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Em busca do conhecimento pedagógico do conteúdo: primeiros desdo bramentos a partir das tarefas

mentos profissionais

6.3.2 Em busca do conhecimento pedagógico do conteúdo: primeiros desdo bramentos a partir das tarefas

Logo no segundo encontro do grupo, as professoras participantes não deram seqüencia à ta- refa “Recortando triângulos. . . ” porque se envolveram em discussões e reflexões sobre tarefas que poderiam propor aos seus alunos, como estas deveriam ser, quais suas dificuldades, necessidades e anseios. A pesquisadora ressalta em seu diário de campo a intensidade de tais preocupações indo além de simples conversas, constituindo momentos reflexivos de autêntica reelaboração do conhecimento pedagógico do conteúdo. Conhecimentos estes que importam em como o professor transforma aquilo que sabe em algo que pode ser ensinado, de maneira acessível para seus alunos, respeitando o nível em que estes estejam.

Bianca, sugere (fala 727) uma possível adaptação da tarefa “Recortando triângulos. . . ” para seus alunos que estão na última etapa da Educação Infantil, mas não busca simplesmente transpor o que ela sabe para o que deve ser ensinado. Ao pensar sobre a tarefa, ela mobiliza, simultaneamente, conhecimento de conteúdo específico, conhecimento pedagógico e conhecimento curricular, sem ex- cluir os demais tipos. O que nos remete à inter-relação de cada uma das categorias do conhecimento do conteúdo no ensino e a reafirmar a indissociabilidade de tais conhecimentos na prática docente.

727. B. Eu acho que aqui, uma coisa que até poderia ser adaptada pra pré-escola é: quantas figuras diferentes você pode achar?

(. . . )

728. L. Você faria dois cortes só. E aí teria que chegar numa figura singular. 729. B. Eu acho que “quantas figuras diferentes você poderá obter”, porque aí você

não fecha a atividade. Você pode. . . fazer ele (a criança) pensar em quantas ele for. . .

(2E-v1de3)

ser apresentada. As características desta tarefa dão-nos pistas de que é possível tomar como ponto de partida uma tarefa de caráter aberto possibilitando a exploração e discussão em sala de aula em níveis elementares. Tal abordagem aproxima-se do nosso entendimento da exploração-investigação matemática, não se videnciando a dinâmina exatamente nas tarefas e sim nas maneiras pelas quais ocorre a interação na sala de aula, na atividade propriamente dita, desde o momento em que o professor faz a proposta.

730. B. É interessante. . . Depois fazer a socialização mesmo dos resultados. 731. G. É.

732. B. Olha fulano achou mais. né? (balançam a cabeça concordando com ela) 733. B. Né. Porque a gente faz isso né, de socializar depois os trabalhos. Porque a

criança que realmente achou uma só. . . 734. G. Ela vai observar os outros. . . 735. B. Observar os outros e. . .

736. G. Ela vai observar como o outro fez. De uma próxima vez. . . né. (2E-v1de3)

Ao elaborar o conhecimento pedagógico do conteúdo, Bianca, de maneira espontânea, apresenta uma sugestão (fala 737) de como conduzir uma aula tendo em vista o conhecimento que tem de seus alunos.

737. B. Eu acho que essa parte de “quantas figuras diferentes você pode descobrir”, eu acho que dá para partir daí. Que aí você, eu acho que tem que dar um exemplo. Ela não vai poder abstrair.

738. L. É muito abstrato.

739. B. Você tem que realmente, de repente, dobrar uma folha e olha, vou fazer dois cortes que se encontram, se encontram né e olha formou uma figura, tá vendo, mas não é só essa que a gente pode formar, existem muitas outras que a gente pode descobrir, fazendo só dois cortes. (com gestos nas mãos) (2E-v1de6)

Esta abertura que Bianca buscava proporcionar aos seus alunos a partir da tarefa mantém rela- ções com a abertura dada à tarefa “Recortando triângulos. . . ”. Em seu registro escrito após a tarefa “Recortando triângulo. . . ”, Bianca ressalta (fala 740) o caráter aberto da tarefa. Esse destaque dado pela professora Bianca ao caráter aberto da tarefa é um conhecimento pedagógico do conteúdo, uma vez que representa uma das maneiras pelas quais esta professora considera possível o ensino e a aprendizagem. Neste caso, é possível que Bianca não estivesse referindo-se às crianças da Educação Infantil, mas aos alunos de uma maneira mais ampla, pois nem sempre as crianças de Educação Infantil estão aptas a lerem enunciados, contudo, também não há necessidade de o professor expli- car tudo de maneira minuciosa, substituindo processos de pensamento que estejam envolvidos no desenvolvimento de uma dada tarefa.

740. B. O que mais chamou a atenção além do estilo da atividade aberto, propi- ciando descobertas e desenvolvendo o raciocínio lógico foi a importância do enunciado. Algumas vezes ignoramos o enunciado e explicamos abertamente à criança o que ela deve fazer deixando de desenvolver assim esse tipo de lin- guagem.

(RE-1)

Laura, também, em seu registro escrito evidencia a importância do enunciado e de como o pro- fessor o apresenta. Esta professora denota que uma atividade exploratório-investigativa não requer alto grau de complexidade, bastando ser suficiente para aguçar a curiosidade e a atitude investigativa de quem se propõe a desenvolvê-la (fala 741). Para Ponte, Brocardo e Oliveira (2003) a introdução inicial do professor não deve substituir a interpretação da tarefa, que também é um dos objetivos em aulas exploratório-investigativas, então a introdução do professor não deve ser demasiadamente pormenorizada. Ela deve ocorrer de tal maneira que o aluno saiba o que lhe é pedido. Neste caso, Bianca (fala 739) exemplifica uma das possibilidades na Educação Infantil.

741. L. Comecei a prestar atenção na forma como apresento os enunciados das tarefas e atividades e descobri que uma atividade não precisa ser complexa para despertar a curiosidade e a atitude investigativa.

(RE-8)

Durante as discussões que se seguiram, Bianca insistiu (fala 742) que não bastava apenas de tare- fas mas era necessário, em seu entendimento, planejar tarefas instigantes para as crianças. Na mesma oportunidade, Ana Júlia revela (fala 745) como ocorre o ensino de triângulos: pela apresentação da figura acompanhada da nomeação.

É interessante perceber também que esta afirmação de Ana Júlia foi feita em tom de crítica por ela mesma, que estava em busca de novas formas de entendimentos dos conteúdos específicos e a reelaboração do conhecimento pedagógico, tal como Bianca (fala 742). Propor tarefas instigantes para as crianças era um dos desafios e necessidades das professoras naquele momento. Elas não queriam fazer o que já faziam, buscavam novos desafios e reconheciam seus limites (falas 743 e 744).

Notamos um contraponto entre o que ocorre e o que buscam, reivindicando a complexidade do conhecimento do professor, que não basta apenas ter consciência das melhores alternativas, mas existe um distância entre o que o próprio professor pensa e o que realmente faz. Atesta-nos para reafirmar a complexidade e os diversos aspectos do saber docente, que, de acordo com Fiorentini, Nacarato e Pinto (1999) citados por Rocha e Fiorentini (2005, p. 3), são conceituados como sendo “histórico, provisório, contextual, afetivo, cultural, formando uma teia”. Neste contexto, o professor é protagonista, não sendo possível, simplesmente, executar procedimentos produzidos por outros, mas buscar sua produção/reelaboração. O que vai ao encontro de Shor e Freire (1986) em relação ao

ciclo gnosiológico, aproximando o ato da produção de um conhecimento novo do ato de conhecer o conhecimento produzido.

Assim, ao desejarem propor tarefas instigantes para seus alunos, as professoras participantes não tinham o caminho a ser percorrido prontamente, ao contrário, tinham insegurança e medo de um lado, e de outro, a ousadia e a vontade. Elementos estes presentes na reelaboração do conhecimento pedagógico do conteúdo.

742. B. Não, acho que tem que pensar, por isso que precisa amadurecer essa idéia né. Eu acho que a gente tem que pra olhar essas coisas, procurar, pra saber se é o melhor caminho. Porque é o que estou falando se você falar pra ele (a criança), você dando uma seqüência de passos pra ele, ele vai chegar no objetivo, com certeza. Mas será que essa é a melhor forma dele ir aprendendo isso? (. . . ) Ver se a gente consegue alguma coisa mais instigante.

743. AJ. Pelo pouco que a gente trabalha eu acho que é até um avanço. (risos geral)

744. L. Eu nunca fiz nada disso. Então não sei, eu não sei.

745. AJ. A gente já fez pega os blocos lógicos, joga pro chão e fala (risos) ó esse aqui é o triângulo.

(2E-v3de3)

De maneira geral percebemos que os momentos de discussão das professoras com vistas ao pre- paro de tarefas que pudessem ser apresentadas aos seus alunos foram marcadas pela reflexão sobre a própria prática e apresenta indícios da postura interrogativa no desempenho da função docente. Assim, as professoras participantes começaram a delinear algumas possibilidades da exploração-in- vestigação matemática na Educação Infantil.

Na próxima subseção contemplamos momentos nos quais avistamos, mais fortemente, as possi- bilidades da exploração-investigação matemática na Educação Infantil.

6.3.3

Construindo possibilidades para a exploração-investigação matemática