição da patologia mas na identificação de estratégias de coping usadas pelas crianças e pelas suas famílias para lidar com a doença (Eiser, 1990a). Apesar dos avanços que têm existido nesta área, surgem ainda diversas investigações que mantêm o seu foco nas dificuldades de ajustamento destas crianças e não nos seus recursos e fatores de ajustamento positivo (Boekaerts & Roder, 1999).

Segundo Bradford (1997), durante muitos anos a doença crónica foi vista como um fenómeno unitário, com um impacte semelhante nas crianças e nas famílias, sendo a doença estudada isoladamente do seu contexto. As investigações mais recentes têm vindo a demonstrar que as reações das famílias a estas doenças são muito variáveis. Desta forma, as novas abordagens na área da doença crónica têm adotado uma perspetiva mais sistémica, integrando nos seus estudos o papel da família (Bradford, 1997) sendo fundamental não descurar também outros contextos sociais como os pares, a escola ou o ambiente hospitalar (Boekaerts & Roder, 1999; Wallander & Varni, 1998).

Além de uma mudança de paradigma, com o passar dos anos as investigações foram-se tornando mais rigorosas. No entanto, dada a complexidade desta temática, a investigação nesta área continua a ser sujeita a diversas críticas metodológicas.

Eiser (1993) apresenta algumas críticas na realização dos estudos, nomeadamente no que se refere à escolha dos grupos de crianças a avaliar. Desta forma, esta autora chama a atenção para o facto de as investigações, de um modo geral, se centrarem mais numas doenças do que noutras, sendo o cancro uma das doenças mais estudadas. A asma, embora seja uma das doenças crónicas mais comuns na infância, tem recebido comparativamente menos atenção e outras doenças mais raras, como a doença renal, são um grupo minoritário nesta área de investigação. Para além disto, a maioria da investigação tem-se centrado nos efeitos de uma doença específica, sendo necessário desenvolver mais trabalho que estude mais do que uma doença. Boekaerts e Roder

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(1999) partilham desta opinião considerando que existem vários estudos que analisam diferenças entre as crianças com doenças crónicas e crianças saudáveis mas que existe atualmente uma lacuna no que se refere a estudos que se debrucem sobre grupos de crianças com doenças crónicas diferentes.

Eiser (1993) aponta ainda algumas dificuldades de avaliação, nomeadamente na constituição das amostras. Segundo esta autora, tendo em conta que o número de crianças com doença crónica numa população é reduzido (em termos estatísticos), para se conseguir uma amostra significativa é necessário integrar crianças de idades muito diferentes, o que dificulta a seleção dos instrumentos de avaliação. Para além disto, é ainda necessário ter em conta o desenvolvimento das crianças e das suas famílias ao longo do tempo, pelo que alguns autores defendem a necessidade de realização de estudos longitudinais, que tenham em conta esta perspetiva desenvolvimental (Bradford, 1997; S. Santos, 1998; Wallander & Thompson, 1995; Wallander & Varni, 1998).

No que se refere aos instrumentos utilizados, Eiser (1993) apresenta como principais críticas, a baixa validade e a grande extensão de alguns questionários. Esta autora critica ainda o facto de nem sempre existir uma preocupação por parte dos investigadores em ajustar as medidas selecionadas ao conceito teórico que pretendem estudar, nomeadamente no que se refere à noção de ajustamento (Bradford, 1997). Nesta área, o Child Behavior Checklist - CBCL (Achenbach & Edelbrock, 1983) parece ser a escala mais utilizada para a avaliação do ajustamento psicológico (Wallander & Thompson, 1995). No entanto, este instrumento apresenta diversas limitações no estudo da doença crónica, nomeadamente o facto de alguns itens apontarem para problemas de saúde físicos (Eiser, 1993), ser pouco sensível a problemas ligeiros de ajustamento e avaliar a competência social através da participação das crianças nas atividades, sendo que estas crianças, muitas vezes, estão impedidas de participar em algumas destas atividades (Eiser, 1993; Wallander & Thompson, 1995).

É ainda importante referir que a maioria da investigação nesta área tem como grupo de recolha de dados os pais das crianças, não envolvendo as próprias crianças nos estudos devido às suas dificuldades de comunicação e expressão. Ao focarem-se apenas no relato dos pais acerca da forma como a criança lida com a doença a investigação apenas consegue aceder a um lado da realidade – a perceção dos pais – que nem sempre corresponde ao ponto de vista das crianças (Eiser, 1993; Thompson & Gustafson, 1996). Desta forma, ao não aceder diretamente à perspetiva da criança, a investigação nesta área tem sofrido uma lacuna. Sartain, Clarke e Heyman (2000)

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consideram que não tem sido dada a devida importância às opiniões e pontos de vista das crianças, não só ao nível da investigação mas também na prática clínica, onde é conferido às crianças um papel passivo.

Wallander e Varni (1998) juntam a esta crítica o facto de as avaliações serem com frequência do mesmo tipo, ou seja, questionários de autorresposta, preenchidos pelos pais (especialmente pela mãe). Estes autores defendem a utilização de diversas fontes de informação, bem como de uma maior variedade de instrumentos e formas de avaliação (observação, entrevistas, entre outros) salientando a mais-valia da investigação qualitativa (Wallander & Varni, 1998).