• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: NARRATIVAS POTIGUARAS: do oral e do escrito

3.2 NARRATIVAS ORAIS: VOZES POTIGUARAS CONSTRUINDO IDENTIDADES

3.2.9 As Bruxas de Coqueirinho

Outra história contada por “Seu” Marcelino é a das Bruxas de Coqueirinho:

“Seu” Marcelino: E essas... esses rituais... bruxas essas coisas toda e tal ... a gente sempre escutava falar sobre (ininteligível) e a gente, eu sempre fiquei as minha dúvida é possível que em pleno século XX, XXI ainda tem essa crendice. Mas ... é ... tem uma...uma menina aqui uma magrinha que tem aqui ... ela tem 13, 15 anos agora, ou 16. Ela nasceu aqui... já em Pontal de Coqueirinho e a minha esposa como parteira tradicional foi quem pegou essa criança. Quando ela tava novinha assim 93, 94, ela tava novinha... e à noite, a minha esposa escutou exatamente (ininteligível) pássaros, risadas esquisitas, vozes esquisitas e não era na rua. E ... o mais engraçado é que os cachorros... toda vida eu gostei de criar cachorro. Os cachorro latia, mas aquele latido assombrado, procurando

um canto pra se esconder. Aquele ruído feio. Ela foi chegando e foi embora. Eu não ouvi. No dia seguinte ela me contou eu disse “Rapaz, essa história... não é certa”(ininteligível) Ela disse: “Olhe, meu filho (ininteligível)”. Aí minha irmã aqui na frente, que morava, no dia seguinte disse: “Foi verdade. Eu escutei”.Três ou quatro pessoas disseram que escutaram. Passou o tempo, então cinco anos atrás, eu levantei umas 1hora meia noite, 1 hora da manhã, fui ao banheiro saí do banheiro, voltei deitei, e na hora que eu deitei, aí eu escutei aquele movimento como se fosse ave, um passarinho grande ((levanta e abre os braços)) e aquela conversa esquisita, você não entende a conversa. Não diz coisa por coisa. É só aquele... aquele palavreado esquisito. E as risadas. Que são as risadas bem interessante. E eu comecei ouvindo... (ininteligível). Aí comecei a ouvir os cachorro também latir, tudo com medo. Aí toquei nela assim ((mexe o cotovelo). “Olha, história das bruxa está acontecendo. Olha”. Demoraram assim uns 10 minutos ((rodando os braços levantados)) (ininteligível) e foram embora (ininteligível). No dia seguinte, todo mundo aqui estava comentando. São histórias que... vai passando, vai passando ela vai perdurando por séculos ... e não se acaba. Porque quando a gente pensa que vai morrer... alguém volta a contar novamente. Volta à tona a história das bruxas. Essa semana, eu comentando ali. Aí, eu tenho uma tia que morou lá em Coqueirinho... ela chegou a citar nomes de pessoas: Fulana, cumade Sicrana, cumade Beltrana que... praticavam esses tipo de rituais (ininteligível). Se é lenda eu não sei, mas sei que ainda vive. (Entrevista em 25/03/2010 )

Ao narrar a história das Bruxas de Coqueirinho, “Seu” Marcelino inicia o relato referindo-se a “rituais”, “crendices”. Entretanto, posteriormente, confirma a veracidade da história, ao mencionar o testemunho da tia. Entendo que essa postura do narrador é possível pela sua proximidade com os não índios; ele é o cacique da sua aldeia e costuma ter um maior contato com pessoas que entendem essas narrativas como lendas, crendices.

Na narrativa de “Seu” Marcelino, há uma voz que revela as narrativas orais, que se

transmitem de geração a geração.

Outra história bastante conhecida entre os Potiguara é a do Lobisomem, aqui contada por Ieda:

Ieda: E história que ainda vejo falar é que aqui a Baía era lugar de muito

lobisomem. EEERA. Lobisomem só chegava do meio do mundo só chegava aqui na Baía comendo fato de peixe, comendo tudo. Inté meu pai também um dia ia sendo... pegado. Ia sendo pegado meu pai... na porta de casa. Ele disse que um dia tava em casa e escutou um negócio atrás de casa (ininteligível) meu pai quando ele abriu a porta o lobisomem tava na frente pra pegar ele assim. Alguém apagou na hora a energia da rua. Num tinha energia nesse tempo aqui na Baía, mas nesse tempo tinham botado energia. Apagou aí ia pegando... ele trancou a porta aí entrou pra dentro. Esperando matar, mas pastorou a noite todinha, o resto da noite num veio mais nunca. (Entrevista com Ieda em 28/07/2010).

Em seu relato, Ieda aponta que a Baía da Traição era um lugar de muito lobisomem e que ele chegava lá comendo fato de peixe. Isso denota que os atributos variáveis do conto (PROPP, 2006) possibilitam “a incorporação de dados do cotidiano como suporte vivificador

e atualizador da prática tradicional de contar histórias” (LIMA, [s.d.], p.17). Os Potiguara

costumam se alimentar de peixe, pois a pesca é uma de suas principais atividades. Assim, a narradora relatou que o lobisomem chegou à cidade comendo peixe.

Outros colaboradores da pesquisa também contaram a história do lobisomem. Segue a

versão de “Seu” Rosimiro:

“Seu” Rosimiro: Segundo tem a história que disse que o lobisomem... se uma mãe tiver... sete filhos macho ou sete filha fêmea e não tomar... o derradeiro que nascer... o mais velho não for padrinho não for padrinho do derradeiro que nascer... disse que na certeza é um lobisomenzinho. Num tem talvez prá não ser. Disse que vira lobisomem mesmo.

Dó: Como é ele?

“Seu” Rosimiro: (ininteligível). O lobisomem tem as unhas grande O lobisomem tem as orelha que cobre a cara dele... e ele corre as sete partidas do mundo. As sete partidas do mundo que as pessoas falam... vamos dizer assim é numa comunidades dessas assim... vamos dizer vai em Baía da Traição, vai Camurupim assim, assim, assim...

disse que até completar... SETE antes do galo cantar. Isso tudo isso é pra acontecer depois do galo cantar. Porque depois que o galo cantou o lobisomem não anda. Ele... antes do galo cantar ele já tá num canto pra se deformar-se novamente em pessoa. Pra ele se deformar-se disse que ele vai vestir uma roupa quando chega lá... adonde o animal se espojou-se disse que ele... a pessoa vai tira a roupa... e dá sete nó. E disse que dá um salto pra riba... quando sai já é com a molesta na carreira virado lobisomem. COMENDO O QUE ELE ENCONTRAR... e é veloz. E disse que o mais veloz de todos ainda não é o lobisomem macho mas disse que é a lobisoa fême . Disse que a lobisoa feme é muito mais veloz do que... o macho... O macho perde prá lobisoa.

Dó: São violentos.

“Seu” Rosimiro: Violento... violento, violento.

Pesquisadora: E ele só aparece em noite de lua cheia?

“Seu” Rosimiro: Disse que ele é muito capaz vamos dizer assim... a força dele mais p’ele andar é no tempo de lua cheia... nas noite de lua cheia. Disse que Lobisomem adora... adora mesmo lua cheia. Porque é uma noite muito importante aí ele gosta de viajar muito. E as pessoa... quem anda de noite tem de ter cuidado com ele.Ter cuidado... muito cuidado com ele... muito cuidado com ele senão ele chupa as pessoa. Diz que ele bota o cara no chão quando acabar faz assim na goela assim chuim (( coloca a mão no pescoço)) com a unha aí fura e depois que furar o sangue começa a vasar e ele começa chuim... chuim... chuim... ((levando a mão à boca)).

Dó: (ininteligível).

“Seu” Rosimiro: Só mamando... E é bicho brabo. Bicho brabo mesmo. (Entrevista

com “Seu” Rosimiro em 06/05/2010).

Ao narrar a história do lobisomem, Seu” Rosimiro também incorpora dados do

contexto onde habita. Ao dizer que o lobisomem corre as sete partidas do mundo, inclui a Baía da Traição e Camurupim, localidades do seu cotidiano. Depois de narrar a história do lobisomem, ele adverte para o perigo que correm as pessoas que andam à noite. “As histórias populares narradas sempre serão um fazer dentro da vida... em comunidade” (AYALA, 2011, p. 48).

A história do lobisomem é bem antiga e tem origem em tradições europeias, segundo as quais o homem pode se transformar em lobo em noites de lua cheia. O lobisomem permeia o imaginário popular e é muito presente na literatura, como na obra de Guimarães Rosa, quando relata que Miguilim tinha medo “do lobisomem revirando a noite, correndo sete

portêlos, as sete partidas” (ROSA, 2001, p. 92).