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Condenado a 22 anos de prisão pelo assassinato da ex-namorada Eliza Samúdio, o goleiro Bruno foi solto ontem, após 6 anos na cadeia. Ele acabou beneficiado pela lentidão da Justiça, e vai aguardar julgamento de recurso em liberdade. P.7

O DIA, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2017

O DIA, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2017

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RB1 – Av. Rio Branco, 1

CRÔNICAS DA CIDADE: SÁBADO DE CARNAVAL

Quanto riso, oh, quanta alegria Mais de mil palhaços no salão

Arlequim está chorando Pelo amor da Colombina

No meio da multidão

Manchete de carnaval: Desgaste de Padilha preocupa governo. Está acontecendo uma crise na casa civil.

Já era sábado de carnaval. Tomei banho e me preparei para encontrar minha amiga Karla. Ainda não tinha decidido para onde ir. De certo, iríamos almoçar pelo Centro Histórico da cidade do Rio de Janeiro e depois folhear algum guia para verificar quais eram os blocos que iriam sair na parte da manhã. A cidade estava cheia de turistas. Aqui no Brasil somos conhecidos como hospitaleiros. Volta e meia podemos viver um acontecimento com essas relações no nosso cotidiano.

Como de costume nas manhãs de sábado de carnaval, acordei tarde. Marquei de encontrar com ela no Centro de Niterói em frente à estação das barcas para irmos juntos para o Rio de Janeiro. Karla atrasou...

Fizemos a travessia de barca, chegando no Centro do Rio, do longe, fitei o relógio no centro de cidade e percebi que já tardava da hora do desjejum.

– Vamos aproveitar para almoçar logo? Karla meio reticente aceitou. Procurei por ali mesmo, próximo à estação das barcas, um restaurante para comer. Paramos na rua do Ouvidor, que, nessa época de carnaval já estava no clima dos confetes e serpentinas.

Ali, num bar agradável, nos sentamos e pensamos quase que instantaneamente na única bebida permitida no carnaval.

– Bom dia, querem beber o que? Disse o garçom. Prontamente olhei para Karla e antes que ela recusasse, disse:

– Uma cerveja, por favor.

Por aqui, na “cidade maravilhosa”, é de costume às sextas e sábados comermos feijoada, e foi esse o pedido para o café da manhã.

Ao fundo tocava uma marchinha de carnaval. A música, a arquitetura e todo conjunto da obra facilmente nos levariam ao Rio de Machado de Assis, de Chiquinha Gonzaga e tantos outros escritores e poetas que por ali viveram.

– Nossa, que casal chato na mesa ao lado, não param de rir e falar alto. Garçom, por favor, traga mais uma cerveja – disse Álvaro, um cliente que estava sozinho na mesa ao lado.

Na mesma fração de tempo Jorge se aproximou e pediu um trocado qualquer para um prato de comida. Mora por ali mesmo. Ali, naquela calçada. Tem dias que embaixo da escada da prefeitura. É um andarilho das travessas do centro do Rio de Janeiro.

- Você quer comer? – disse Álvaro. - Sim, senhor.

Álvaro levanta e oferece a cadeira para Jorge se sentar. Oferece num gesto comensal um copo para que Jorge o acompanhasse com a cerveja. Ele de pronto recusa, explicando que não bebe por conta do vício. Então, Álvaro oferece um refrigerante e pede o cardápio para Jorge escolher o que deseja comer. Apressado, de certo seria sua primeira refeição do dia, Jorge pede um prato executivo.

Questionado sobre o motivo que levara Jorge a estar na rua, o mesmo responde: – Já estou por essas bandas há uns 7 meses. Fiquei sem trabalho, e minha mulher disse que era pra eu voltar apenas quando tivesse um trabalho.

Muita cebola sobre a carne, batata, arroz, feijão e salada, claro, um ovo frito. O garçom colocou o prato na frente de Jorge, que antes de iniciar seu processo comensal olhou para o prato com um olhar crítico, como se estivesse pensando: está tudo certo?! Então ofereceu ao seu anfitrião:

– Está servido?

– Não, obrigado. Bom apetite.

Álvaro recusou... de certo já tinha enchido o bucho, reparei que já tinha um prato com restos de petiscos na sua mesa.

***

O ato comensal é um ato político construído a cada relação que temos com a comida. Ali no ato comensal, nos sentamos à mesa – qualquer que seja essa – e atualizamos sentidos e costumes milenares. Na mesa, resolvemos questões de caráter privado e público. Talvez seja por isso que a comida consegue de nós, quase sempre, tudo que quer. Seja pelas questões químicas, seja pelo simples prazer do ato comensal.

A mesa é sempre um lugar de poder. Existe uma arquitetônica oculta que é iniciada toda vez que alguém começa a comer.

***

Nesse ritual Jorge pega cada talher com as mãos “corretas”, e inicia o processo comensal social apreendido em algum tempo e espaço da sua vida. Em meio a esse processo complexo, comer, beber, ele ainda conversa com Álvaro que, a essa hora, já estava extasiado pela conduta com que Jorge conduzia os alimentos até a boca.

O casal ao lado segue conversando, agora de certa maneira impactados com a cena que acabaram de presenciar. A cidade dos paradigmas grita seus modelos engendrados, não consegue dialogar com o que vê, permanece rígida. Ora, o morador de rua, convidado por Álvaro para almoçar, apresenta todas as características de uma pessoa educada. É polido no trato com os serviços de hospitalidade que lhe foram oferecidos, conversa sobre qualquer assunto sem esticar por demasiado as

perspectivas. Fazedor de política, com certeza. Ou não quer contrariar o anfitrião.

*** – Obrigado, preciso ir – disse Jorge.

Depois de agradecer o almoço, Jorge se levantou e partiu. Na mesa ao lado, um silêncio ensurdecedor. Olhei para Karla, que também estava com os olhos lacrimejando por ter vivido uma experiência radical de hospitalidade.

– Adeus, tu és muito falador. O céu é dos grandes silêncios contemplativos. Sussurra Machado de Assis, como que se quisesse dizer: – Escritor, essa crônica está por se perder no seu sentido. Você precisa fazer um estudo sobre a poética histórica das crônicas. Entender o gênero. Suas nuances. Suas possibilidades enunciativas. Continue aqui comigo, tenho algumas pistas.

– Ontem de manhã, descendo ao Jardim, achei a grama, as flores e as folhagens transidas de frio e pingando.

Voltei ao Machado de 14 de maio de 1893, na crônica ‘A Semana’. Preciso me demorar por lá. Enquanto isto a manchete escreve e continua nas letras miúdas. “Para fazenda, ministro é articulador das reformas. Citado por amigo de Temer, ele ficará licenciado pelo menos até dia 6”170.

Petrópolis, março de 2020