• Nenhum resultado encontrado

Consequências da doença crónica na infância

Na infância, as doenças crónicas assumem particular relevo já que podem impedir o desenvolvimento normal das crianças. Segundo Boekaerts e Roder (1999) as crianças com este tipo de doenças não têm apenas de gerir os múltiplos desafios que o crescimento lhes impõe, mas têm também de aprender a conviver com a sua doença. Estas crianças têm frequentemente de lidar com dores, perdas e limitações que não são usuais em pessoas da sua idade (Goodheart & Lansing, 1997). Muitas destas doenças têm cursos cíclicos, podendo as crianças viver sem a manifestação de qualquer sintoma durante longos períodos de tempo. Deste modo, a gestão destas doenças implica que a criança esteja preparada para a possibilidade de os sintomas surgirem a qualquer altura.

As crianças com este tipo de doença podem vivenciar níveis elevados de dor, stress e ansiedade, sendo também frequente a sensação de perda de autonomia e de controlo (Landreth, Sweeney, Ray, Homeyer, & Glover, 2005). Estas crianças são muitas vezes sujeitas a procedimentos desagradáveis e dolorosos, perante os quais têm de assumir um papel passivo, sentindo-se impotentes e incapazes de controlar o ambiente que as rodeia. Desta forma, aumentam a sua dependência em relação aos seus pais (ou outros adultos cuidadores), podendo também ver

17

diminuída a sua participação em atividades sociais. Tudo isto pode ter efeitos negativos no seu desenvolvimento, podendo afetar a sua qualidade de vida (Grootenhuis, Koopman, Verrips, Vogels, & Last, 2007).

Assim, a doença crónica afeta a vida da criança de duas formas: esta tem de experienciar situações aversivas relacionadas com a sua doença (como os exames, as hospitalizações, os tratamentos, entre outros) e pode também ser impedida de realizar atividades normativas e favoráveis a um desenvolvimento positivo (Goodyer 1990, cit in Barros 2003). Uma criança com doença crónica pode ver comprometida a sua assiduidade na escola, a realização de algumas atividades diárias ou mesmo ter restrições na sua vida adulta (Eiser, 1997). Em termos escolares, o regresso à escola após o diagnóstico de uma doença crónica pode trazer diversas complicações: a criança pode evidenciar dificuldades de aprendizagem (devido a um maior número de faltas), bem como problemas ao nível do relacionamento com os pares (Eiser, 1991, 1997). É importante referir ainda a forma como os professores lidam com esta situação, já que é frequente a falta de informação acerca da doença e das suas consequências por parte dos mesmos (Eiser, 1991). No que se refere às suas atividades diárias são frequentemente impostas limitações a estas crianças, principalmente no que respeita a atividades desportivas (Eiser, 1991). Estas restrições podem desencadear dificuldades ao nível da interação social com os pares, que é uma das áreas fundamentais ao desenvolvimento social da criança (Meijer & Sinnema, 2000).

Em síntese, a vivência de uma doença crónica expõe a criança a um conjunto de fatores de stress com que outras crianças não têm que lidar. Estes fatores incluem acontecimentos relacionados com a doença (como a toma de medicação diária, por exemplo) mas também consequências sociais da mesma (Boekaerts & Roder, 1999). Por isso, existe a ideia generalizada de que as crianças com doença crónica têm maior probabilidade de vir a ter problemas em termos psicológicos e sociais do que os seus pares (Pless & Douglas, 1971). Apesar disso, é fundamental referir que embora se trate de uma condição de vida geradora de stress, a doença crónica não tem necessariamente consequências negativas para a criança (Barros, 2003), como é possível verificar através de diversos estudos acerca do ajustamento em crianças com doença crónica que serão referidos posteriormente.

18 Impacte na família

Quando uma criança está doente não é apenas a sua vida que se altera. Toda a rotina familiar sofre mudanças e tem de se adaptar a este acontecimento (Coffey, 2006; Santos, 1998; Shepard & Margaret, 2002; Tsamparli-Kitsara & Kounenou, 2004), podendo surgir alterações emocionais, cognitivas e atitudinais por parte de outros elementos da família (Barros, 2003). Os pais têm de aprender a lidar com o facto de o seu filho estar doente, sentindo-se muitas vezes impotentes para o ajudar. Paralelamente, têm de fazer um esforço por manter a sua vida familiar o mais possível dentro do habitual, tentando manter a coesão familiar. Por isto, a vivência de uma doença crónica na família é geradora de fatores de stress em todos os seus elementos, o que pode ter impacte nas relações familiares, nomeadamente entre o casal (Eiser, 1993).

Estes pais sentem que são os principais responsáveis pela saúde do seu filho, preocupando-se com as várias fases do tratamento (Eiser, 1993), sendo uma das principais dificuldades sentidas pelos pais a adesão e responsibilização da criança ao mesmo (Eiser, 1997). Outra das dificuldades frequentemente reportada pelos pais prende-se com o anúncio ou comunicação da doença. Efetivamente, o surgimento de uma doença crónica implica a tomada de decisão por parte dos pais relativamente ao conteúdo, à forma e ao momento de comunicar a doença à criança (Eiser, 1997).

Numa análise efetuada por Coffey (2006) foi efetuada uma revisão de 11 estudos, nos quais se procurou aceder ao papel dos pais de crianças com doença crónica, partindo do seu próprio ponto de vista. Através desta análise foi possível perceber a importância e a necessidade de apoio vivenciadas por estes pais, especialmente nos dias seguintes ao diagnóstico. Temas como a preocupação constante, o cansaço e a fadiga são recorrentes nos discursos dos pais, parecendo ser a mãe a figura mais sobrecarregada. Têm ainda sido realizadas algumas investigações com vista a perceber o impacte da doença nos pais, tendo sido encontrada uma relação entre o stress parental e o facto de ser cuidador de uma criança com doença crónica (Shepard & Margaret, 2002).

A forma como as famílias percebem a doença crónica, os seus efeitos e as suas implicações é muito variável (Shepard & Margaret, 2002). Segundo Junqueira (2003), a forma como os pais lidam com este acontecimento acaba assim por ser determinante na forma como a própria criança o ultrapassa. Desta forma, um bom funcionamento familiar, que apoie a criança e, simultaneamente, a responsabilize e respeite a sua necessidade de independência, parece

19

proporcionar um melhor controlo da doença por parte da criança (Eiser, 1997), embora esta relação continue a ser alvo de estudo.

Na área da doença crónica infantil é fundamental não descurar o impacto da doença nos irmãos da criança, embora ainda sejam escassos os estudos com esta população (Santos, 1998). Estas crianças veem a sua vida afetada já que a sua própria rotina sofre alterações (Eiser, 1997), recebendo uma menor atenção e suporte (Santos, 1998). Para além disso, nem sempre recebem explicações adequadas relativamente à doença do irmão ou irmã, podendo, inclusivamente evidenciar sentimentos de culpa face à mesma (Eiser, 1997). É ainda frequente que estas crianças sintam que os pais são mais severos consigo do que com o irmão ou irmã que está doente (Shepard & Margaret, 2002).

Os próprios pais parecem reconhecer que a doença lhes exige muito tempo e energia, preocupando-se com o impacte negativo desta falta de disponibilidade para com os irmãos saudáveis (Coffey, 2006). Os momentos em que a criança com doença crónica exige maior atenção, nomeadamente durante as hospitalizações, podem configurar-se como momentos particularmente difíceis de gerir para os seus irmãos (Shepard & Margaret, 2002). Uma vez mais, é fundamental estar atento ao facto de as crianças poderem reagir de forma muito distinta à doença de um irmão, podendo algumas não sentir este acontecimento como stressante (Shepard & Margaret, 2002).

Por outro lado, diversos estudos sugerem que a presença de uma doença crónica na infância parece aumentar o risco de surgimento de dificuldades de ajustamento quer nos pais quer nos irmãos. No entanto, é fundamental sublinhar o facto de também serem encontrados casos de ajustamento positivo, sendo fundamental não descurar a variabilidade individual (Thompson & Gustafson, 1996).